O boato da hora.

+No fim da tarde desta sexta, o ministério divulgou um vídeo em redes sociais para dizer que a jornada de trabalho de 44 horas semanais e todos os demais direitos do trabalhador serão respeitados. O vídeo diz que “tem uma história sendo divulgada nas redes sociais dizendo que o governo quer aumentar a jornada de trabalho para 12h por dia” e diz que a informação é falsa.

Junte isso ao povo repetindo que os procuradores da denúncia ao Lula disseram não ter provas, e mais uma vez temos o brasileiro tendo orgulho de não ler antes de comentar. Qualquer mentira parece colar… desfavor da semana.

SALLY

Eu sei que já falamos sobre este tema outras vezes, mas como o sintoma está piorando, achamos que merece uma nova reflexão: as pessoas engolem qualquer merda que seja afirmada com tom de certeza. Mas é qualquer merda mesmo, sem um mínimo filtro, sem procurar investigar se é verdade. Basta que a informação seja do seu agrado, corrobore como argumento para que ela esteja certa em suas afirmações ou escolhas de vida, que a pessoa abraça a informação automaticamente como verdadeira e ainda a dissemina sem escrúpulos como se fosse uma verdade absoluta.

Só nesta semana, tivemos dois exemplos grotescos. O absurdo de dizer que Temer vai mudar a jornada de trabalho para 12h diárias e a mentira descarada de dizer que os procuradores da Lava Jato afirmaram não ter provas contra Lula. Essas mentiras se espalharam como um câncer na internet e por mais que a imprensa, especialistas, o Papa Francisco, o Pikachu, Jesus Cristo de Havaianas ou o Diabo de Alpargatas desmintam à exaustão, idiotas continuam afirmando.

No meu texto tripudiativo de quinta, todos (eu disse todos!) os que vieram defender o PT usaram esse mesmo argumento: os próprios procuradores admitiram não ter provas contra Lula. Se vocês repararem, eu editei todos os comentários de forma burlesca, exceto um. Não foi por acaso. Não foi porque eu achei aquele comentário merecedor de integridade. Foi justamente pensando nisso, em deixar ali consignado como as pessoas afirmam com toda a certeza do mundo, de forma leviana, que algo que nunca existiu é real. Que vergonha profunda que senti lendo aquilo! Que atestado de idiotas! Meros papagaios sem cérebro que repetem o argumento que um insano gritou por aí.

Sinto uma vergonha infinita de imbecis que se comportam assim e, na minha opinião, eles são minoria. Só que gritam alto, e falam como se estivessem falando por todos, o que não é verdade. Pessoas que se acham super espertas e te acham idiota por não “perceber a verdade”, quando, na real, são eles que espalham informações falsas, facilmente averiguáveis, como um corta-cola humano de imbecilidades e chorume de rede social. Espalham aquilo em que gostam de acreditar, criando um mundinho mais agradável para elas, onde as coisas são como elas gostariam que fossem. Gente burra e sem estrutura para encarar o mundo real com discernimento, que choveu aqui na quinta.

Internet democratizou conhecimento. Custa dez segundos buscar um vídeo, uma lei ou uma entrevista e constatar se aquela informação é verdadeira ou não. É algo perfeitamente possível (e saudável) de se fazer. Então, por qual motivo essa minoria barulhenta não o faz? Provavelmente porque preferem acreditar naquilo que lhes é mais confortável, que lhes atende melhor. Talvez nem cogitem que possa ser mentira, porque né, isso seria ter que admitir que se enganaram, que estão errados. Não erram, os fodões. Gente com autoestima quebrada precisa sempre ter razão e desqualificar o outro.

O grande problema é viver em um país composto por uma grande massa ignorante, que não teve o desenvolvimento intelectual e senso crítico estimulado pelos pais na primeira infância. São presas fáceis para essas verdades mentirosas que os imbecis espalham. Olha, se mesmo em uma época onde não se sonhava ter internet nem qualquer modalidade de comunicação de massa, apenas cartas, já se criaram verdades mentirosas como “manga com leite faz mal”, imagina o efeito disso agora que qualquer idiota tem voz.

No caso das alterações de leis trabalhistas, cuja autoria é da Dilma e não do Temer, existe tanta a coisa a criticar que daria um texto de dez páginas. Mas em vez de focar naquilo que realmente é grave, que merece críticas, as pessoas gastam suas energias e seu tempo atacando uma mentira. É contraproducente até mesmo para quem tem o objetivo de detonar o Temer. Enquanto as pessoas correm atrás de uma sombra que não é real, outras atrocidades são cometidas e passam em brancas nuvens.

É um mindset antigo aplicado a uma realidade nova. É um modo de funcionar que tinha alguma razão de ser em tempos onde só pessoas minimamente qualificadas tinham voz. Hoje qualquer zé buceta com um celular joga ao mundo alguma informação com toda a convicção e provas forjadas. Passou da hora de mudar o mindset e perceber que hoje temos que duvidar dez vezes de tudo que lemos. Por todo mundo, pessoas já se portam assim, mas o brasileiro parece ter um atraso mental, uma infantilização, uma resistência a evoluir. Tanto é que são conhecidos mundialmente por serem presas fáceis de e-mails falsos e outros mecanismos de estelionato virtual.

Eu sei que ser colonizados por portugueses, somado a muito tempo de escravidão geraram um atraso civilizatório. Escravo, se questionasse levava chibata. Senhores de Engenho, nunca eram questionados. Compreendo. Mas passou da hora de romper com isso, né? Basta criar o hábito de apurar as informações antes de passar adiante. Pode ser difícil no começo, mas depois vai se tornar algo natural. Só assim para esses imbecilóides saírem dos holofotes. Caso contrário, temo que o efeito rebote seja terrível: após centenas de decepções, todos passarão a presumir que tudo é mentira, o que vai gerar ainda mais problemas.

Curioso pensar o que motiva estes idiotas a lançar boatos e a repeti-los como se fossem verdadeiros. Seria premeditação ou burrice mesmo? Eu voto na burrice. Pessoas incapazes de interpretar um texto, contaminadas pela sua visão limitada. Não vou glorificar estas pessoas, não creio que tenham capacidade para armar nada. São burros mesmo, que depois de ler uma coisa entendem outra e a gritam com toda a certeza.

Só seguem gente que pensa como eles em redes sociais, só se dão ao trabalho de ler publicações cuja linha editorial converge com seus pensamentos. Só colocam um certo tipo de input para dentro. O resultado? Só sai um output também. Não são manipuladores maquiavélicos, inclusive porque lhes falta competência para isso. São idiotas, repetidores, viciados. Assim como aqueles que os reproduzem sem se dar ao trabalho de questionar o que ouviram.

E como se combate idiotas? Não dando voz a eles, que foi o que eu escolhi fazer esta semana no Desfavor e foi muito bem sucedido. Não é a toa que os idiotas sempre batem ponto nos meus textos, nunca nos do Somir. Ele não dá voz aos idiotas. Quanto mais você bate boca com idiotas, mais audiência gera para eles, permitindo que outros idiotas tenham acesso e se juntem ao idiota original.

Não ajude idiotas a terem voz. Não bata boca, não brigue, não tente provar a incoerência do que eles estão dizendo, são como doentes mentais, sempre vão distorcer tudo para acomodar as coisas da forma que lhes é mais conveniente. Não é humanamente possível ter um diálogo racional com estas pessoas.

Faça sua parte e filtre minimamente o que lê antes de sair espalhando, por mais tentador e agradável que seja o que aquela informação apresenta. Só assim se desenvolve o senso crítico, a capacidade de questionar e se afasta a “manipulação” (muuuuitas aspas) por imbecis. É como musculação para seu cérebro, pode ser difícil no começo, mas depois fica cada vez mais fácil e gratificante.

Para dizer que eu não sei nada sobre a verdade em tom condescendente, para vomitar alguma teoria da conspiração ridícula ou ainda para me contar sobre a sua verdade como se fosse uma verdade universal: sally@desfavor.com

SOMIR

Confesso que eu sempre tive algum prazer em dizer completos absurdos para pessoas que julgava burras ou distraídas e descobrir se colava. Acabei fazendo disso uma ciência, com graus diferentes de manipulação da realidade pra ver até onde dava pra “reconstruir” a visão da pessoa recebendo a informação, e onde começava a linha de excesso. O tempo foi me tirando esse interesse específico, porque uma coisa ficava tão clara que me tornava até supérfluo no processo: as pessoas acreditam em qualquer porcaria que de alguma forma reforce sua visão de mundo.

Pode ser uma história complexa e cheia de elementos fantásticos como as que eu fazia, pode ser um boato anêmico com premissas contraditórias… dá no mesmo. Passa porque a pessoa só quer reforçar a ideia de que está certa, não pela qualidade do material apresentado. E se somos todos suscetíveis a isso, gente com menos conhecimento geral e treinamento básico de pensamento crítico (vulgo convivência com gente que já desenvolveu) tende a engolir histórias ainda mais absurdas.

Surge o boato que o governo vai aumentar a jornada de trabalho de 8 para 12 horas diárias. Que num país como o Brasil o governo tome decisões terríveis e cause problemas para seus cidadãos reforça a visão da realidade de quase todo mundo, ok. Mas daí se traça uma linha do que é verossímil e do que não é. Sem modéstia à parte, pessoas com mais conhecimento como eu conseguem perceber o boato infundado e insano só de ler a frase. Alegações extraordinárias exigem evidências extraordinárias. Não cabe no meu modelo de realidade o aumento de um terço na jornada de trabalho da maioria da população brasileira numa canetada só.

Mas mesmo quem não tem anticorpos contra alegações fantasiosas tão bem desenvolvidos ainda tem um remédio poderoso nos dias atuais: a popularização da informação. Os mesmos meios que divulgam o boato podem dissipá-lo com uma rápida pesquisa. Informação que assusta dessa forma tem que ser checada na hora. Mas isso não faz parte do conjunto de habilidades para lidar com o mundo de uma considerável parte dos brasileiros. Puramente reativos, lidam com as informações que chegam de acordo com a dificuldade percebida de verifica-las. Deveria ser fácil pesquisar no Google por cinco minutos e descobrir que o ministro não disse isso, mas mesmo essa ação exige capacidade de compreensão de textos e relacionamento de informações.

O que, infelizmente, não foi ensinado ou sequer cobrado de uma grande parcela dos brasileiros. Contam apenas com o que já sabem e tentam encaixar cada informação dentro desse pacote inicial para verificarem sua veracidade. Evidente que o boato se espalha. A mente desse povo é mato seco para a chama da desinformação.

E com o incêndio espalhando-se livremente, não adianta nem desmentir a informação depois. A pessoa recebe a informação nova de que o ministro não queria dizer isso, mas ela, por incrível que pareça, não se relaciona com a de que ele quis dizer isso antes. Eu acho isso fascinante, triste, mas fascinante: pessoas que convivem com duas informações diametralmente opostas na cabeça, num estado de alerta constante que não pode ser diminuído com conhecimento novo.

Claro, a falta de capacidade de lidar com as informações recebidas é sinônimo da falta de estudo e treino do pensamento crítico, mas nos dias atuais, também é um reflexo do que se espera no mundo das redes sociais: reações instantâneas. O povo está adestrado a receber uma informação e dar sua opinião no mesmo segundo, como se fosse uma batata-quente. Parece até errado não compartilhar com mais vinte pessoas, como se a Samara fosse visita-los na madrugada caso não reajam de pronto.

E nossa atual oposição tem plena consciência disso. Na guerra contra os que chamam de usurpadores, vão usar todas as armas que tem, a desinformação sendo uma das mais poderosas. O boato já teria poder por conta própria, mas é certeza que quem tem a visão de mundo de tratar o governo atual como inimigo pessoal consegue apagar momentaneamente a descrença e no mínimo deixá-lo espalhar, mesmo sabendo que vai causar angústia em gente despreparada para lidar com ele.

É desfavor pela falta de capacidade do povo de entender algo absurdo como absurdo, temo que se o boato fosse de que cada brasileiro teria que trabalhar com uma calcinha enfiada na bunda, muita gente acreditaria e começaria a reclamar antes mesmo de imaginar se aquilo seria possível. É quase como se não importasse nem o que foi dito, como se todas as informações recebidas ficassem numa mesma área de contenção antes de serem analisadas profundamente, mas a maioria dos brasileiros sequer soubesse que podia passar elas para a próxima área.

Numa analogia estranha, é como se a mente desse povo fosse uma cela provisória abarrotada de presos de todos os tipos, dos mais inofensivos aos psicopatas mais cruéis, e não houvesse juiz nenhum por perto para dar seguimento aos processos. Chega num ponto de superlotação onde a pessoa nem sabe mais o que está lá dentro, esquecendo quem cometeu qual crime e reagindo em pânico a cada um que entra. Ninguém é condenado ou absolvido, todas as ideias são um incômodo. O que talvez explique a rejeição que tanta gente tem a buscar novas informações… não saberiam o que fazer com elas mesmo.

E aí, qualquer boato cola. Não é como se eles fossem diferentes de qualquer outra informação.

Para dizer que não acredita nisso, para dizer que eu só quero ajudar o governo Temer a te explorar, ou mesmo para dizer que se está na internet é verdade: somir@desfavor.com

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Comments (8)

  • Adriana Truffi

    Outro dia um ex -cunhado postou no facebook uma notícia falando do fechamento de sei lá quantas mil empresas de maio a novembro. Fui ver a notícia, e como eu suspeitava era de 2015. E informei isso nos comentários, deixando implícito que o problema foi causado no governo Dilme e não Temer como ele tentou fazer aparecer. Pra quê! Ao invés de apagar o post pra não passar mais vergonha, o dito cujo veio com um papo de que a culpa de toda essa crise é do “baixo-astral” do PSDB desde 2013… kkkk Só rindo mesmo!
    Um cara que tem mais de 50 anos, nunca trabalhou na vida (é músico, mas antes que me batam por falar que músico não trabalha, este não tem uma cueca comprada com dinheiro dele. Vive às custas da mãe e irmãos até hoje. Na zona sul, é claro! Vive de um passado onde já teve certa fama, não vende CD’S, nem músicas, e não faz shows em bares porque se acha bom demais pra isso… Enfim, perfil do autêntico esquerda caviar), e agora resolveu colocar em seu perfil que trabalha na “Revolução das Cooperativas”. E como vários outros, compartilhou a rodo essa história da jornada de 12 horas. Preguiça demais desse povo que não confere uma notícia!

    • O pior é que os demais devem ler só a manchete da notícia e sair compartilhando. Que deprimente! Esses esquerda caviar, que não se esfolam trabalhando,ousam falar em nome do trabalhador e querem saber o que é melhor para ele!

  • Não apenas a capacidade de reter e investigar boatos está deixada de lado.
    Tinha na minha TL do Facebook uma médica: inteligentíssima, reconhecida em sua área, mas que entrou numa espiral de “FORA DILMA, FORA LULA!”, que certa feita, postei uma notícia com a legenda irônica “A viva alma mais honesta do país? DU VI DO!”. A mulher surtou nos meus comentários, dizendo que jamais esperava que eu defendesse o Lula. Cara… ironia! Apenas ironia!

    • É resposta aos anos de militantes agressivos impondo seu ponto de vista aos berros como obrigatório. A mulher pegou trauma.

  • A massa de militância petista tem dessas coisas, principalmente nas internetes. Em redes sociais, por exemplo, eles têm o costume de se cercar exclusivamente de pessoas e fontes que estejam 100% alinhadas com suas opiniões políticas, ou seja, meio que se cercam de papagaios que dizem o que querem ouvir e aprovam tudo que eles dizem. Lembro de uns tempos atrás que partiu do PSOL uma corrente que estimulava os seus militantes a excluir do Facebook todos os seus amigos que curtiam a página do Bolsonaro, a Veja ou o Olavo de Carvalho entre outros. E assim eles fizeram.

    Outra coisa é que eles não querem ou sentem a necessidade de checar a validade de suas fontes, e isso vale para os dois lados: se a notícia diz o que ele quer ouvir, pouco importa quem esteja dizendo o quê baseado no quê – é verdade, é sim senhor. Se a notícia diz o que ele não quer ouvir, pouco importa quem esteja dizendo o quê baseado no quê – é mentira, é sim senhor.

    • Pois é, pinçam uma coisa fora de contesto e gritam, gritam, gritam.

      Não há a menor capacidade de compreensão, só conseguem entender algo que seja favorável a seu ponto de vista. É um processo de emburrecimento tão violento, nunca vi coisa igual. Fanatismo mesmo.

  • Mas tem quem trabalhe em jornada de 12 horas (a famosa jornada 12-36), que aliás, é bem comum na área da saúde.

    Acham ruim… Tem pior. A jornada 24-72 na PM.

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