Urna 2

+O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quinta-feira a votação em regime de urgência do pacote das medidas de combate à corrupção aprovado nesta madrugada na comissão especial. A urgência foi aprovada por 312 votos sim, 65 contrários e duas abstenções.

Regime de urgência numa votação de medidas contra a corrupção? O Brasil está melhorando? Acho que todos sabemos a resposta disso… desfavor da semana.

SALLY

Um projeto de lei que propunha dez medidas contra a corrupção proposto por gente que de fato luta contra a corrupção e que dedicou uma vida a aprimorar essa iniciativa foi estuprado pelos parlamentares filhos da puta que o brasileiro elege. Um projeto que contou com a assinatura de apoio de mais de dois milhões de brasileiros sofreu uma das maiores baixarias políticas já presenciadas no Brasil: fizeram um pequeno adendo, de modo a que ele anistie toda a corrupção praticada pelos réus da operação Lava Jato. Quando você acha que já viu de tudo em matéria de baixaria, o político brasileiro aparece para mostrar que pode ser pior.

O líder da Câmara Rodrigo Maia se reuniu com líderes de partidos e ficou decidido que incluiriam um pequeno detalhe: a anistia para crimes cometidos em eleições anteriores. Imediatamente os deputados aprovaram que essa canalhice fosse votada em regime de urgência (para que não dê tempo que as pessoas saibam e se mobilizem). Calma que piora: também decidiram que esta votação não seria nominal, isto é, ninguém precisaria declarar como votou, assim poderiam votar a favor de algo imoral que deturpava totalmente a intenção original do projeto, mas sem se queimar, pois não ficaria explícito como cada parlamentar votou.

Sabe aqueles partidos pelos quais os babacas ficam brigando? Pois é, se uniram todos contra a votação nominal. PT, PSDB, PMDB, todo mundo votou “não” pela votação nominal. Enquanto os panacas brigam para defende-los, eles se unem para ferrar com o povo. Menção honrosa ao PT, que fez um escândalo quando se falou neste tipo de votação no impeachment, dizendo que era anti-democrático. Impressionante como a moral do PT é variável.

A canalhice vazou, apesar dos esforços para votação em regime de urgência. A imprensa e a internet se uniram e começaram a gritar. Graças à pressão e clamor popular, tiveram que adiar a votação para a próxima terça-feira, dia 29 de novembro. Então, leia com atenção o que vamos escrever, para fazer sua parte e tentar impedir esse absurdo.

Rodrigo Maia (vulgo “novo Cunha”) tentou colocar panos quentes dizendo que não havia anistia, pois não pode existir anistia de crimes que ainda não existiam (o caixa 2 somente passaria a ser crime a partir de agora). Balela. Chega a ser questão de bom senso: se não havia crime, não há necessidade de prever esse adendo de última hora anistiando o que não era crime, certo? A verdade é que praticar o caixa 2 era crime sim, só não era conhecido com esse nome, mas estava devidamente previsto de forma menos específica em leis como 7492/86, 8137/90 e no Código Eleitoral. Graças a essas leis, os réus da Lava Jato podem ser punidos. Se essa anistia for aprovada, a operação Lava Jato praticamente perde sua eficácia.

Essa declaração de Rodrigo Maia causou tumulto e confusão em redes sociais. Como sempre, o brasileiro perdeu o foco e, em vez de discutir a canalhice que estava sendo praticada, os milhões de juristas leigos começaram a discutir a validade da anistia. O juiz Sergio Moro, atento à confusão, jogou uma pá de cal na discussão, redirecionando o povo para o caminho certo: emitiu um comunicado público que se alastrou por todas as redes sociais explicando o real perigo dessa anistia. In Moro We Trust. O povo retomou a revolta pela baixaria que estava acontecendo e essa pressão foi suficiente para adiar a votação.

O curioso é que não se trata apenas de um caso de anistia, e sim de um caso de auto-anistia, pois os que criaram esse esquema são justamente aqueles que estão sendo investigados pela Lava Jato. Foi uma tentativa descarada de salvar sua própria pele. Qualquer falsidade ideológica, troca de favores, propina, lavagem de dinheiro ou qualquer outra modalidade de ilegalidade seria anistiada. Na prática, o que se pretende aprovar na próxima terça-feira é uma anistia geral a corrupção praticada durante ou para fins eleitorais. É esta a interpretação que o Supremo vai dar desta redação de lei, já está tudo acordado.

Sabemos que os tribunais, principalmente o STF, são um reduto de pessoas corruptas e/ou com o rabo preso que estão faz tempo tentando encontrar mecanismos para inocentar seus comparsas pegos pela Lava Jato. Não por coleguismo, mas por medo, pois podem cair junto a qualquer momento. Essa votação foi orquestrada com o Judiciário, após uma reunião estilo “Ok, o que vocês precisam em matéria de lei, para inocentar a gente?”. Esse infeliz adendo não saiu da cabeça dos imbecilóides parlamentares, foi entregue a eles com solução para inocentá-los. Se isso passar, podem ter certeza que não haverá uma condenação por corrupção ligada a eleições tão cedo neste país.

No meio de uma situação grave como essa, o que faz o povo? Uma metade luta com força para pressionar e impedir que isso se torne realidade, mas a outra metade parece estar feliz, comemorando com recalque, mesmo ciente de que vai ser prejudicada. Gente cobrando que se bata panela (os mesmos que diziam ser inútil), gente dizendo que é bem feito, quem mandou tirar a Dilma (esquecendo que eles, petistas, é que votaram no Temer e que tudo isso que está acontecendo transcende em muito ao governo Temer). Pessoas tão alienadas que se deram ao luxo de questionar porque iam para a rua contra a Dilma e não foram contra isso (ignorando que foi uma coisa tirada da cartola, de uma hora para a outra, e votada em regime de urgência). E, claro, gente que mal sabe o que está acontecendo.

Se, no meio de uma situação tão grave e urgente como essa, você está questionando bater panela, você é parte do problema. Se você está comemorando que corruptos sairão ilesos (por estar com raivinha de terem tirado sua presidente) e não restituirão bilhões roubados quando metade dos estados estão falidos e precisando desse dinheiro, então você é parte do problema. Que bosta de pessoa torce para o avião no qual ela está cair só porque não gosta do piloto? Quem é contra PT é contra bandido, nós queremos que caia Temer, que caia Renan, que caia Rodrigo Maia, não temos bandido de estimação. Observe que ninguém foi para a rua protestar quando prenderam Cunha, Sérgio Cabral e tantos outros.

Então, em vez de ficar dizendo que “quem mandou tirar Dilma” (como se isso não fosse acontecer na presença dela!), sejam pessoas melhores e mirem seus esforços para que essa indecência não seja aprovada na próxima terça. Em vez de se manterem patrulhando quem te “magoou” por tirar a Dilma a atacar seu precioso partido, patrulhem o que está sendo feito no país agora. Só assim você vai poder se assegurar de que o impeachment de Dilma não seja apenas uma jogada política e sim o início de um movimento para detonar todos os corruptos do Brasil.

Em vez de apontar dedos (até porque deveriam apontar para si mesmos, eles elegeram Temer), que tal dar uma olhadinha na lista de filhos da puta que aprovaram essa votação em regime de urgência (a urgência é o medo da Lava Jato e impedir que o povo pudesse se opor) e na lista de filhos da puta que foram contra a votação nominal, para poder aprovar essa obscenidade sem se queimar? Que tal guardar os nomes deles e nunca mais na vida votar neles ou em qualquer um que de alguma forma os apoie? Só assim existe uma chance remota do país começar a melhorar.

Senhores, dois desabafos: 1) Se você escolhe se manter alienado do que está acontecendo, então a culpa também é sua, você apoia os criminosos não os combatendo e 2) Escolham suas batalhas, parem de olhar para o passado, todo mundo quer a mesma coisa, independente de partido: um país melhor e sem corrupção. Então, quebre com esse hábito de bater no coleguinha que pensa diferente, que é de outro partido, e mire sua artilharia para os delinquentes que estão realmente fazendo mal ao país, todos unidos, independente de partido. Tudo que corrupto quer é o povo polarizado, dividido, enfraquecido, para fazer da nossa desunião e briga cortina de fumaça para as bandalhas. Sem mais.

Para perguntar como fazer sua parte, para agradecer pelo resumo ou ainda para dizer que são capazes de prender o Lula só para tirar o foco dessa votação: deixe seu comentário.

SOMIR

Agora que a Sally explicou o que aconteceu e o porquê de ser um tremendo desfavor, eu posso me concentrar em alguns pontos: primeiro, a cara-de-pau espetacular dos honoráveis deputados, capitaneada por Rodrigo Maia, dizendo que “tecnicamente” não é uma anistia para quem fez caixa dois, porque “tecnicamente” caixa 2 nem era crime. Vou deixar a parte legal com quem entende, mas posso dar meu pitaco no absurdo que é simplesmente falar nesses termos.

Aposto que você, desde o primeiro momento que entendeu o significado de “caixa 2”, sentiu que não era uma coisa muito honesta, não? Dinheiro escondido não costuma ser boa coisa. Numa empresa privada, um caixa 2 frequentemente significa que algum crime está acontecendo. Se você tem uma empresa e fica sabendo que um dos seus funcionários está fazendo isso, vai parecer que você está sendo roubado de alguma forma. Se um servidor público é pego fazendo caixa 2 no órgão que trabalha, você vai pensar na hora que ele é um corrupto.

E usamos o termo no dia a dia para reforçar essa ideia, vai dizer que nunca fez alguma brincadeira com a ideia de fazer um caixa 2 de algo? Algo que se acumule fora das vistas alheias, com ou sem más intenções. Não é como se fosse um termo puramente contábil ou mesmo político, é uma expressão que a maioria das pessoas vai entender de alguma forma. E nenhuma delas expressa nada nem parecido com transparência.

Estou fazendo essa volta só pra deixar bem escancarado como é bizarro o assunto ser tratado dessa forma por vários deputados. Se eu fosse um político, eu não gostaria nem de usar a expressão, já que ela denota algo contrário a tudo que minha função representaria. Caixa 2 não pactua com os ideais que supostamente deveriam ser seguidos por um governo democrático. Nem estou entrando num mundo dos sonhos onde honestidade é uma obrigação na Câmara dos Deputados, estou só dizendo que nem o mínimo de tratar o tema com a gravidade que exige estão fazendo.

A tentativa de golpe (esse sim foi um) no adiantamento da votação, curiosamente nas vésperas da delação da Odebrecht (que se falar 10% da verdade deveria fazer metade dos deputados e senadores saírem de lá num camburão) foi feita com tamanho desdém pela opinião pública que nem tentaram disfarçar o que estava acontecendo. Marcaram urgência para limpar o próprio rabo e tentar subverter conceitos básicos de honestidade e respeito aos processos eleitorais como se fosse a coisa mais natural do mundo.

E quando pegos com a boca na botija, tudo começou a ficar relativo… Rodrigo Maia deu uma entrevista dizendo que não é anistia porque o crime nem existe. O mais triste, como Sally explicou no texto dela, é que muita gente caiu nesse truque ridículo de mudar o foco da discussão para longe da parte importante, e caiu com gosto! Bizarro discutir essa parte: o candidato tem que declarar quanto recebeu e gastou na campanha, o caixa 2 é uma forma de evitar essa obrigação… e uma que não foi descoberta na eleição passada, caixa 2 é tão prevalente como inverso de “oficial e declarado” na nossa cultura que é usado como expressão abstrata no dia-a-dia do brasileiro!

Os especialistas que se digladiem sobre isso, o que me emputece é a facilidade com a qual esses deputados deliberam sobre o assunto, falando na cara do povo que vão legislar em causa própria para não serem punidos por algo que todo mundo sabia que era errado e que praticamente todos eles fizeram. Quer dizer que de uma hora para a outra o entendimento geral sobre a honestidade da prática entrou em ALGUMA dúvida no “consciente coletivo” do brasileiro e precisava ser discutido?

Não tem sutileza nenhuma, nem pra fazer merda. A verdade é que todas as campanhas que terminam com candidatos eleitos e até mesmo as dos que perderam sendo viáveis tem caixa 2. É o padrão de funcionamento, e todo mundo sabe que é errado porque fazem o diabo a quatro para não ficar com furos no envio do relatório para a Justiça Eleitoral! Todo mundo sabe que é errado, todo mundo faz. Sabendo disso como qualquer candidato que foi eleito sabe muito bem, custava disfarçar melhor isso? Os que não se posicionaram contra essa anistia (porque é anistia) estão basicamente assumindo que estão sujos e precisam disso pra se proteger.

Que o político brasileiro trabalha para si mesmo é notório e sabido, mas precisa ficar esfregando na nossa cara? Eu queria ser importante o suficiente para que um deputado pelo menos tivesse vergonha de fazer uma manobra dessas na minha cara e achar que não daria em nada! É todo o desastre que a Sally explicou no texto dela, mas é também uma falta de respeito monstruosa com todos nós. FINGE que não é um filho-da-puta corrupto pelo menos! Faça alguma coisa que não sugira para o país todo que eles são otários por terem votado nessa gente.

O desfavor vai continuar acompanhando, torcendo que agora que a tampa do bueiro levantou e as baratas estão correndo sob a luz, que pelo menos consigamos saber quem está admitindo ter feito coisa errada e querendo escapar ileso sabendo quem votou pela anistia. No mínimo pode ajudar a não elegê-lo no futuro. Claro que o melhor é que não passe escapatória nenhuma e que esses insetos sejam exterminados um a um pelas delações das empresas que compraram seus cargos através do caixa 2.

Mas, eu espero tão pouco do Brasil que até alguém fingindo bem que não está nessa só pelas vantagens pessoas já parece um grande avanço…

Para dizer que hoje eu sou só um convidado especial, para dizer que vai deixar seu comentário na caixa 2, ou mesmo para dizer que pelo menos admira a espontaneidade do corrupto brasileiro: somir@desfavor.com

Desfavores relacionados:

Ética móvel.

Ladrões de galinha.

Corruptofobia.

Herança maldita.

PEC Eleitoral.