Pagando pela boca.

A pergunta “quanto você ganha?” costuma ser mal vista e raramente recebe uma resposta direta. Pensando nesse “tabu”, Sally e Somir apresentam opiniões bem distintas sobre todo o segredo ao redor da informação. Os impopulares pagam com suas visões.

Tema de hoje: os salários devem ser mantidos em sigilo pela empresa?

SOMIR

E lá vamos nós de novo… não, não deveriam. Quem acompanha minhas opiniões aqui sabe que eu costumo ser partidário de soluções desconfortáveis para a sociedade num primeiro momento, mas que tenham potencial para melhorar as coisas com seu desenvolvimento. E estamos exatamente num caso desses. Evidente que não é uma fórmula mágica para a justiça nos rendimentos dos trabalhadores, mas tira do caminho um mecanismo de controle daqueles que os exploram.

E não é papo de comunista: o mercado de trabalho é baseado em exploração. Se dá bem quem paga o mínimo possível e recebe o máximo possível do trabalho das pessoas. Difícil não seguir esse modelo se você quiser ter sucesso no seu negócio. Se toda a estrutura da empresa é baseada em lucros, um funcionário que não produz mais do que recebe nem faz sentido, certo? A exploração está embutida no sistema. Eu já aceitei essa realidade, mas isso não quer dizer que não possamos deixar as coisas melhores para ambos os lados: o explorador e o explorado.

Uma das formas para melhorar essa relação é justamente eliminar o segredo sobre o quanto cada funcionário recebe. Esse assunto proibido gera problemas e acomodação para patrões e empregados. É algo tão arraigado no nosso comportamento que periga cidadão preferir ser perguntado sobre os fetiches da mulher do que sobre quanto ganha por mês. Até mesmo entre amigos e familiares é algo a ser evitado. Ninguém gosta de ouvir essa pergunta… tanto que eu já até sei que vão perguntar o quanto eu ganho nos comentários. E eu não vou responder. Evidente que não, ninguém quer se expor sozinho…

Mas, virando regra? Sendo informação pública? Aí deixa de ser mera exposição e começa a entrar no campo da transparência corporativa. Para empresários e funcionários. O medo de perguntar e responder sobre o próprio salário permite que o pagador possa variar incrivelmente o quanto paga pela mesma função, de acordo com a capacidade de negociação ou a experiência de cada um. Não é à toa que estágios são controlados em sua maioria por entidades especializadas que exigem rendimentos tabelados: se alguém que não sabe o quanto pode pedir pelo seu trabalho, quase sempre vai receber valores irrisórios, muito abaixo de quem sabe o valor certo a cobrar. E, evidente, os donos das empresas vão tentar pegar sempre o melhor currículo com a pedida salarial mais modesta.

É o velho conceito de dividir para conquistar: se os funcionários da sua empresa entram nessa pilha de esconder os rendimentos por medo de perderem vantagens, todas elas ficam com quem as decide para começo de conversa. Cidadão pode receber metade do que outro que faz a mesma coisa e nunca ficar sabendo. É mais fácil assim pagar menos para quem se valoriza pouco. Com a informação sendo pública, a pessoa que se sentir sacaneada tem dados pra utilizar, e o contratante tem que negociar de forma mais igualitária, sem usar um ponto fraco de alguém que não sabe o quanto vale como vantagem. E se todos os salários forem públicos, dá até pra usar a concorrência como parâmetro.

E isso não é só útil para quem recebe o salário, quem paga vai ter dores de cabeça com aqueles de quem tirava mais lucro, mas também vai ter na mão uma excelente ferramenta para aumentar a competência de seus trabalhadores. Pensemos o seguinte: funcionário fica sabendo que seu salário é menor que o do colega, vai cobrar e ouve umas verdades. Essa pessoa, que talvez nem tivesse noção do que precisava fazer pra ganhar mais (e spoiler: a maioria das pessoas não sabe), agora vai ter um modelo pra seguir. O funcionário beneficiado por um salário maior por causa da competência demonstrada servirá como guia para os outros. E se ele ganhava mais, pela lógica do mercado, pagava-se e ainda dava lucro. Melhor ter mais gente almejando chegar nesse ponto de maior lucratividade para a empresa.

E fica até mais clara para o empregador a necessidade de criar mecanismos claros e factuais de valorização do empregado. Se todos os salários são abertos, até mesmo quem decide o salário pode notar problemas com os que não refletem a qualidade do trabalho feito. Para menos e é claro, para mais. Como cada um negocia sozinho (obviamente estamos falando de cargos sem negociações conjuntas sindicalizadas), até mesmo o empresário pode cair num negócio ruim. Sim, nos primeiros meses dessa medida todo mundo ia chorar pra ganhar mais, e iam se matar olhando pra tudo menos para a qualidade da própria mão de obra, mas com o tempo não ia ter pra onde correr, as empresas iam pagar o que achassem certo, de qualquer forma. O mercado se regula, porque é isso que ele faz desde que existe.

Não nos enganemos: o salário secreto é cômodo pra quem é incompetente também. Enquanto a empresa não tiver metas claras para definir a remuneração e as promoções, o empregado pode empurrar com a barriga e especular, não vai ter ninguém na cola dele. A cultura tupiniquim de fazer o mínimo possível mantém-se intacta, ferindo empresa e funcionário ao mesmo tempo. Enquanto cidadão não vir como faz diferença sim ser lucrativo para sua empresa (e faz, faz demais, dono de empresa paga sorrindo o salário que for pra quem faz voltar mais do que isso pra ele), pode nem notar como estava se sabotando ao fazer seu serviço sem tentar ir além do básico.

Salários abertos são uma arma contra a acomodação e a exploração, resolvendo problemas de ambos os lados dessa história. Como quase tudo na sociedade humana, é um remédio amargo que vai parecer terrível no começo, mas com o tempo vai gerar melhorias nas relações entre as pessoas. O excesso de presunção neste tema acaba ferindo a produtividade de todas as partes, desmotivando muita gente com potencial de crescimento.

Não nego as dores de cabeça que Sally vai usar como argumento, mas vamos pensar no quadro geral. O próprio fato de ser complicado ao se implantar já é um indicador que o resultado seria positivo. A verdade pode nem sempre ser a melhor solução, mas costuma nos fazer tomar decisões bem melhores…

Para perguntar quanto eu ganho com as mensalidades do desfavor, para dizer que não conta para não nos humilhar, ou mesmo que não conta para não se humilhar: somir@desfavor.com

SALLY

Os salários das empresas devem ser de domínio público de todos os funcionários ou devem ser mantidos em sigilo para que cada funcionário saiba apenas o seu?

Porra, já não basta neguinho mostrando a comida, mostrando a calcinha e mostrando a bunda nas redes sociais não? Agora vão liberar o meu salário para ser mostrado também? Não, obrigada. A informação do salário de cada funcionário só diz respeito ao funcionário, não vejo por qual motivo os outros colegas tenham que saber o quanto a pessoa ganha.

O salário é estipulado pensando no quanto você vale para aquela empresa. Nem sempre duas pessoas que desempenham o mesmo cargo fazem um trabalho igual, com a mesma excelência, velocidade ou disponibilidade para a empresa. Cada empresa valoriza mais determinadas características e me parece que a iniciativa privada tem esse direito: remunerar melhor quem lhe atende melhor. Não se remunera o que VOCÊ acha melhor (você não é tão importante) e sim o que A EMPRESA acha melhor. Seja inteligente e saiba dar o que empresa quer ou pule fora.

Só que estas sutilezas não são facilmente compreendidas por esse povo malandrinho, maloqueiro e do jeitinho. Certamente Fulaninho que nunca chega na hora, que está com trabalho atrasado, que trabalha como quer e não como o chefe gostaria vai se sentir no direito de ficar putinho se descobrir que um colega no mesmo cargo ganha mais. Foda-se que o colega chega pontualmente no seu horário, está com o trabalho em dia e o executa da forma que melhor atende a empresa. Quem atende melhor à empresa ganha mais, simples assim. Aprenda a atender sua empresa em vez de fazer o que você acha melhor. E para isso não precisa conhecer o salário dos outros.

Tornar público o salário de todo mundo vai detonar não apenas a relação do funcionário com a empresa, como também dos funcionários entre si. É óbvio que macaco não vai olhar para o próprio rabo e refletir sobre onde está errando para ganhar menos. Vão apontar para a coleguinha e dizer que ela tem um caso com o chefe, vão se dizer perseguidos, vão procurar qualquer motivo externo que justifique esse salário mais baixo do que o do colega. Reflexão e se responsabilizar por suas escolhas não é o forte da casa. Pessoas acreditam que seus pontos fortes são pontos fortes universais, e não são: nem sempre inteligência, organização ou outras características positivas são as mais valorizadas por aquela empresa.

Quando você negocia seu salário com seu empregador, o critério tem que ser o quanto você acha que o seu trabalho vale. Essa coisa invejosa e fofoqueira de ficar olhando para o colega do lado não me parece saudável. Eu sei quanto o meu trabalho vale independente do trabalho dos outros. Eu sei o quanto eu sou qualificada, o esforço que aquilo me demanda e o grau de investimento que faço na empresa. Então, desculpa, se você precisa olhar para o lado para saber seu valor, tem algo errado. O problema não está na empresa, vai fazer terapia para ser um pouco mais bem resolvido. É possível se impor e lutar por aquilo que você acha que vale sem citar o nome de terceiros.

Além disso, neguinho é sem limite. Não dá para compartilhar informação importante com gente imbecilóide. Questão de tempo até algum amental usar essa informação para te atacar ou te dar uma indireta e rede social, divulgando ao mundo o quanto você ganha. Em um país permeado por desigualdade social e violência, não me parece bacana que circule pelo Facebook o quanto cada um ganha. Vai dar merda. E sempre tem um filho da puta que não respeita o sigilo da informação.

Informar o salário de todos pode até contribuir para minimizar injustiças de remuneração, porém o preço me parece muito alto. Não é necessário, é só um atalho. Dá para reverter esse quadro sem essa evasão de informação. Se a pessoa sente que ganha pouco ela sempre pode bater um papo com o gestor, pedir um aumento, negociar uma carga horária melhor ou até pedir demissão e ir para outra empresa onde seja mais valorizada. Porém uma informação salarial vazada, de domínio público, seria praticamente um catálogo para sequestrador e marginal. E não é reversível.

Em países civilizados, ok. No Brasil, nem pensar. Não existem mecanismos para punir quem vaza esta informação para o domínio público. A pessoa usa um perfil falso e faz o que quer neste país (se não for racismo de famoso, sex tape de famoso ou pedofilia, a Polícia Federal simplesmente não age). E mesmo que pudesse agir, não seria rápido. E mesmo que fosse rápido, uma vez que a informação está online, disponível para todos, a pessoa errada já pode ter visto, tirar do ar pode não reverter o problema.

Esse tipo de informação requer uma maturidade e uma responsabilidade que o brasileiro não tem. A vida profissional viraria um inferno e viveríamos com medo em nossas vidas pessoais. Sim, porque nem sempre é preciso ser podre de rico para ser alvo. Basta que outro tenha menos que você para te tornar um alvo. E a pessoa já encosta uma arma na sua cabeça com a informação certa: “Quero X em dinheiro, eu sei muito bem que é isso que você ganha”. Não há condições.

Fora a questão de segurança, o conceito de usar o salário do colega como argumento me parece tenebroso. Mania feia que o povo tem de sempre estar olhando para o lado. Faz o seu, porra! Faz o seu bem feito e para de se preocupar com quem está ao lado. Foda-se quem está ao lado e o quanto ganha, foda-se a vida alheia. Ficar controlando a vida alheia em nenhum aspecto gera algo de bom: com quem a pessoa faz sexo, quanto a pessoa ganha… ah, porra, vive sua vida! E para de pautar sua vida na vida dos outros. Se você não concorda com os valores da empresa, com o que ela valoriza, com o valor que ela te dá, apenas saia em vez de ficar reclamando.

Iniciativa privada não é justiça, é mérito. Se você tem o mérito de dar o que aquela empresa quer, pode reivindicar um salário maior. O profissional é que tem que se adaptar à empresa e não a empresa ao profissional, so sorry, hora de baixar essa megalomania de se sentir injustiçado. Não é sabendo o salário do outro que se evitam “injustiças”, pois os critérios da empresa não são os seus. Não é matemático, é subjetivo. Não é comparável, é abstrato.

Chega de evasão de privacidade. Deixem o salário dos outros em paz! E se poupem da vergonha de pedir aumento alegando que “Fulaninho ganha mais do que eu”. Coisa mais infantil. Nenhuma empesa esconde ou mantém em segredo o que espera de seu funcionário e todo gestor demonstra o que valoriza e o que quer, então, se você dá murro para cima e faz o que você valoriza em vez de fazer o que a empresa valoriza, não reclame nem fuce o salário dos outros para argumentar.

No Brasil, expor o salário é fazer com que aquele trabalhador se indisponha com todos os que ganham mais do que ele e fazer com que todos os que ganham menos se indisponham com aquele trabalhador. Choverão acusações de racismo, machismo e outros ismos. Vai ter chororô, vai ter vitimização. Vai ser um saco. Não, obrigada. Melhor cada um correr atrás do seu sem precisar ficar olhando para o lado.

Para dizer que eu quero oprimir o proletariado, para dizer que tem que revelar salário só de gestor ou ainda para dizer que quanto mais evasão melhor: sally@desfavor.com

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Comments (3)

  • Não. Pelo motivo já exposto pela Sally, de que simplesmente não há motivo. Além disso, salário é algo muito pessoal.

  • Receita para o desastre. Como dito no texto, brasileiro não saberia lidar com o acesso a essa informação. E quando lidasse, certamente seria para o mal

  • Não dá para compartilhar informação importante com gente imbecilóide.

    Esse tipo de informação requer uma maturidade e uma responsabilidade que o brasileiro não tem.

    Pois é, BMs sempre serão imbeciloides e jamais responsáveis, ou seja, jamais dignos…

    (Latrocínios, em tantos lugares, já são tão frequentes quanto assaltos e homicídios “clássicos”, já está mais que apavorante o “Counter Strike contra a vontade” !)

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