+Os atores Cleo Pires e Paulo Vilhena posaram para uma campanha da revista “Vogue” que está rendendo polêmica nas redes sociais. Eles, que são embaixadores do Comitê Paralímpico Brasileiro, foram retratados como pessoas com deficiência física com a frase “Somos Todos Paralímpicos”. Tão logo a campanha foi lançada no site da publicação, pessoas com deficiência lotaram as redes sociais com mensagens de revolta.

Devemos ser todos paralímpicos mesmo, porque pelo visto o esporte nacional do brasileiro é atirar no próprio pé. Gostando você ou não da campanha: desfavor da semana.

SALLY

Esta semana uma polêmica envolvendo uma campanha publicitária com intenção de dar visibilidade aos atletas paraolímpicos deu o que falar: em vez de usar atletas, a campanha optou por colocar dois atores globais e photoshopá-los, amputando membros. A campanha, feita por uma das maiores agências publicitárias do país e veiculada por uma das revistas de moda mais famosas, gerou revolta e indignação em redes sociais.

Somir que trabalha com isso pode dissecar melhor a parte técnica, eu quero trazer um novo ponto de vista. Essa mania que a gente tem de tentar falar o que ainda não foi falado, sabe como é… Não vou entrar no mérito da questão, afinal, só se fez isso a semana toda. Opinião sobre a campanha você tem aos montes para ler por aí. A campanha é boa? É ruim? Fica a seu critério decidir. O que quero trazer aqui é um ponto de vista novo que acredito que ambos os lados devam refletir.

Na era das redes sociais, falar sobre algo é fazer propaganda, é fazer divulgação e não existe mais propaganda negativa, ao menos não quando se trata de uma instituição ou uma pessoa famosa. O mesmo bullying que pode destruir uma pessoa física, pode alçar uma empresa ou uma celebridade ao estrelato, rendendo muitos cliques e propaganda massiva de seu nome. Na era das redes sociais, nossa indignação é motor para impulsionar aquilo que, em tese, estamos tentando repelir. Sua opinião não tem força para derrubar ninguém, sua opinião é só mais um clique, aceita que dói menos.

São mudanças muito recentes, não houve uma percepção social desta nova dinâmica, não de forma clara e organizada como estamos colocando aqui. Até bem pouco tempo atrás, se destruía uma reputação, uma pessoa ou uma empresa detonando-a, sobretudo se fosse em grupo. Ser detonado era um evento grave, temido e catastrófico. Mas o tempo passou e a realidade mudou.

Com as redes sociais, ser detonado começou a ser banal. Pessoas detonam tudo o tempo todo. Pessoas se unem para detonar alguém por seu corte de cabelo ou por qualquer outro motivo idiota. Haters criam trending topics. Haters talvez sejam maioria em matéria de brasileiros em rede social. O resultado disso é que essa detonação compulsiva e sem critério banalizou e, portanto, desvalorizou o ato de detonar. Detonar só tem peso quando quem detona é formador de opinião. Nós, reles mortais, somos apenas mais um clique.

Hoje ser detonado na internet não significa muita coisa. Na verdade, acho que todos nós em algum momento já fomos detonados na internet. Falo de cadeira, eu sou detonada diariamente. Não passa um dia sem que venham comentários desse tipo envolvendo algum texto antigo meu. E, por ser algo banalizado, perdeu o impacto, perdeu o valor, perdeu o poder de fogo. Você sabe que vai ser detonado um tempo, depois as pessoas mudam de alvo e vão detonar outros. É inofensivo, eu diria, até risível.

Hoje detonar não afeta mais de forma negativa. Salvo raras exceções, detonar gera até um impacto positivo: quando você perpetra as ideias de um idiota para o mundo, ainda que criticando-o, você o acaba conectando com todos os outros idiotas do mundo que pensam como ele e o fortalece, pois eles formam uma rede. Detonar dá ibope, que é o bem mais valioso na era do excesso de informação. Não se busca mais reputação, reputação, meus queridos dinossauros, não vale mais nada. O que vale hoje é ter destaque nesse mar infinito de gente falando ao mesmo tempo que é a internet.

Alias, não lhes ocorreu que muita gente usa a histeria coletiva como megafone de forma pensada? Tem muita agencia de publicidade e até mesmo alguns famosos que jogam com coisas que sabem que vão causar putez justamente para alcançar esse grau de repercussão. É difícil competir com o excesso de informação e este é um belo recurso. Talvez você não seja indignado, talvez você seja, na verdade, manipulado.

Não é de hoje que dizemos isso. Nós já propagamos essa ideia aqui desde 2009: não gosta? Não leia! Perder seu tempo vindo prestigiar os dois babacas autores deste blog e detoná-los não piora em nada suas vidas, muito pelo contrário. É mais um clique no nosso blog, que ficará mais bem ranqueado no Google e aparecerá mais nas pesquisas, sendo visto por mais gente. É mais um comentário, inflando nossos textos. E é patético, pois não resolve nada. Passou o tempo em que detonar alguém lhe fazia algum mal. É pura perda de tempo, e um atestado de idiota para quem o faz, que desperdiça sua energia em um ato que acaba por ajudar aquele que despreza.

Então, todos aqueles que detonaram a revista Vogue e a campanha veiculada para os jogos Paralímpicos conseguiram o efeito contrário ao que pretendiam: a revista está com recorde de visualizações, suas redes sociais estão bombando e não se fala em outra coisa. Enquanto isso, a revista TPM, que colocou uma atleta paraolímpica na capa, está esquecida. Aceitem de uma vez por todas que se rende cliques, se rende visualizações, vocês estão enriquecendo a pessoa, mesmo que seja xingando-a.

O caminho para detonar uma pessoa hoje em dia é o boicote. Justamente o oposto: não comprar, não clicar, não dar popularidade. As raras ocasiões onde isso foi feito, teve efeito devastador. Um desses casos diz respeito inclusive ao rapazinho que estrelou a polêmica campanha paraolímpica: depois de destratar a imprensa diversas vezes, chegando inclusive a agredir e cuspir em fotógrafos.

Durante um bom tempo, cada vez que ele chegava a um evento, os fotógrafos abaixavam suas câmeras e não tiravam uma única foto. Foi bem eficiente, ele passou um tempo bem esquecido, na geladeira. Dá uma olhada na biografia dele e observem o período de declínio geladeiral. Obs: Pessoa querida que escolheram para estrelar a campanha, não?

Detonar alguém usando internet e esperar causar um mal à pessoa é burrice. Cada vez que eu vejo alguém fazer isso, penso: “burro, burro toda a vida, dando ibope para algo que critica”. Se você que manifestar seu descontentamento com algo de forma eficiente, apenas boicote. Se todo mundo fizer isso, dá certo.

Porém, se você não tem maturidade para lidar com um pensamento diferente, conviver com algo que você ache incorreto ou desagradável sem ter que, necessariamente, gritar para o mundo sua revolta, então vai lá e detona mesmo. Detona com força. Só tenha três coisas em mente: 1) sua opinião não é tão importante e não vai fazer a diferença 2) você não o está fazendo por ser uma boa pessoa e sim por ser uma pessoa totalmente desequilibrada que precisa gritar com as paredes em vez de lidar com aquilo de forma eficiente e 3) está na verdade ajudando a quem você pretendia detonar.

É por isso que, desde sempre, nos mantemos quietinhos aqui, batendo um papo reto com vocês, sem divulgar texto, sem fazer estardalhaço, sem aceitar patrocinador e sem mostrar a cara. Quem não tem cara não tem fama. Isso é postura de quem não quer detonar ninguém, queremos apenas trocar ideias, criticar, expressar sentimentos. Seja esperto, não dê ibope para a coisa errada.

Para se sentir idiota, para dizer que este texto vai demorar dez anos a entrar na cabeça do brasileiro médio ou ainda para dizer que não adianta ser racional com pessoas irracionais: sally@desfavor.com

SOMIR

Nesse ponto, já está na cara pra mim que as pessoas se ofendem nas redes sociais por esporte mesmo. Como a Sally acaba de apontar, não é como se as polêmicas de internet cheguem a algum lugar senão dar visibilidade grátis para o “linchado” da vez. O que, aliás, quase certeza que já faz parte dos planos de uma campanha da Vogue criada pela agência África. A revista é uma das mais famosas e longevas do mundo da moda, a agência é uma das maiores do país. Nem digo que era o único propósito da campanha, mas o bate-boca subsequente já devia estar fatorado como resultado possível e benéfico dela.

Antes de pensarmos se a campanha foi de bom gosto ou não, que tal pensarmos um pouco no processo que a desencadeou? O cliente, uma marca gigante do mundo da moda, resolve aproveitar um evento teoricamente grande como as Paralimpíadas em solo brasileiro, mas que estava sendo muito pouco explorado até então. Não duvido que tenham tido também uma boa intenção de dar mais visibilidade e apoio aos atletas com deficiência, mas se você olhar para o que é a marca Vogue e o público para qual se destina, combinava mesmo fazer algo do tipo, desafiando padrões e tentando se manter numa tênue linha entre vanguarda artística e popularidade: um editorial de moda com o tema de atletas paralímpicos.

Com certeza a Vogue tem capacidade técnica de fazer isso ficar muito bacana e de bom gosto. Poderiam ter escolhido um casal de atletas reais, dado um banho de loja, chamado fotógrafos excelentes e feito uma matéria na revista que até geraria elogios, mas ficaria bem restrita em relação ao público alcançado e até mesmo interesse geral, afinal, não podemos esquecer que o fato de esquecermos das Paralimpíadas foi o estopim de tudo. Aí entra a agência. Vogue vai até a África, sua agência, e diz que quer tratar do tema, mas que o que tem em mente é meio fraco para gerar a atenção desejada.

O que eu acredito que se passou pelas mentes criativas do lado publicitário da coisa, versão escrotamente sem filtros (que eles nunca vão admitir em público): o assunto é fraco, porque está na cara que ninguém leva o evento tão a sério quanto as Olimpíadas, é difícil porque as pessoas tendem a não conseguir se identificar com os atletas por suas deficiência e francamente, não aspiram ser nenhum deles. Provavelmente acham melhor ser um Zé Ninguém sem deficiências do que ser um medalhista olímpico deficiente. Além de tudo isso, não temos atletas paralímpicos com reconhecimento e atratividade suficiente para carregar a campanha.

O que matava no berço o potencial de explosão de visualizações do editorial, levando consigo inclusive o objetivo de chamar atenção para as Paralimpíadas, solenemente ignoradas até aqui, e que até correram risco de voltarem para Londres pela incapacidade do Brasil de organizar a coisa e achar parceiros para bancar a empreitada. Ok, com tudo isso levado em consideração… e se a campanha fosse desagradável? Um tapa na cara? Isso faz o brasileiro se mexer, ainda mais com o uso compulsivo de redes sociais e todo mundo se achando especialista em tudo?

Então, a ideia: ao invés de mostrar alguém que já é deficiente, mostrar quem não é “fetichizado” como um. A Vogue deve ter pirado com a ideia, e não os culpo, se você entender o que estava por trás daquilo, vai entender também o apelo que valeu até mesmo o risco de serem atacados por uma horda de deficientes de capacidade cognitiva como o que, no final das contas, realmente aconteceu.

O problema da mensagem é que as pessoas não aspiravam ser um atleta paralímpico. Era uma imagem incômoda, mas não o suficiente para gerar uma reação emocional além de condescendência disfarçada de admiração. A pessoa ficaria estranhada vendo, mas sentiria uma “nobreza” em sua alma por ter achado bonito e inspirador. Bomba desarmada, vira a página e continua cagando e andando para o assunto. Mas… quando são pessoas que ela já conhece como não tendo deficiências sendo mostradas como se tivessem, pessoas que provavelmente julga atraentes e admira nem que seja pela popularidade, as coisas mudam de figura.

E aí a verdadeira ideia floresce: o atleta paralímpico é uma pessoa como qualquer outra que teve em sua vida algum evento (mesmo que antes de nascer) que a deixou daquela forma. Eles não vem de outro mundo, eles são uma lembrança direta de que basta um acidente de carro para o Usain Bolt ter que bater recordes da Paralimpíada. Que pode acontecer com qualquer um de nós, que pode acontecer com qualquer um ao nosso redor. A campanha publicitária pegou uma imagem conhecida nossa, no caso os corpos “completos” dos dois modelos, e subverteu para uma imagem que nos desagrada (e detestamos admitir que o faz).

Evidente que gente burra com ou sem deficiência reage da forma esperada ao não entender algo: com agressividade. Quando se mexe numa ferida e não se dá em troca um anestésico como a condescendência, a reação é automática. Quem não tem deficiência se dói por ter desestabilizada a noção de invencibilidade sem poder sentir aquela sensação condescendente de admiração por quem nunca queria ser; e aqueles com deficiência vem tirados de si a merda do único holofote que costumam ter, traídos de uma compensação implícita que recebem da sociedade pelas suas dificuldades. Compensação inútil, que fique claro: entre rampas de acesso e tapinhas nas costas, aposto que a maioria prefere as rampas.

A campanha foi excelente, de bom gosto para quem entende, de mau gosto para quem não tem o grau de complexidade intelectual necessário para absorver o ponto, mas independentemente de gostos, ela funcionou e chamou muita atenção para o tema. E, francamente, quem é capaz de entender o que aconteceu na peça não precisa de muita conscientização, para começo de conversa. Foi corajoso ir cutucar quem não ia te dar confete, enfiando a mensagem goela abaixo das pessoas que a rejeitariam.

O desfavor da semana, então, é o estardalhaço necessário para passar algo tão simples como “lembrem das Paralimpíadas e ajudem um pouco”. E que já tenhamos desistido tanto de tratar o brasileiro como adulto capaz de entender as coisas que gerar confusão em rede social pela burrice média do povo já seja o plano original.

Para me chamar de corporativista, pra dizer que o cotoco ficou bem mais bonito na Cleo Pires, ou mesmo para perguntar se vamos cobrir as Paralimpiadas (eu quero fazer inclusão sim!): somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (5)

  • Adriana Truffi

    Num primeiro momento odiei a campanha. Talvez pela frase “Somostodos…”. Desde a primeira vez que isso apareceu, no episódio do Daniel Alves, tomei uma birra enorme de qualquer campanha que use esse mote. Depois vi que por mais que a montagem possa ter sido desnecessária, o objetivo de chamar atenção pro evento foi alcançado.
    Quando a Sally lembrou do episódio envolvendo o Paulo Vilhena, em que os jornalistas passaram a ignorá-lo, pensei logo na subcelebridade da vez, a tal Jady Bolt… Que relevância essa mulher tem na vida de qualquer um de nós? Nenhuma!!!!! Então imprensa, por favor, a ignorem! Ela já teve seus 15 minutos de fama, agora deixem ela pra lá. Não precisamos de mais Geisys Arrudas…

  • Sempre é interessante ver um publicitário desmontando tecnicamente para os leigos uma campanha. Nessas horas, ler o Somir é esclarecedor e muito informativo, além de deixar claro que, sabendo-se fazer a coisa corretamente, o potencial manipulativo é imenso. E aqueles que são influenciados por “””””””formadores”””””” de opinião” caem aos montes, como patos! Se bem que, nos dias de hoje, o povo é tão otário que cai até na conversa do bilhete premiado. Ah, maldito Orwell!

    Ambas as visões não demorarão 10 anos pra entrar na cabeça oca do BM; infelizmente, elas JAMAIS vão entrar na cabeça oca do BM porque ele quer ser assim: precisa ser manipulado, precisa ser guiado, precisa dar vazão ao seu caráter atávico (já usei essa expressão outra vez aqui, não há muito tempo) de necessitar alguém que o guie porque não foi ensinado a andar com as próprias pernas (porque o que o permitia andar com as próprias pernas tornou-se inútil no Brasil em que vive hoje). As cabeças brasileiras que, por um motivo ou outro, saem da caixa, ou caem fora dessa baiúca latina ou afundam na mediocridade geral ou se calam, integrando o stablishment e se anulando completamente (é o pior cenário).

    BTW, só fiquei sabendo dessa campanha aqui (de novo!).

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: