No amor e nos negócios…

Duas modalidades de união entre pessoas são surpreendentemente mais parecidas entre si do que a maioria das pessoas acredita: o casamento e uma sociedade. Sally e Somir concordam com as semelhanças, mas quebram o contrato quando se analisam as dificuldades de cada uma. Os impopulares fazem seus votos.

Tema de hoje: o que é mais difícil, um casamento ou uma sociedade?

SOMIR

A sociedade é bem mais difícil. Não que casamentos sejam fáceis, mas se formos analisar a média de como ambas as coisas são feitas na vida real, a balança começa a pesar para o lado dos negócios. Um casamento presume duas pessoas unidas com o objetivo de continuarem unidas. É questão de manutenção de algo já conquistado. Uma sociedade, por sua vez, é uma união entre duas ou mais pessoas com objetivos muito maiores do que proximidade e convivência.

Sociedades geram empresas, e empresas precisam lucrar para continuarem vivas. Casamentos estagnados duram décadas, sociedades estagnadas vão à falência. Pode ser tentador concordar com a Sally se para você casamento é uma entidade essencialmente idealizada, onde ambos doam-se completamente em busca da felicidade conjunta. Mas, sabemos que não é assim que a banda toca. A maioria dos casamentos equilibra-se num ponto médio de tolerância onde ambas as partes descobrem o menor esforço possível para cada momento. O que normalmente não pode acontecer numa empresa, pois ela não sobrevive na acomodação.

Na prática, numa sociedade você tem que lidar com outro ser humano enquanto tenta fazer um negócio tornar-se lucrativo e estável. O fator humano é muito menos passional na média, evidente, mas ainda está lá. Ainda é uma outra pessoa com planos, ideias e opiniões diferentes das suas. Sócios brigam, sócios são pessoas com todo o espectro de emoções e potencial para problemas. E você está amarrado nessa pessoa. Não necessariamente seus sócios vão ser pessoas difíceis no trato, claro que não, mas são pessoas.

E como em qualquer relação humana onde existem planos compartilhados, há o potencial de atritos. Atritos que não cabem no escopo da passionalidade compreensível assim como numa relação amorosa. Num casamento, um chilique da outra pessoa pode ser só um subproduto da intensidade do sentimento dela por você. Quando saem faíscas entre um casal, pelo menos existe a possibilidade delas serem reforços (por vias transversas) do sentimento que causou a união para começo de conversa. O atrito no casamento pode ser um reforço do seu propósito. Na sociedade, atritos são sementes de um fruto venenoso, porque o emocional não tem lugar na análise fria dos números.

E, claro, casamento é uma relação com sexo. Todos sabemos o poder do sexo para aproximar duas pessoas e desfazer climas hostis, que atire a primeira pedra quem nunca desescalou uma briga na cama. Claro que o fator do sexo gera por conta própria uma série de dificuldades inexistentes numa relação onde ele não faz parte, mas se sexo não compensasse com sobras suas dores de cabeça relacionadas, bom… nem existiriam mais casamentos. É até deprimente pensar quanta coisa ele pode compensar numa relação que seria furada em qualquer outro contexto. Num sociedade não há presunção alguma de sexo, os problemas são resolvidos no campo racional e não há uma forma não verbal tão poderosa de unir as pessoas.

Como eu disse, seja como for, uma sociedade é feita entre pessoas. Pessoas que podem sim trazer para a empresa problemas pessoais essencialmente de fundo emocional, irracionais e virtualmente insolúveis com pura racionalidade. E quando isso acontecer, você está preso em formas frias de resolver as coisas. Não tem atalho, não tem “pausa”, é encarar o problema ou deixar ele destruir não só uma relação como uma entidade que normalmente gera o seu sustento na vida.

Casamentos que dão errado terminam em divórcio. Sociedades que dão errado terminam em falência. Divórcios com certeza não são momentos agradáveis da vida, mas já vivemos numa sociedade onde eles são quase que a norma. Pessoas se separam todos os dias, nem causa mais choque. A falência… a falência tem uma série de problemas num país como o Brasil, ela presume fracasso e incompetência numa escala imensamente maior do que o término de um relacionamento amoroso. Até entendo que o povo não deveria ver as coisas dessa forma, mas é o estigma social vigente sobre quem tem uma sociedade fracassada. Se sociedades não tem filhos (que hoje em dia devem até sofrer bullying se os pais ainda estão juntos), em compensação tem uma marca negativa no histórico daqueles que não as sustentam.

E em sociedades tem o fator financeiro com sua força total. Num casamento dá pra ir se ajeitando com uma renda de casal, e tirando casos extremos (de gente interesseira ou incapaz de lidar com finanças pessoais) não é uma chacoalhada ou outra no orçamento que mexe no cerne da relação de um casal. Mas, vai ficar no vermelho quando se tem uma sociedade… pode ter parceria, pode ter amizade, mas são duas pessoas que dependem daquilo pra ganhar a vida ou para realizar seus investimentos. O dinheiro tem muito mais peso numa sociedade. Lembrando que numa sociedade os sócios não vivem juntos (pelo menos não na maioria delas) e cada um está cuidando da própria vida. Uma sociedade sustenta duas pessoas separadas cujos objetivos se encontram somente no foco dela. Você pode estar feliz com os rumos da sua sociedade e seus sócios não estarem, ou vice-versa. É tudo menos na cara que um relacionamento.

Pra completar, não são pessoas que precisam pensar no seu humor quando acabar o horário de trabalho. Relações profissionais são bem mais diretas e egoístas, não faz parte do acordo compreender e apoiar o outro na hora da dificuldade. Numa sociedade, a parceria tem limite. É muito mais fácil lidar com alguém cujo objetivo é a felicidade compartilhada do que quem quer ganhar mais dinheiro. Num casamento (sólido), você não vai ser chutado quando começar a dar trabalho demais; numa sociedade você é peso morto assim que não for mais lucrativo. Tem que ficar ligado o tempo todo, com a guarda alta. O objetivo da sociedade não é o bem estar de ninguém, é o lucro e a estabilidade.

Para não dizer que mudei de ideia do começo do texto, essa informação final: casamentos podem ser empurrados com a barriga por muito tempo, podem durar até entre pessoas que não estão muito interessadas uma na outra, mas uma sociedade desaba rapidamente aos primeiros sinais de descaso. Porque uma sociedade não é feita no amor, é feita nos números.

E números estão cagando e andando para o que você sente. Ou faz direito ou não dá certo.

Para dizer que eu sou uma pessoa amarga demais, para dizer que eu sou uma pessoa idealista demais, ou mesmo para dizer que casamento deveria ter meta de lucros também: somir@desfavor.com

SALLY

O que é mais difícil, relação com um sócio ou um casamento? Bom, são nove anos de Desfavor contra muito menos tempos de relacionamento para provar meu ponto. Uma sociedade é muito mais fácil do que um casamento. Sociedade não tem sentimento envolvido, apenas dinheiro. Casamento tem ambos.

Tudo que se faz em uma sociedade se faz em um casamento, mas nem tudo que se faz em um casamento se faz em uma sociedade. Casamento gera mais obrigações e restrições que uma sociedade e permite menos válvulas de escape. Requer uma cooperação maior, uma paciência maior e demanda muito mais restrições na sua vida.

Tá de saco cheio da cara do sócio? Pode ficar uns dias sem aparecer na empresa ou até sem falar com ele. O mau momento vai durar apenas o horário da sua jornada de trabalho, que, convenhamos, se você é sócio da empresa, certamente pode ser flexível. Você sai, pega homem, pega mulher, bebe, se diverte e vai para casa descansar. No casamento não. Se tem briga de casal você tem que sentar e resolver as coisas em vez de sair e pegar homem/mulher, beber e se distrair (ao menos em tese). Tem choro, tem mágoa, tem noite dormindo com uma pessoa que está puta ao seu lado na cama. Dá arrepios só de pensar.

Sociedade não é para sempre. A premissa da sociedade não é ser para sempre. Na sociedade você não precisa fazer tudo em conjunto, pode haver uma distribuição de tarefas onde, se cada um fizer o seu direitinho, a coisa anda. Na sociedade você não está atrelando seu lazer, seus sentimentos, seu emocional à outra pessoa. É uma união com um propósito muito claro: obter lucro em um negócio. Apenas isso. No casamento é aquela coisa ampla de construir um futuro a dois e fazer o outro feliz. O que te parece mais difícil? Vai ter quem diga que sociedade tem dinheiro envolvido e por isso é mais difícil. Meus queridos, qual casamento não tem?

Sua família e a família do seu sócio não se metem na forma como vocês conduzem a sociedade. Fazer sociedade não engravida. Não há fotos da condução da sociedade em redes sociais. Não há cobrança social sobre a melhor forma de conduzir uma empresa. Não há sequer interesse social em como você está conduzindo sua empresa, todo mundo te deixa em paz. Mais: um negócio, para dar certo, tem regras básicas a serem seguidas. Existe uma faculdade para isso: administração. Existem livros. É uma ciência, o objetivo é claro e te dão ferramentas para alcança-lo. Basicamente é ganhar mais do que gastar, no final das contas. É possível dizer tudo isto de um casamento?

Cansou da cara do seu sócio? Tira um mês de férias e viaja. Boa sorte se cansar da cara da sua esposa e quiser fazer o mesmo. Negócios são sempre mais fáceis por não terem sentimentos atrapalhando. É por isso que a prostituição é e sempre será uma atividade com demanda: quando não há sentimentos, apenas dinheiro, tudo fica mais simples. Sem contar que a maioria dos sócios são também amigos (ou alguém faz sociedade com inimigos?), então, são pessoas com um mínimo de afinidade, o que facilita o processo.

Com o sócio se deve chegar a apenas um acordo: como conduzir a sociedade, coisa que costuma estar muito bem explicada em livros, existe uma forma “certa” de fazê-lo. No casamento não. Tem que acordar uma convivência agradável, limites de fidelidade, intimidade e até criação de filhos. E não tem resposta certa, tem que fazer um mix dos valores e ambos e chegar a um meio termo. A definição de inferno é essa: convivência humana com sentimentos envolvidos. As zonas de atrito são muito maiores.

Quase tudo em uma sociedade você pode pagar para que façam por você. Tá ruim nas finanças? Contrata um bom contador para tentar salvar. A imagem da empresa está ruim? Chama um bom publicitário. No casamento, amigo, é você e só você. Vai chamar alguém para resolver alguma coisa no seu lugar? É tudo nas suas costas! E se a coisa aperta em uma sociedade, você sempre pode chamar mais sócios para participar e ajudar. Experimente propor isso em um casamento…

Na sociedade não são apenas você e seu sócio, geralmente há mais pessoas envolvidas, geralmente funcionários, todos remando juntos, buscando um interessem em comum: o lucro. No casamento é só o casal remando sozinho e muitas vezes não são os mesmos interesses, sobretudo quando o casal é composto por um homem e uma mulher. E, antes que alguém fale alguma coisa, se vocês acham que a grande vantagem do casamento é ter sexo, vamos colocar algo em perspectiva: no casamento você pode fazer sexo com seu cônjuge. Ok, isso pode atenuar algum estresse mas… na sociedade, meus amores, vocês podem fazer sexo com quem vocês quiserem.

Problemas pessoais do seu sócio não devem respingar em você. Ao menos você tem o direito de demandar que isso não aconteça, afinal, no trabalho se deixa a vida pessoal do lado de fora. Divórcio dos pais? Brigou com amigo? Um pentelho encravado na virilha que está doendo? Nada disso importa, a pessoa tem que trabalhar e ponto final, essa é a convenção social. As contas chegam no final do mês do mesmo jeito. Já em um casamento… a sofrência do outro, por mais idiota e inútil que te pareça, te afeta. Você sofre as consequências junto, tem que ouvir, tem que compreender, tem que consolar. E ai de você se não o fizer, vira um escroto que não dá apoio.

Um argumento importantíssimo, que talvez bastasse por si só para fechar meu ponto: você não tem que conhecer ou conviver com a família do seu sócio. Eu acho um saco família alheia. Famílias nunca são dignas ou legais, é sempre gente barulhenta e problemática. Foda-se o que o sócio faz da porta do trabalho para fora, contanto que no dia seguinte esteja lá e toque a empresa com competência.

Se uma sociedade não dá certo, ela pode ser desfeita em um processo muito mais simples do que um divórcio e, no final das contas, você sai com algum patrimônio construído ao longo da sociedade. No casamento, é difícil de desfazer e geralmente se perde patrimônio, fora que o dano emocional é muito maior.

Como eu disse, Desfavor durou muito mais do que meu relacionamento com a Madame do outro texto. Acho que um exemplo concreto vale mais do que mil palavras.

Para dizer que Desfavor não é sociedade e sim formação de quadrilha, para dizer que não quer nem um nem o outro ou ainda para dizer que pior mesmo é ser sócio da sua esposa: deixe seu comentário.

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Comments (5)

  • Em uma sociedade, você pode ter mais de um sócio e beneficiar-se das diversas competências que cada um trouxer a ela, e essa sinergia de ideias e de criatividade poderá trazer boas receitas. Em uma poligamia, você até pode beneficiar-se das qualidades que cada parceiro (a) trouxer, mas certamente você terá um grande custo (pessoal e material) para manter tanta gente a seu redor sob um mesmo teto. Ou mesmo sob diferentes tetos…

    E tem outro problema: um casamento, mesmo que tenha acabado há muito tempo, pode ferrar uma sociedade.

    Um conhecido tinha uma enorme chance de não só salvar sua empresa mas também de ganhar um bom dinheiro quando um grupo asiático fez uma proposta concreta para comprar todo o negócio. Só que a ex-mulher, que tinha direito à metade da empresa, vetou o negócio pois ela se preocupou com a provável demissão dos filhos do casal de cargos da diretoria. Por conta dessa teimosia da mulher, os funcionários mais talentosos foram cooptados, e o negócio afundou pouco tempo depois…

  • Os dois são difíceis, mas não dá pra esquecer que casamento é uma sociedade. Só que, ainda por cima, você tem que dormir com a sócia. Casamento é mais difícil.

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