Distimia.

Mau humor. Desânimo. Pensamentos negativos e uma sensação inexplicável de que tudo vai dar errado. Falta de energia para concluir tarefas básicas do seu dia a dia. Sensação de que nada te diverte e raramente te dá prazer na vida. A pessoa se sente exausta, executa apenas as obrigações básicas da vida e não consegue ver graça em muita coisa. Estas sensações não passam, duram anos. Tudo isso pode ser sintoma de uma modalidade mais branda de depressão que em nada tem a ver com sua personalidade ou força de vontade. Desfavor Explica: Distimia.

Distimia, ou Transtorno Distímico é uma modalidade branda de depressão que se caracteriza por sintomas com intensidade moderada mas se instala a longo prazo. Como os sintomas não chegam a ser incapacitantes para o trabalho, há uma maior dificuldade em diagnosticar a Distimia, pois as pessoas tendem a se culpar pelos próprios sintomas: se sentem preguiçosos, vagabundos, sem força de vontade. Não encontram legitimidade para estarem tão cansados e se culpam por isso. É como viver com o freio de mão puxado. Tudo é um esforço muito maior do que deveria ser.

Podem apresentar distúrbios de sono (insônia ou dormir muito) e na alimentação (normalmente comem pouco, mas também podem comer excessivamente). Tem propensão a drogas que sejam atenuantes dos seus sintomas. É fácil distinguir uma pessoa com Distimia de alguém que está apenas vagabundeando pelo mundo: o grau de felicidade, energia e contentamento com a vida. O portador de Distimia está frequentemente chateado, de mau humor, triste, irritado, excessivamente crítico, ressentido e introvertido. É uma pessoa vivendo em sacrifício, no tanque de reserva. Basta observar com atenção para perceber que é alguém que está se afogando em silêncio.

O desdobramento destes sintomas é variado. Não raro pessoas portadoras de Distimia são antissociais, pois sua condição sempre exausta e seu humor abaixo da linha média não favorecem uma socialização. Tendem a se isolar, não acham graça em atividades que normalmente dariam prazer. Além disso costumam apresentar uma irritabilidade fora do normal, pois estão sempre fazendo um esforço muito grande para viver, qualquer inconveniente gera uma reação desproporcional. Também é comum ver uma baixa na autoestima, pois a pessoa se sente inadequada e inferior, já que executa com muita dificuldade tarefas que parecem muito fáceis aos outros. Podem apresentar dificuldade em se concentrar e focar em uma tarefa.

Como a Distimia não torna a pessoa disfuncional, ela continua sendo capaz de estudar, ter um emprego, ter um relacionamento, a maioria parece não perceber que tem uma doença. A Distimia não te impede de viver, ela apenas dificulta enormemente sua vida. É aquela pessoa que “sempre reclama da vida”. Mas, quem disse que tem que ser impeditivo para ser doença? E ao contrário do que muitos pensam, prejudica sim o desempenho da pessoa. Sua produtividade no trabalho cai, não raro a pessoa é vista como um funcionário medíocre, não tem energia nem disponibilidade emocional para se dedicar a si mesma ou à família como deveria e muitos outros problemas do tipo.

Hoje, pelo menos metade dos portadores de Distimia vai morrer sem diagnóstico, apenas achando que a vida é muito dura e sem graça ou com um diagnóstico errado. A sociedade não ajuda. Por total desconhecimento, pessoas com Distimia costumam ser vistas como preguiçosos, desinteressados e seu isolamento ou irritabilidade são taxados de “gênio difícil” ou de “pessoa excêntrica”. Não raro, adolescentes com Distimia crescem com a autoestima detonada pelos próprios pais “Ele não quer nada com nada!” ou ainda “Não sei onde foi que eu errei, criei um vagabundo”. Eu digo onde errou: em não descartar todas as possibilidades médicas antes de saltar para a conclusão de que seria comportamental. Pais erram muito nisso.

Normalmente a Distimia aparece na adolescência, mas também pode aparecer em crianças ou em adultos. Não é possível apontar um culpado para o surgimento da Distimia, acredita-se que exista uma propensão genética e que alguns fatores externos possam colaborar: atividades estressantes, dores crônicas, perda de um ente querido e outros. Mas, a verdade é que pode acontecer “porque sim”. Só no Brasil, estima-se que existam mais de 10 milhões de portadores de ditimia. No mundo, estima-se que ao menos 5% da população mundial sofra deste mal. Não é algo tão raro, não deveria ser tão pouco falado.

A Distimia pode vir como “comorbidade”, ou seja, coexistindo com outros transtornos psiquiátricos, como por exemplo síndrome do pânico. Não é preciso que os sintomas sejam “puros” para ser Distimia, eles podem estar misturados com outros sintomas de outros transtornos. Por isso é fundamental que um psiquiatra de confiança seja consultado para um diagnóstico clínico. Não existe exame laboratorial conclusivo, apenas uma boa conversa com o paciente pode gerar um diagnóstico confiável. Mas cuidado, existe uma corrente de médicos que se apressa em diagnosticar e medicar pacientes, procure um que realmente te escute e seja cauteloso. Psicólogos e Psicanalistas também estão aptos a fazer o diagnóstico, mas não a prescrever medicamentos.

Mesmo sem causar sintomas mais intensos e incapacitantes, estamos diante de uma doença e a Distimia deve ser tratada como tal. Para qualquer transtorno do gênero tratamento é, obrigatoriamente, medicação e terapia. Não adianta fazer um sem fazer o outro. É preciso tratar o desequilíbrio bioquímico que está acontecendo no corpo e os impactos disso na mente. Depressão não se cura com força de vontade, nem com religião, nem com filhos, nem com nada que não seja medicamento e terapia. A Distimia pode durar anos e até mesmo o resto da vida se não for tratada. Uma pessoa normal vive, uma pessoa com Distimia sobrevive. Qual dos dois realmente vale a pena?

Se você quer ir além e dar o seu melhor para se recuperar, além de medicamentos e terapia, deve praticar atividades físicas de forma regular, pelo menos três vezes na semana. Isso ajuda a melhorar em diversos aspectos, desde que se escolha algo que não represente uma violência para o praticante. Deve ser algo que a pessoa goste minimamente de fazer.

Distimia tem cura, ou seja, é possível reverter totalmente os sintomas negativos e retomar uma vida dentro do seu padrão de normalidade. Porém não é algo a curto prazo, estamos falando de anos de terapia. Sim, anos. O ideal é que a pessoa saia apta a encarar a vida sem a necessidade de medicamentos, que são apenas um S.O.S. para o período mais crítico. Porém, é preciso ter em mente que pode existir uma propensão para tal e que a pessoa enfrente novamente a Distimia em outros momentos da sua vida. O fato de estar “curado” não significa estar imune.

Seria impossível fazer um texto exaurindo tudo sobre Distimia, nem era essa a intenção. O objetivo é te apresentar a ela. Ela existe. E é bem provável que você possa desenvolver ela em algum ponto da vida ou que conheça alguém que a tem e leva uma vida sofrida por desinformação. Que este texto sirva para ajudar a pessoa ou ao menos para não recriminar seus sintomas como se fossem coisas controláveis.

Distimia é doença. Doença só melhora com tratamento. Não melhora com amor, não melhora com esporro, não melhora com oração. Conversem sobre Distimia com alguém que você acha que possa ser vítima dela, vamos fazer a nossa parte e espalhar informação para, quem sabe, evitar muito sofrimento desnecessário.

Para dizer que eu tirei uma tonelada de peso das suas costas com este texto, para perguntar se meu ódio de psicologia comportamental continua ou ainda para dizer que nos dias de hoje deveriam vender esses remédios em banca de jornal pois todo mundo se sente assim: sally@desfavor.com

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Comments (36)

  • Acho que depois de anos estou entendendo o que acontece comigo: entra remédio sai terapia, entra terapia , sai remédio. Situações desafiadoras na família e no trabalho. Entra remédio sai terapia, entra terapia sai remédio: fluoxetina, donaren,terapia cognitiva comportamental,sertralina, terapia de casal, sertralina…

    • Ligia, recomendo que procure algo mais profundo: psicanálise. Terapia comportamental é para situações pontuais, como por exemplo, vencer medo de avião. E procura um psiquiatra que esteja alinhado com o seu psicanalista. Você vai sentir resultados diferentes.

  • Bem, achei o texto maravilhoso.

    Me ajudou muio a entender melhor sobre a doença, inclusive a mim mesma. Principalmente sobre a adolescência. O fato de que tudo que você escreveu nessa parte acontece realmente me surpreendeu.

  • Os sintomas são bem parecidos com os da depressão mesmo…

    Muito bom falar sobre o tema. Fico imaginando as pessoas que não buscam informação, acham que é frescura ou preguiça e acabam piorando as coisas. Deve ser terrível.

    Divulgar e compartilhar informação. ..Sempre! É utilidade pública. Pode salvar vidas.

  • Descobri ser portadora de distimia há três anos. Tenho conseguido driblar meu quadro , pois encontrei um psiquiatra excelente e faço muita meditação, aliás, recomendo a todos. É uma atividade fundamental e tem muitos benefícios (basta ler o Desfavor Explica sobre Budismo para constatar).

    Meu maior problema é a questão da retração social e do desânimo crônico, mas estou cada dia melhor.

    Obrigada por introduzir o tema, é difícil mesmo alguém falar sobre isso!

    • Meditação vem se mostrando uma forma muito eficaz no combate de qualquer tipo de depressão. Já pensou em procurar uma psicanalista para tratar da retração social?

      • Já sim. Foi um pedido do psiquiatra, inclusive. Ainda não encontrei o ideal mas quando isso acontecer a combinação de tudo vai me ajudar muito.

    • A solução está no texto: remédios (temporariamente) e terapia. Mas não é rápido, são necessários anos de terapia. Recomendo procurar um bom psicanalista.

  • Agora você me deixou preocupado, Sally. Por favor, perdoe-me se eu estiver falando bobagem, mas você tem se sentido assim ultimamente?

    • Não, eu não tenho me sentido assim. Já falei sobre mais de dez transtornos psiquiátricos no Desfavor Explica, é possível sentir empatia e vontade de compartilhar esta informação com o mundo sem ser portador da doença, né?

      • OK. E concordo com o que você disse sobre empatia. Só perguntei porque, mesmo sem te conhecer pessoalmente, gosto de você – te ler sempre me traz algo de bom – e quero o seu bem, viu?

  • É mais fácil ver o distímico como vagabundo, irresponsável e preguiçoso, porque teoricamente, gente preguiçosa não precisa de ajuda e a família não precisa se questionar se tem parte em alguma responsabilidade nisso, não precisa repensar se tem algum ambiente disfuncional que prejudique a saúde mental.É fingir que não tem nada acontecendo. Aí depois a pessoa se mata e fica todo mundo perplexo, sem saber porque.

  • Já fui diagnosticado com distimia em comorbidade com o transtorno de personalidade borderline, mas outros médicos já disseram que não tem nada a ver.
    E prevaleceu o TPB em comorbidade com o TDAH.

    [Inclusive voltei a me tratar do TPB e estou ótimo, o TDAH não me dei bem com um medicamento novo, infelizmente acontece.]

    • Fico muito feliz em saber que você está cuidando da sua saúde, desde seu mini-avc estou muito preocupada.

      Será que mesmo TDAH?

      • Tem me faltado tempo pra acompanhar aqui e responder, desculpe.

        Estou tomando venvanse para TDAH e parece que desbloqueei umas features no meu cérebro.
        Consigo me concentrar, focar, fica tudo melhor… Então acho que talvez seja mesmo! Comecei a ter problemas na sétima série, não conseguia estudar, fiquei em recuperação… Enfim, mas os transtornos de humor que me atrapalham mais e também cuidando disso…

  • Sally, esse texto praticamente descreve a mim e ao meu irmão em períodos diferentes de nossas vidas. E foram mesmo ANOS para conseguirmos nos recuperar. Ele sofreu bem mais do que eu, por ser mais velho e não ter ânimo para se dedicar a procurar por um trabalho. Eu mesma o condenei por isso até descobrir que não mantinha minhas notas escolares no patamar de antes por não ter ânimo de estudar, e não por ter dificuldades específicas.
    Ainda hoje há recaídas, mas é sempre bom ler um texto a respeito para lembrar que não estamos loucos e que a vida não é para ser vivida nesse automático melancólico e sem energia.

    • Não, Paula, vocês não são loucos. Nem preguçosos. Nem amaldiçoados. Nem nada de ruim que se queira dizer sobre as escolhas de vida. É um desequilíbrio bioquímico do qual ninguém tem culpa e que independe completamente da vontade de vocês.

    • Paula, também fico feliz que o texto ajudou e você quis compartilhar, ainda mais que teu comentário também me descreveu.

      Também há um texto sobre (em geral) depressão e você com certeza é lúcida !

      E Sally, muito obrigado (!) mais uma vez !

  • Será que quem é realmente preguiçoso, ou vagabundo vai começar a usar este termo como desculpa? hahaha

    Então pessoas que tem Distimia podem facilmente ser confundidas com aquelas pessoas “cara de cu” e na verdade só estão com um disturbio.

    • Acho que não. Vagabundo geralmente é alegre e festeiro. Não quer trabalhar mas vive saindo, bebendo, pegando mulher. Pessoas com distimia são mais retraídas, sofrem, estão sempre cansadas, sem energia e sem motivação para fazer qualquer coisa.

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