Semana Nerd 2016 – Começam as comemorações do Dia do Nerd, a ser comemorado dia 10 de Julho aqui na República Impopular do Desfavor. Vamos acompanhar a história da Guerra Fria por uma perspectiva bem mais… quente.

Logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, pelo menos na frente europeia, os líderes de Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética tiveram um encontro secreto em Ialta para decidir como dividir entre os vencedores o continente arrasado pelas batalhas. O que poucos sabem é que lá também ocorreu um encontro inesperado entre dois espiões…

Tema de hoje: quem errou mais ao manter segredo sobre sua profissão?

SOMIREVSKY

Telefonema na manhã do dia 11 de Fevereiro de 1945:

SOMIR: Olá, raio de sol!
SALLY: Já está bêbado?
SOMIR: Meu tio… me acordou super cedo, estou meio grogue ainda…
SALLY: Sei… fora o sono, tudo bem?
SOMIR: Tudo, tudo sim. E aí na fazenda da sua tia?
SALLY: Tudo ótimo! Ela mandou um beijo!
SOMIR: Ainda vou visitar ela com você!
SALLY: E eu visitar o seu tio com você!
SOMIR: Sim, mal posso esperar.
SALLY: Estou com saudades.
SOMIR: Eu também, lapochka!
SALLY: Oi?
SOMIR: … oi?
SALLY: Você… você falou em russo?
SOMIR: Como você sabe que é russo?
SALLY: … oi?
SOMIR: A ligação… está… ruim…
SALLY: É… está… chiando…
SOMIR: Beijos!
SALLY: Beijos!


Camaradas, não importa o ângulo que essa víbora ianque aborde, é impossível que eu tenha mais culpa, se é que alguma eu tenha. Impossível. Porque, vejam bem, o tempo todo eu só tive o bem-estar dela como preocupação. De onde eu venho, queremos gerar mudança positiva, destruir a burguesia e devolver para o proletariado os meios de produção. A minha causa é a causa de todos, é justa. A causa dela é egoísta e ignorante… eu luto por algo maior. Ela luta por alguns trocados de seus mestres.

Quando cheguei naquele antro da exploração humana que são os Estados Unidos, deveria integrar-me à cultura local. Depois de uma difícil formação no NKVD, anos de duras provas e a menor quantidade de vodka consumida desde meus 8 anos de idade, eu estava pronto para servir meu povo. Fui mandado para os EUA enquanto a guerra rugia em nossos portões. Não pude ser mais um dos bravos guerreiros, que, vestidos apenas com o manto do inverno da pátria-mãe, derrotaram os nazistas às margens do Volga! Não, tive que pedir para não participar de tal batalha, mesmo querendo com todas as minhas forças, para ir viver enojado com o falso luxo e conforto desse arremedo de nação americana.

Vocês não imaginam o sofrimento que foi pedir mais e mais recursos para a minha pátria para manter aquele estilo de vida individualista e esbanjador, tudo para manter uma fachada de normalidade diante dos locais. Até tive que mexer na minha herança cultural! Um nome tão grandioso como Somirevsky reduzido a um mero Somir com aquele sotaque odioso deles… é apenas por isso que eu ainda consigo manter a minha cabeça em pé diante dos guerreiros que tomaram Berlim. Eu também sofri, camaradas. Eu também sofri. Mas, verdade seja dita… encontrar aquela bela jovem de olhos claros tornou tudo menos insustentável. Sally, americana e inocente, por mais que as palavras não pertençam à mesma frase.

Tivemos uma identificação instantânea. Mulher reservada e inteligente, como as da minha terra. Eu deveria me unir com uma local como parte do meu plano, sim, mas entendam que eu poderia ter escolhido qualquer uma se fosse apenas trabalho. Aliás, eu até corri riscos escolhendo me relacionar com uma mulher tão atraente… meus camaradas indicaram algumas mais… discretas. Deveria ter escolhido uma delas, pensando agora.

Meu trabalho é coletar informações sobre a decadente sociedade do capital acima do povo. E Sally, como representante dela, era meu maior trunfo para descobrir a fundo tudo o que eu precisava saber. Não deixei de contar que era espião para o mal dela, na verdade, estava apenas fortalecendo o sistema que iria libertá-la! Você pode mesmo dizer que ama alguém se não deseja para essa pessoa a igualdade do modelo socialista? Mas ela, ela não pode dizer isso… não, Sally tramou por debaixo do meu nariz. OSS? Agentes do demônio!

E a forma como ela me enganou… dizendo que visitaria uma tia no interior. Eu confiei nela! Eu acreditei e até desejei uma boa viagem. Sim, eu também disse que visitaria um tio… no… interior… e eu juro que pensei nisso primeiro, ela só verbalizou antes… até fiquei feliz por ela ter essa viagem, porque poderia servir de tradutor e conselheiro do camarada Stalin em Ialta sem me sentir culpado por deixa-la sozinha. Porque o Partido reconhece o meu esforço… meu sofrimento. Fui chamado como tradutor, mas tenho certeza que a minha verdadeira função ali era ser conselheiro, por… por mais que insistissem várias vezes para não dar conselhos… talvez nosso líder estivesse indisposto naqueles dias… pressão da guerra, imagino.

E qual não foi meu sentimento de traição quando Sally surge ao lado de Roosevelt? Uma facada no coração! Eu, que dei de tudo do bom e do melhor para ela, mesmo ela tendo uma família rica. Traidora! E ainda me diz que estava em treinamento até pouco tempo atrás. Mais um motivo para ter me contado. Eu já sou um espião formado e com responsabilidades gigantescas recaindo sobre meus ombros. Ela, ela podia parar com tudo aquilo a hora que quisesse… mera recreação. Eu poderia ser morto se me revelasse, ela… ela seria o quê, reprovada em matemática? Façam-me o favor, eu tinha muito mais em jogo.

A fúria me fez até errar um pouco a tradução do camarada Stalin para o presidente americano. Tenho certeza que não causou nenhum problema duradouro… mas, depois daquela situação horrível em Ialta, voltei para Moscou. Não lido mais com aquela traidora… a não… a não ser que ela queira abandonar o lado perdedor e vir para cá, e mesmo assim, vou pensar no caso dela. Enquanto isso, eu estarei aqui me mantendo quente com vodka e comida japonesa. Sally não sabe o que começou. Não sabe mesmo.

Para dizer que essa semana temática vai ser longa, para dizer que Somirevsky é inocente, ou mesmo para dizer que prevê grandes conquistas para ele: somir@desfavor.com

SALLY

Indignada. É essa a palavra que define o que estou sentindo. Quando finalmente achei ter encontrado uma pessoa bacana, descubro que não passa de um mentiroso filho da puta!

Nunca, ao longo do nosso relacionamento, Somirevski sequer citou que trabalhava como espião para o Governo Russo. Teve milhões de oportunidades de fazê-lo, mas preferiu mentir descaradamente! Mentiu com uma facilidade assombrosa, olhando nos meu olhos. É muita cara de pau e sangue frio, evidente que desde o começo estava mal intencionado e só se aproximou de mim para tentar arrancar informações, como bom espião infiltrado que é! Como ousa vir até o meu país e me enganar assim?

O pior foi a forma como descobri que ele é um espião russo: em público, sem poder esboçar nenhuma reação ou praticar atos de violência que aplaquem minha raiva. Acho que ele não contava que eu estaria lá. Meu bom desempenho no treinamento da Office of Strategic Services – OSS, me rendeu como prêmio participar da Conferência de Ialta, ao lado dos representantes do meu país. Cheguei e, juntamente com a comitiva dos EUA, quem eu encontro? Eu sabia que ele não era espião nosso, afinal, estou em treinamento, sei bem quem é da área. Mas quando o vi cochichando com os russos, tive certeza.

Ok, eu também estou no meio da espionagem, mas ainda estou sendo treinada, e para falar a verdade, durante muito tempo tive dúvidas se realmente levaria isso adiante. Eu ainda não sou formalmente uma espiã, não terminei meu curso e não fui oficialmente designada para nenhuma missão. Como não tinha certeza sequer se conseguiria passar por todas as fases do exaustivo treinamento, achei por bem não falar nada, para não preocupar meu noivo com os riscos que meu trabalho poderia trazer. Estava esperando que de fato minha posição se consolide para comunica-lo.

Mas ele não, espião formado e atuante, infiltrado nos EUA o filho da puta! Sua condição já é consolidada e permanente, ele tinha o dever moral de ter me contado! Não se mente para sua noiva em algo tão essencial, eu deveria ter o direito de escolher se queria ou não estar com um espião russo. Mais: se eventualmente ele fosse pego, poderia sobrar para mim também. Além de me enganar de forma desleal, esse bebedor de vodka ainda colocou minha segurança e carreira em risco! Se ele fosse descoberto, jamais acreditariam que eu não sabia de nada, seria tratada como traidora.

Escroto. É isso que ele é, um escroto de marca maior. Pelo que observei, ocupa um lugar alto na espionagem russa. Agia com intimidade perto de figuras da mais alta patente, inclusive de Stalin. Observei-o de longe por muito tempo, por pensar que estava em um ambiente controlado, ele parecia relaxado. A quantidade de vodka ingerida também deve ter colaborado. Estava ali, desfilando na maior normalidade.

Quando já havia colhido todas as informações de que precisava para formar minha convicção, me fiz notar. Parei na sua frente e o encarei, ao lado da comitiva dos EUA. A cara dele foi, inicialmente, de confusão mental. Depois, quando eu acenei com a cabeça positivamente, indicando que era exatamente isso que ele estava pensando, Somirevski ficou transtornado. Por fim, quando fiz um sinal com o dedo de degola de pescoço e apontei para ele, pareceu irritado.

Discretamente ele se aproximou em um momento no qual eu estava desacompanhada e sentou-se ao meu lado, sem olhar para a minha cara, fingindo que não me conhecia. Falava baixo, olhando para frente, como se não estivesse falando comigo. Me perguntou o que eu estava fazendo ali e eu devolvi a pergunta. Ele bufava, a veia na sua testa saltava. Pegou um papel e escreveu porque eu não havia dito que era espiã. Respondi discretamente escrevendo no papel que eu não disse que era espiã porque ainda não era espiã, apenas seria se fosse aprovada nos exames finais, naquela semana e devolvi a pergunta, com alguns palavrões no meio.

Uma série de gestos discretos, porém ameaçadores se seguiram. Depois pequenas frases curtas nada amistosas sussurradas. Afrontada pela falta de hombridade em assumir seu erro, me levantei e comecei a me afastar, quando ele me segurou com força pelo punho. Nada que um discreto peteleco nos testículos não resolva. Ele soltou uns palavrões em russo enquanto eu me afastava.

Graças a esse Abominável Babaca das Neves, agora meu emprego que nem estava consolidado, já se encontrava ameaçado. Se descobrissem meu relacionamento com um agente russo infiltrado eu certamente seria reprovada na reta final. Era preciso agir rápido, prevenir danos. Tentei me aproximar de Roosevelt o máximo que pude, para mostrar toda minha competência. Se eu caísse nas graças do Presidente, estaria protegida. Engatamos várias conversas e ele pareceu se surpreender positivamente com minhas ideias.

No intervalo das minhas conversas, Somirevski me arrastou para o lado de fora e me inquiriu por qual motivo eu estava flertando com o Presidente dos EUA. Ele estava tão enfurecido que não me deixou falar, colocando em risco minha carreira mais uma vez, dando um faniquito de mulherzinha na área externa, que, felizmente não foi presenciado por ninguém. Quando o chamei de viado, ele pareceu se ofender. Não deveria, do lugar onde ele vem, Serguei é um nome. O deixei falando sozinho e ele jurou vingança.

Para minha surpresa, ao final do evento, ele saiu abraçado com uma japonesa. E quando eu digo abraçado, vejam bem, vou tentar me fazer entender, suas mãos não estavam na cintura e sim no traseiro da moça. Ele virou antes de sair e ainda riu da minha cara.


Ao final do dia um telefonema:

SOMIREVSKI: Mentirosa!
SALLY: Mentiroso é você! E vai pagar caro por isso! Colocou minha carreira em risco!
SOMIROVSKY: É mesmo? O que uma mulher e aprendiz de espiã pode fazer *rindo com deboche
SALLY: Você me subestima, mas vai se surpreender
SOMIREVSKY: Eu me surpreendi é com a japonesa que trouxe para o meu quarto
SALLY: Cuidado, você não sabe com quem está lidando
SOMIREVSKI: Com uma reles aluna sem poder algum. Aceite sua insignificância, minha cara. Você e seu país fraco não podem nada contra a Grande URSS


Desliguei o telefone, convicta de duas coisas: 1) ele errou muito mais do que eu e 2) Vai ter volta.

Para reclamar que mal acabou uma semana nerd de Tróia já entra outra, para reclamar que ainda não escrevemos o livro sobre a História do Mundo Contada pelo Desfavor ou para ter tão pouca referencia história a ponto de achar que tudo aqui foi inventado: sally@desfavor.com

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Comments (3)

  • Na verdade, o Office of Strategic Services foi fundado como Agency of Strategic Services (ASS). Dizem que a mudança da sigla ocorreu por causa da exigência das mulheres que lá trabalhavam, cansadas de sofrer bullying… /turun tss/

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