Autocompletando: 2016

POSTAGEM ORIGINAL

Em 2014 começamos a fazer uma pesquisa no Google para entender as tendências de pensamento do brasileiro médio. O Google é maior fonte de dúvidas e desabafos dessa gente bronzeada mostrando seu desvalor. Agora decidi repetir as exatas mesmas buscas para tentar entender o que mudou. Mudou o Desfavor ou mudou o mundo?

Assim como no texto original, comecei pela palavra Desfavor.

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Em 2014 a referência principal vinculada a Desfavor era nosso blog. Felizmente isso mudou, mas ainda assim fiquei surpresa com o resultado. A primeira sugestão do Google é “Desfavor Significado”. Aprendi que, em português correto, “desfavor”, enquanto substantivo, significa desdém, desprezo. Depois veio a sugestão “Desfavor sinônimo”. Em terceiro, vejam que curioso, a sugestão foi “Desfavor explica”.

Parece que a coluna se tornou mais popular que o blog, pois “Desfavor blog” é a quarta opção. Feliz em saber que as pessoas estão priorizando uma coluna que é basicamente fonte de conhecimento. Em 2014 Desfavor Explica já estava entre as sugestões, mas estava em nono lugar. Juro, se eu tivesse que chutar uma coluna como campeã de pesquisas no Google, essa seria uma das últimas colocadas. Bom saber, vou dar prioridade ao Desfavor Explica a partir de agora.

A busca seguinte era sobre argentinos: “argentinos são”.

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Na postagem original, o primeiro colocado era “bonitos”. Bem, parece que nesses tempos raivosos a coisa se agravou um pouco. Hoje, de acordo com o Google, a sugestão mais provável do que você quer dizer é “argentinos são racistas. Não sei dizer se é aquele nervosismo de movimento social e ativistas que enxergam racismo até em uma negra pintar o cabelo de loiro ou se de fato o racismo cresceu na Argentina, mas o segundo lugar também foi desabonador: argentinos são arrogantes. Bonitos, que era o primeiro colocado, passou para quarto. É, parece que os argentinos estão em baixa. E quando se pesquisa sobre argentinas, o primeiro resultado é que elas são bonitas, o segundo é que elas são… feias. Essa dicotomia, esse Lado A x Lado B está cada vez mais desenhado.

Seguindo a ordem do texto original, pesquisei sobre brasileiros: “Brasileiros são”.

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Em 2014 foi uma chuva de críticas: feios, macacos, mal educados e até os piores fãs do mundo. Hoje, a visão do brasileiro (quem usa Google Brasil é brasileiro) continua péssima. Ainda que não encaremos “latinos” como ofensa (spoiler: deveríamos) temos feios e mal educados para deixar registrado que o suposto preconceito vem de dentro. A autoimagem do brasileiro continua péssima.

Para ser fiel ao texto original, fui ao Google Argentina pesquisar o que meus Hermanos pensam sobre o brasileiro: Feios. Dar tanta visibilidade ao brasileiro com eventos internacionais como Copa do Mundo e Olimpíadas não foi uma boa ideia, a verdade vazou. Se no texto original brasileiros eram bonitos e simpáticos, após estes evento (nada como o conhecimento de causa) eles são feios, mal educados e arrogantes. Considerando que brasileiro acha argentino antes de tudo racista e argentino acha brasileiro antes de tudo feio, é cada vez mais improvável o surgimento de um casal Brasil + Argentina.

Ao pesquisar pelo Brasil (“o Brasil é”), a primeira resposta foi “um país”. Isso me preocupou, pois para que esta seja a resposta, é sinal de que andaram perguntando o que era o Brasil no Google Brasil. Será que chegamos a esse ponto? Dos brasileiros terem dúvidas sobre o que é o Brasil? Provavelmente, pois os outros resultados também são lamentáveis: capitalista, subdesenvolvido e estado laico. Todas as referências giram em torno de algum tipo de ativismo e… onde que o Brasil é um estado laico? Na constituição, só se for, pois na prática está longe disso. Na pesquisa pelo Google Argentina, o mesmo tipo de resultado. Se antes o Brasil era “um bom lugar para se viver” ou “um país democrático”, hoje é imperialista e subdesenvolvido.

Vamos rever o que o povo pensa da Dilma. No meu texto original eu digo que ela tem “índices de aprovação estrondosos, apesar de todos os escândalos de corrupção”, de onde se presume que foi uma busca realizada no período em que ex-Presidenta estava em alta. Curiosamente, à época em que sua popularidade estava alta, ela era “de uma estupidez galopante”, “comunista”, “sapata”, “ateia” e “espionada”, lembrando que ser homossexualidade e ateísmo costumam ser tratados como demérito.

Hoje, depois de sofrer um impeachment e sua popularidade ficar abaixo dos 10%, a menor da história, os resultados são mais abonadores. O primeiro colocado é “Dilma é inocente”. Também vemos “Dilma é formada”, o que provavelmente foi uma pergunta já pensando na sua prisão, e finalmente “Dilma é presa”. Apesar da incoerência, não deixa de ser um progresso. Alguns anos atrás nem se cogitava que Dilma pudesse ser presa. O que não entendo é: popularidade alta = esculachada, popularidade baixa = defendida.

Comparando o que o brasileiro pensa do PT também me surpreendi.

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Todos falavam mal do PT em 2014, mas o resultado de 2016 foi um pouco além. Apenas dois anos e meio depois, o primeiro colocado é “o pt acabou”. O mundo atual muda rápido, muito rápido. A Presidente que era líder de popularidade em 2014 hoje foi escorraçada da presidência e a principal referência a esse partido na internet é que ele “acabou”. Tudo isso em pouco mais de dois anos. Dá até um certo medo… Corra com a manada, acompanhe o ritmo das mudanças do mundo, se não você também estará acabado.

Agora vamos ver o que mudou no conceito da Globo. No texto original ela foi bastante esculhambada sim, porém havia argumentos racionais: racista, uma farsa e até flamenguista. Hoje os nível dos argumentos principais parece ter caído um pouco: “do diabo” e “satanista”. Crendices, medo e ignorância minam a credibilidade das críticas contra a Globo, quando há tantas coisas sensatas e verdadeiras que podem ser ditas para criticar a empresa. Quando falamos em Big Brother, as opiniões continuam as mesmas: do demônio, farsa, combinado, armação. Pena que os índices de audiência dessa farsa também continuem os mesmos.

Sobre o Facebook, no texto original tinha todo tipo de críticas, inclusive mencionando expressamente que só interessa aquilo que as pessoas querem ver. Hoje as críticas concentram argumentos mais… ignorantes. O primeiro colocado é “Facebook é do demônio”. Não pude deixar de reparar o grande numero de bostas atribuídas ao demônio. Vamos assumir responsabilidade pelas nossas merdas? São criações humanas, parem de colocar a culpa no coitado do demônio.

Beethoven, que teve resultados vergonhosos no texto original. Agora, os resultados foram igualmente vergonhosos, porém mais uma menção ao capeta, parece que Beethoven é do demônio. Tá na hora de mudar a letra da música para “essa massa evangélica mostrar seu valor”. Aparentemente o numero de evangélicos cresceu ou cresceu o uso que eles fazem da internet. E, como tudo que não é do mundinho evangélico passa a ser automaticamente classificado como “do demônio”, acho que ainda leremos muita essa frase. Atribuir a culpa ao capeta é tendência.

Última comparação com o texto anterior: “fumar é”. O primeiro colocado, adivinha? Fumar é pecado. Parece que o politicamente correto deu lugar ao religiosamente correto. O bacana é que o terceiro lugar é “fumar é bom”. Um verdadeiro retrato do Brasil: ignorância coexistindo com religião.

O que mudou? Brasileiros e argentinos estão se desprezando mutuamente, o PT acabou e o demônio é responsável por tudo de ruim que acontece. O que realmente mudou? A hostilidade e intolerância cresceram significativamente, a era da gambiarra política descarada chegou ao fim e os evangélicos estão ganhando voz e poder. Não está tranquilo, não está favorável, mas ao menos agora eu tenho uma visão mais clara de onde e como bater.

Para sugerir que mudemos o nome para Demofavor, para dizer que evangélico típico não atribuí culpa ao demônio e sim ao demonho ou ainda para dizer que agora acredita em um próximo presidente evangélico: sally@desfavor.com

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Comments (3)

  • Fiquei meio sem saber se ria ou não com este trecho: “Ao pesquisar pelo Brasil (“o Brasil é”), a primeira resposta foi “um país”. Isso me preocupou, pois para que esta seja a resposta, é sinal de que andaram perguntando o que era o Brasil no Google Brasil. Será que chegamos a esse ponto? Dos brasileiros terem dúvidas sobre o que é o Brasil? Provavelmente, pois os outros resultados também são lamentáveis: capitalista, subdesenvolvido e estado laico. Todas as referências giram em torno de algum tipo de ativismo e… onde que o Brasil é um estado laico? Na constituição, só se for, pois na prática está longe disso. Na pesquisa pelo Google Argentina, o mesmo tipo de resultado. Se antes o Brasil era “um bom lugar para se viver” ou “um país democrático”, hoje é imperialista e subdesenvolvido.”

    Curioso também notar que certas coisas nunca mudam enquanto outras só mudam pra pior…

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