Manual de um Bon Vivant – Escalada Social

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Manual de um Bon Vivant – Escalada Social

Oh, olá, não tinha visto vocês aí. Esta aqui ao meu lado? Esta é Kalinka, uma modelo muito famosa no leste europeu, mas vocês provavelmente não a conhecem, já que vivem nesse submundo que é o Brasil. Peraí que meu telefone está tocando….

_Alô, mãe? Agora não, estou ocupado…. Sim, claro que tomei minhas vitaminas…. Mãe… mãe… mãe!!!! Posso te ligar depois? Tô tentando fazer um trabalho aqui. Eu não sou ingrato mãe. Precisa mesmo que eu fale isso? Ok. Beijos do seu anjinho mãe. Depois te ligo, ok?

Aham, aonde estávamos? Ah sim, esta é Kalinka, a conheci em uma exposição em Milão e desde então estamos saindo juntos, o problema é que não entendo uma palavra do que ela fala, mas entender para que não é mesmo? Não me iludo e sei que ela não quer nada além do meu dinheiro e dos luxos que posso proporcionar. Agora estou aqui, na minha nobre missão de passar para vocês as lições que aprendi arduamente durante a vida. Porque faço isso? Por que eu posso e por que sei que muitos de vocês nunca vão chegar aonde eu cheguei, mas vai que alguém aí ganha na sena né? Assim quem sabe poderá ter um gostinho do que escrevo aqui, isso se não gastar tudo em porcaria e ficar pobre novamente, que é o que acontece com a maioria dos pobres que ganha dinheiro repentinamente. Planejamento é tudo meus caros e nada melhor do que fazer seu dinheiro trabalhar por você. Essa é a lição de hoje.

Muitos me chamam de mau-caráter, aproveitador, alpinista social, enfim, uma infinidade de nomes dados por pessoas que não aceitam meu sucesso. Eu nunca enganei ninguém para chegar aonde cheguei, mas é claro que utilizei todos os recursos disponíveis que podia, mas até aí eu só estava tentando ganhar o meu dia. Quem de vocês pode me culpar por isso? Meu dinheiro é honesto e toda noite deito minha cabeça no travesseiro e durmo tranquilo. Também, com meu travesseiro de plumas de ganso branco da Sibéria, fica difícil não dormir gostoso. Bem, um dos recursos que utilizei nessa “escalada social” foi a endorfina. A endorfina, para quem não sabe, é um hormônio liberado pelo cérebro e que percorre o corpo após exercício físico ou a ingestão de alimentos.

Se lembram que no último texto eu disse que acabei conhecendo o dono da empresa e que ia lhes contar como ganhei a confiança dele? Pois então, utilizei a endorfina ao meu favor, como fiz isso? Simples, quando fui apresentado a ele, a primeira coisa que fiz foi estudá-lo aos poucos sem que ele percebesse. Sabem aquele ditado “um homem se conquista pela barriga”? É a mais pura verdade, já que alguns alimentos como o chocolate e a pimenta ajudam a liberar a tal da endorfina. Porém, antes da sair dando presentes para alguém é preciso ter um mínimo de intimidade com o alvo. No caso do dono, esperei até a data do aniversário dele para dar uma caixa de chocolates finos da Suíça. Meu segundo passo foi sempre apresentar projetos para ele em um ambiente neutro, tirando-o do escritório, aonde ele teria o poder do território. Nessas ocasiões eu sempre dava um jeito de ter bebidas quentes para servir, como café, chá ou até mesmo um destilado. Meus caros aprendam isso, bebidas quentes aproximam as pessoas e amolecem o coração, enquanto que bebidas frias deixam mais duradouro os relacionamentos já existentes.

Dito e feito, a maior parte dos projetos que eu apresentava eram aprovados e isso foi me dando liberdade para invadir cada vez mais o território dele. Homem com poder é como um cachorro bravo, se tentar invadir de cara, ele vai latir e morder, mas se você for dia a dia, dando um pouco de carne e afeto, ele se tornará seu amigo mais fiel. Em pouco tempo eu estava a frente de meus próprios projetos, sem nunca precisar invadir o espaço de meu superior. Para isso, vez ou outra eu pedia a opinião dele sobre uma importante tomada de decisão, que eu já havia tomado, mas que deixava pensar que ele havia feito. Se por acaso ele tomasse uma decisão diferente da que eu havia previsto, dava uma maneira de influenciá-lo para o meu lado.

Vou dar um exemplo, em um dos projetos tínhamos que destinar investimentos a um empreendimento em uma área nobre ou em uma área nova da cidade que estava em expansão. Ele, mais conservador, preferia fazer o investimento na área mais nobre e, portanto, mais segura. Porém o retorno era menor, já eu como sou mais ousado, preferia arriscar na área nova em crescimento e assim ter a possibilidade de um retorno maior. Para ter ele ao meu lado, utilizei uma tática que se mostrou muito útil: levei ele para jogar um esporte. Para essa tática sutil, é melhor que você deixe seu adversário ganhar, mas sem nunca deixar de ser competitivo. Dessa maneira, vá fazendo a proposta ao longo do jogo, você perceberá que enquanto estiver ganhando, o adversário se tornará mais suscetível a negar a proposta. Conforme o jogo for virando, o adversário terá o nível de endorfina maior, se sentirá com uma alta auto-estima e estará mais propenso a aceitar sua proposta como forma de te dar uma colher de chá.

No caso, levei meu chefe para jogar tênis, esporte que ao longo do tempo descobri que ele adorava. Eu já havia feito algumas aulas de tênis, mas nunca havia competido com alguém. Meu chefe, por outro lado, era um exímio tenista, então não foi tão difícil manter a competitividade e mesmo assim acabar perdendo o jogo. Ao longo do jogo, fui pincelando a proposta que eu tinha para o empreendimento na área em expansão e em como ia isso poderia nos dar um excelente retorno. Fui fazendo isso sem pressioná-lo para que concordasse comigo, mas sim de forma serena e sensata, como se estivesse conversando com um amigo. Ele, mais concentrado no jogo, não me respondeu em momento algum, mas após o término da partida fomos tomar um suco bem gelado (ao inverso de uma aproximação do alvo, quando o relacionamento já está firmado e a confiança conquistada, bebidas geladas servem como portos seguros, enquanto que bebidas quentes podem despertar ânimos mais expansivos). Outra questão aqui é que a proposta deve ser feita rapidamente, antes que a endorfina abaixe e traga a racionalidade do alvo de volta. Aproveitando o momento e já com a bebida gelada em ação, falei:

_Excelente jogo.

_Obrigado.

_O que você acha da possibilidade de investirmos na nova área ao invés da área nobre?

Eu estava me arriscando com uma pergunta tão direta, mas como joguei a decisão no colo dele, dei uma inversão de valores e coloquei-o como peça importante na decisão do projeto.

_Não sei, ainda acredito na área nobre.

Era hora de uma pitada de dramaticidade:

_Vi que no jogo você tinha ataques fortes, inesperados mesmo. Onde aprendeu a jogar?

_Aprendi uns truques aqui e ali.

_Gostaria que me ensinasse um dia.

_Claro.

Esse elogio não foi em vão, ele realmente havia sido superior a mim no jogo e o gracejo fez com que sua empatia, mais o nível de endorfina, quebrasse mais um bloqueio racional contra a minha pessoa, me deixando como um mero subalterno/aprendiz aos olhos dele, foi então que joguei a isca:

_Respeito sua decisão sobre o investimento na área nobre, então essa é sua decisão final?

Esse era o momento, reafirmei que ele estava no comando, mas ao mesmo tempo coloquei uma pergunta acreditando na possibilidade que a quebra dos bloqueios havia dado certo. Então prestei atenção em todos os gestos que ele fazia, se por acaso se retraísse, eu havia perdido, mas se ele fizesse algum gesto aberto, mesmo que sutil, eu ganharia o jogo que realmente me importava. Ele colocou a mão no meu ombro, um sinal de superioridade a mim e isso era um bom sinal naquele momento, depois disse:

_Vamos investir na nova área, talvez seja melhor assim. O risco é maior, mas o retorno virá em dobro se der certo.

_Ótima decisão, muito obrigado pelo dia de hoje.

Assim, sem dar mais tempo para que ele repensasse sobre o assunto, peguei minhas coisas, fui embora e ordenei aos meus subordinados que colocassem o plano em prática. Dois anos depois, a área em expansão virou área nobre graças aos meus esforços, ganhei muito dinheiro vendendo pelo triplo o que havia gasto e garanti meu nome no seleto hall de executivos da Forbes no Brasil. Meses depois, o Brasil começou a ficar pequeno para os meus anseios e era hora de começar a conquistar águas internacionais. Meu ex diretor continua tendo muito sucesso com a empresa dele e é claro que depois de algum tempo ele percebeu minhas artimanhas, mas aí era tarde demais e os resultados positivos estavam chegando. Mesmo com esses resultados, ele nunca me perdoou por feito um negócio que poderia ter falido a empresa se alguma coisa saísse errada. Azar o dele, que ficou estacionado como grande empresário de uma cidade, enquanto que eu conquistei o mundo.

Bem, a dica de hoje é o livro Pescando Tolos – A Economia da Manipulação e Fraude de George A. Akerlof e Robert J. Shiller, que dá complementos científicos muito interessantes para quem quer dominar todo tipo de situação e se tornar uma pessoa sagaz, assim como eu. Para o luxo do dia, sugiro as famosas canetas Montblanc, ideais para executivos assinarem documentos e papéis importantes. Feitas artesanalmente, as canetas da marca alemã revelam sofisticação, principalmente as séries limitadas Meisterstück. Não precisam me agradecer pelas dicas, até a próxima.

_Alô… oi mãe, sim, sou eu seu anjinho…. sim mãe, eu vi que você lavou minhas cuecas………

Por: Ângelo Pavanni

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