O que me irrita é que ela nem se importa com isso. Desde que nos conhecemos, eu sempre disse que sonhava com as estrelas. O espaço era a minha coisa, minha, entendem? Mas, vamos colocar as coisas em ordem… sim, aqueles porcos capitalistas deram o primeiro passo com as armas nucleares… quer dizer, eles ameaçaram um bando de alemães para fazer por eles, mas o que importava aqui é que não podíamos deixar eles saírem na frente de novo. E graças a mim, não saíram.

Camarada Stalin não estava nem um pouco feliz com a melhor utilização dos alemães roubados por eles do que pelos nossos. Eu disse que a gente pegou os errados porque entramos pelo lado errado do país na guerra, mas não me ouviram. Foram anos ouvindo discursos raivosos pra cima de todo o departamento de pesquisa e desenvolvimento do exército, pela obsessão de Stalin com bombas cada vez maiores… e, aproveitando a oportunidade, comecei a subir nos ranques do partido. Deixava os generais chamarem atenção, o que me interessava mesmo era movimentar o plano perfeito para deixar Sall… os americanos morrendo de inveja de nós.

Mas, Stalin não colaborava. Tínhamos nossos cientistas alemães à disposição, uma verba generosa oriunda dos países anexados à União Soviética, mas… o foco de um comunista numa reunião. Foram quase 8 anos enfraquecendo a segurança de Stalin até os americanos se dignarem a fazer a porcaria da obrigação deles! Só em 1953 que alguém envenenou Stalin e finalmente conseguimos colocar alguém mais competente nesse tipo de projeto no governo. Sally parece que sabia que era pra enrolar nesse trabalho… eu cheguei a mandar um agente duplo entregar todo o itinerário do líder do partido diretamente pra ela, e mesmo assim… demorou mais um ano até algum deles colocar varfarina na comida dele. Americanos… não se pode contar com eles pra nada.

A vantagem é que sem o ditador no caminho houve um vácuo de poder que colocou aliados meus cada vez mais próximos de posições decisivas. Foi numa dessas que eu pude finalmente influenciar na criação de um departamento exclusivo para espionagem e repressão, a KGB. Pode ter o significado que tiver no futuro, mas eu sempre vou saber que a sigla significa Killing Good Boys, uma lembrança carinhosa para Sally sobre a forma como ela se referia aos seus soldados.

Bom, com Stalin morto e Khrushchov assumindo, as coisas ficaram consideravelmente mais simples. Nikita fazia um tipo totalmente diferente de seu antecessor, deixando que eu controlasse nosso time de desenvolvimento como bem entendesse. Do outro lado do Atlântico, os americanos estavam mais preocupados em fazer filhos e filmes do que estudar a ciência necessária para conquistar o espaço. Os alemães deles até eram mais espertos, mas nada como uma chibata para fazer explodir o potencial criativo deles!

Foi só em 1957 que conseguimos colocar a Sputnik em órbita. Eu gostaria de dizer que o mundo tremeu com esse avanço, mas a verdade é que esse povo estúpido não sabe reconhecer grandiosidade nem se estiver orbitando sobre sua cabeça. Tanto que só fomos ser reconhecidos mesmo quando mandamos uma vira-lata chamada Laika para o espaço. E eu admito que só mandei um cachorro porque sabia que a Sally adorava os bichinhos… fiz questão de pegar um bem parecido com o que ela cresceu junto, e sempre mencionava com carinho. Infelizmente, Laika morreu de forma horrível no espaço. E infelizmente também, chegou na mão da Sally a gravação de áudio dos momentos finais do animal. Ela passou muito tempo sem falar comigo depois.

A ciência sempre faz algumas vítimas. Meu poder de influência silenciosa no programa espacial só aumentava, eu me fazia de único interlocutor de Khrushchov para toda a equipe, e como nosso líder não queria nem tentar entender as complexidades da engenharia espacial, delegava a função com tranquilidade. Sally só voltou a se comunicar quando chegaram nela as informações sobre nós estarmos prestes a colocar um homem no espaço. Deve ter tomado muita pressão dos superiores por informações, porque ficou mansinha comigo. E eu… talvez pela vodka, acreditei nas boas intenções dela. Erro… grande erro.

Durante alguns meses nos encontramos escondidos por diversas vezes, ela dizendo que ia trair os americanos, eu dizendo que ia trair os russos, e ambos rindo de tudo depois de dizer. Comemoramos juntos numa praia francesa a notícia do retorno seguro de Gagarin, garrafa de champanhe e tudo! Foram meses felizes. Mas, é claro, meses que custaram muito, muito caro. Eu tinha certeza que ela estava tentando roubar informações sobre nosso sistema de mísseis nucleares, considerando como os americanos estavam passando vergonha total na corrida espacial, mas… ela estava atrás mesmo era dos sistemas de propulsão que nossos alemães produziram. Defendi uma informação, ela conseguiu outra.

Sim, eu também consegui roubar informações valiosas sobre o presidente deles, aquele playboy do Kennedy. Certeza que eles estavam tendo um caso! Por um lado consegui uma vitória importante com aquele atirador de elite em Dallas, por outro… eu não previ como isso incentivaria os ianques. Estava na cara que Sally tinha conseguido o que queria, por desapareceu logo na sequência… será que ela também queria que eu tirasse o presidente deles do caminho? Podia só ter pedido. Mulheres…

E aí a história começava a se voltar contra mim. Nikita cometera um erro capital com aquele fiasco cubano. O Politburo não sossegou até tirar do poder aquele que mais me dava apoio e colocar em seu lugar o imbecil do Brejnev. Zero de interesse na conquista espacial assim como o que estava antes, mas zero de ouvidos para mim! O nosso programa espacial entrou em colapso! E enquanto isso, Sally e seus meninos bons conseguiam avanço sobre avanço. Nós tentamos. Tentamos mesmo… mas a vantagem que os americanos conseguiram não dava mais pra ser alcançada.

Até que… em 1969… malditos. Nós tínhamos toda a vantagem, eu distraio por alguns poucos meses, passo mais um ou dois anos testando meus limites de consumo de vodka… e pronto, os americanos conseguem colocar um homem na lua. Colocar aquela bandeira maldita e deixar suas pegadas capitalistas no único lugar que ainda estava puro. Depois de muito tempo de silêncio, Sally me ligou…


Ligação em 20 de Julho de 1969:

SALLY: Meu querido…
SOMIREVSKY: Nós vamos chegar em Marte primeiro!
SALLY: Agora, toda vez que eu olhar pra cima e ver a Lua, vou me lembrar de você.
SOMIREVSKY: Quando nós pousarmos a nossa missão lá, vou mandar desenharem um caralho voador nessa sua bandeira ridícula.
SALLY: O engraçado é que eu nem sei o nome dos equipamentos que eles estão usando.
SOMIREVSKY: Mas sabia exatamente o que roubar de mim!
SALLY: Pra falar a verdade, o projeto de vocês estava todo cagado. Não é à toa que vocês não conseguem fazer mais do que passar dando tchauzinho…
SOMIREVSKY: Eu vou espalhar por aí que essa merda foi toda feita num estúdio de cinema! E, conhecendo você, eu não duvido que tenha acontecido justamente isso!
SALLY: Fala que foi o Kubrick que dirigiu! Hahaha!
SOMIREVSKY: Vai duvidando, vai…
SALLY: Bom, só liguei pra saber se estava tudo bem.
SOMIREVSKY: Está tudo ótimo! Isso foi só uma batalha, a guerra… a guerra eu vou vencer!
SALLY: Meu bem, isso já acabou. Ninguém liga pra mais nada depois de terem pisado na Lua.
SOMIREVSKY: Só se for para os ignorantes americanos, pessoas com cérebro sabem que isso é só o começo, só uma imagem. A verdadeira corrida espacial…
SALLY: Já enjoou. O que será que a gente faz agora? Está ficando chato ganhar de você. Que tal a gente ir pra porrada?
SOMIREVSKY: O meu arsenal é maior que o seu!
SALLY: Não é o tamanho do arsenal, é o que a gente faz com ele.
SOMIREVSKY: E nem fodendo que dá pra disputar nos mísseis, não vai sobrar nem aonde tirar férias…
SALLY: Está com medinho de ficar puxado demais pra você?
SOMIREVSKY:
SALLY: Ah, não diz que já desistiu?
SOMIREVSKY: Puxado… minha cara, eu já sei exatamente o que fazer. Vocês vão sentir a mesma humilhação que eu estou sentindo, e logo!
SALLY: Pago pra ver. Ah, quer que eu mate o seu presidente?
SOMIREVSKY: Não, medo de entrar um ainda pior. Você?
SALLY: Mesmo medo. Não sei se dá pra fazer pior que o Nixon, mas prefiro não arriscar.
SOMIREVSKY: Justo.
SALLY: E nunca se esqueça, eu cheguei na Lua antes de você! Hahahaha!
SOMIREVSKY: *palavrão em russo*

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Comments (2)

  • “Durante alguns meses nos encontramos escondidos por diversas vezes, ela dizendo que ia trair os americanos, eu dizendo que ia trair os russos, e ambos rindo de tudo depois de dizer. “

    Podem até me chamar de romântico ou de bobo, mas nesse trecho cheguei a imaginar que daí em diante os dois iriam largar tudo pra secretamente ficar juntos. E depois, quem sabe, ainda mandar a CIA, a KGB, a Cortina de Ferro, o Sputnik, as ideologias, a Guerra Fria e tudo o mais às favas…

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