A esquerda direita.

Eu tenho uma teoria: com o passar dos anos vamos ficando mais conservadores. E pra falar a verdade, não é uma teoria só minha, lembro de já ter ouvido sobre isso várias vezes antes de… sentir na pele. Talvez esteja vendo a guinada de esquerda para direita acontecendo mundo agora, mas essa coisa de direita e esquerda, conservadorismo e reformismo… é mais complexo do parece. Se vocês estavam com saudades dos meus textos confusos, não precisam mais!

Já escrevi um texto inteiro sobre isso, mas vou fazer um resumo aqui: a ideia de esquerda e direita em política, na sua forma mais pura, fala sobre a vontade de gerar mudanças na sociedade (esquerda) e a vontade de manter as coisas como estão (direita). Essa noção de que esquerda está ligada com socialismo/comunismo vem muito do fato que as sociedades humanas sempre estiveram muito alinhadas com o capitalismo, principalmente depois da revolução industrial. Então, querer mudar a sociedade capitalista sugere esquerda e querer manter sugere direita. Tecnicamente, na União Soviética, quem queria democracia capitalista era de esquerda e quem queria a manutenção do sistema comunista era de direita. Mudar e manter, esquerda e direita.

Pois bem, quando analisamos o movimento de resistência à esquerda dos tempos atuais, começamos a ver a forma “correta” de lados políticos, porque resistir à esquerda não significa defender o capitalismo contra o socialismo, o capitalismo venceu e venceu muito. Não está sendo ameaçado por ninguém atualmente (quem tem medo de socialismo hoje em dia precisa estudar mais…). Mas, como a esquerda atual está focada em mudanças de comportamento, com o politicamente correto e a vitimização sem fim, demonizando nossa estrutura social e uma parcela específica da população, o efeito em direção contrária não preza pelo livre mercado, e sim pela proteção do que NÃO deu errado no nosso sistema.

Quando a esquerda fala que a renda do mundo está extremamente concentrada na mão das elites, o argumento funciona na cabeça da maioria das pessoas. Na época do Occupy Wall Street, tivemos gente reclamando do movimento, chamando eles de hippies sujos, mas… na média da opinião pública, fica claro que a ideia de concentração exagerada de renda soa como um erro que cometemos no caminho. E nem tem a ver com querer socialismo, é só uma medida de desigualdade que incomoda qualquer pessoa que pensa o suficiente sobre isso. A esquerda batendo nisso gera alguma reação negativa, mas não é da maioria.

Agora, quando a mesma esquerda vira seus canhões para coisas como feminismo, apropriação cultural, histeria com palavras, censura… tudo em nome de um mundo que consideram mais justo, aí a coisa começa a perder força com o grande público. Não que esse mundo seja justo, mas para o cidadão médio não estamos tão terríveis assim no tratamento de minorias como estávamos antigamente. A evolução existe, é lenta, mas está acontecendo. Se por um lado o brasileiro médio ainda acha que mulheres provocam seus estupros, por outro não tem mais muita discussão sobre o direito ao voto. Confesso que jamais trocaria ser homem por ser mulher no mundo atual (brasileiro), mas está cada vez menos pior para elas a comparação.

Quando a esquerda pega um tema como esses e o pinta como tão grave quando a diferença entre as rendas de super ricos e cidadãos comuns, isso gera uma dissonância cognitiva na cabeça da maioria. Sim, está claro que ainda tem muita coisa errada na mentalidade das pessoas, mas nesse ponto não estamos piorando. Na verdade, as pessoas vêm se esforçando há várias décadas para corrigir o erro de ter relegado a mulher a um papel secundário na sociedade. Sem histeria, um passo por vez. Educando e defendendo direitos básicos.

Por isso, a esquerda começa a parecer mal intencionada ao apontar toda sua raiva para homens brancos, por exemplo. É um público que tem culpa no cartório, mas passa longe de ser O problema desse mundo. Tentar mudar a sociedade de ponta cabeça com essa mentalidade distorcida, sexista e racista de justiça social obviamente vai colocar muita gente na direita, vulgo “não é pra mexer nisso”. O mundo não melhora mudando a dinâmica de poder assim… se é para mudar só quem abusa do poder, pra quê mudar?

Pensemos no caso do Occupy Wall Street de novo: se ao invés de protestarem para equilibrar mais a distribuição de renda na sociedade, os manifestantes estivessem dizendo que eles queriam aquela dinheirama toda para eles e para mais ninguém… vocês acham que eles teriam alguma simpatia do grande público? As pessoas sabem reconhecer causas justas, e a histeria do politicamente correto não passa de um “golpe” para trocar de ditador. Se essa é a mudança, eu sou de direita então. Não quero ditador nenhum, nem branco nem preto, nem homem nem mulher. Se não estão oferecendo uma solução melhor, então não tem que mudar!

O problema desse tipo de esquerda “visceral”, quando as idéias vem de desejos pessoais e não de uma análise racional da nossa realidade, é que estraga toda a ideia de mudança social. Eu acho muito bom que mais gente esteja peitando esses chiliques censores dos guerreiros da justiça social, mas nada é de graça nessa vida: no mesmo pacote vem um conservadorismo desnecessário, com foco em valores religiosos ridículos e ódio descabido pelo o que é diferente. O único motivo pelo qual a esquerda furiosa tentando criar crimes de pensamento está explodindo é porque antes disso estávamos seguindo um caminho até que razoável.

Mas, como aparentemente o poder sempre corrompe, foi só sentir o gostinho de ter como pressionar o “judeu” da vez, que é o homem branco, que a coisa saiu de controle. E nem precisa ser tão “judeu” assim, mulheres brancas já estão apanhando junto. O ser humano é previsível assim: basta criar um inimigo comum que todo mundo perde a compostura. Até mencionei isso depois da eleição do Trump, existe um risco de pessoas como eu e a maioria de vocês, que estávamos aqui criticando preconceitos e injustiças contra minorias há vários anos, tenhamos que puxar o freio de mão e começar a defender pessoas que não acrescentam a essa visão de mundo mais igualitária, só para poder segurar o avanço de uma esquerda raivosa percebendo a chance de conquistar poder e virarem direita.

Há muita necessidade de um equilíbrio entre esquerda e direita nesse mundo, não tem só o que mudar, não tem só o que manter.

Para dizer que ainda está confuso sobre o que eu quis dizer, para dizer que agora não sabe mais se é esquerda ou direita, ou mesmo para dizer que vem aqui pra ler bobagem: somir@desfavor.com

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Comments (13)

  • Uma forma de mostrar que as ideologias comunistas, socialistas, capitalistas fogem do estigma simplista de direita/esquerda. Argumentação reveladora. Li como curioso, aprendi um pouco e agora quero aprender mais.

  • talvez não fiquemos conservadores com o tempo, e sim mais realistas.
    aquela ânsia de melhorar o mundo vai secando…

  • “Eu tenho uma teoria: com o passar dos anos vamos ficando mais conservadores.”

    Também creio nisso. Jovem (mais especificamente o “bobolescente”) viaja demais, fala merda demais, se acha demais… Acredita que vai salvar o mundo do jeito que ele acredita ser o melhor, mas aí vem a vida, esfrega a realidade das coisas na cara dele e tudo o que ele acreditava vai pro lixo. Mas faz parte do amadurecimento.

    “existe um risco de pessoas como eu e a maioria de vocês, que estávamos aqui criticando preconceitos e injustiças contra minorias há vários anos, tenhamos que puxar o freio de mão e começar a defender pessoas que não acrescentam a essa visão de mundo mais igualitária”

    Os “Trumps” e os “Bolsonaros” da vida de hoje só são populares (e ganham holofotes e apoio) por causa dessa “ixxxquerda lacradora”. Ninguém nega que haja machismo, racismo, homofobia e etc. mas esses grupelhos distorcem as coisas de uma maneira tão descarada e desonesta que não tem como não ter uma certa empatia com os dois acima.

    • Eu acho bom que os adolescentes sejam idealistas e achem que vão mudar o mundo para melhor. Mesmo quando enchem o saco. Mas quando eles viram adolescentes de meia idade ainda sem compreensão da realidade e continuam berrando contra o “sistema”, temos um problema.

      E sobre Trumps e Bolsonaros, exato: parece que é tudo um grande plano dos conservadores para se fortalecer. Com um inimigo desses, ganhar fica mais fácil.

  • Uma pessoa pode se inclinar para qualquer um dos lados, defendendo uma causa que considera justa, sem que para isso precise se converter para a direita ou esquerda, tomando atitudes radicais e egoístas. E acredito que se o equilíbrio tiver que vir de algum lugar, virá dessas pessoas.
    Já esse feminismo besta, essa coisa de apropriação cultural, eu nem acho que seja algo de esquerda. Acho que é coisa de gente burra, rancorosa e vingativa mesmo.

    • No contexto da minha argumentação: esquerda como necessidade de mudança, não como comunismo. Essa inquietação politicamente correta que tudo está errado e precisamos virar o mundo de ponta cabeça que torna tudo tão caricatural e contra intuitivo.

  • Prefiro a terceira via, mas quando temos que escolher entre esquerda histérica e direita cristã a direita me parece menos ruim, não é como se eles tivessem inteligencia para se tornarem ditadores ou capacidade de convencimento para transformar o Brasil em um pais com leis baseadas na bíblia.

    • Aí que está, quando temos que escolher só um lado, é porque já saímos do rumo. O mundo que eu quero viver não tem sequer a opção de ir só para a esquerda ou só para a direita.

  • Wellington Alves

    Não lembro o autor, mas tem aquela frase que diz: se você não é de esquerda até os 20 anos é porque não tem coração, mas se você continua de esquerda após os 30 anos é porque não tem cérebro.

    • Se os jovens fizerem o papel de chacoalhar o status quo e os mais velhos souberem defender o que está funcionando, é para as coisas funcionarem. Precisava transformar a ideia de que temos que ser mais justos nessa palhaçada toda? Estão estragando todas as conquistas.

  • Concordo com você, Somir. Infelizmente, o que se vê na maioria das vezes é as coisas e as pessoas se inclinando ora pra esquerda ora pra direita, mas quase nunca indo de verdade pra frente. O que estraga tudo é esse radicalismo de lado a lado. Parece que está cada vez mais raro encontrar quem não tenha essa necessidade louca de ter um lado pra chamar de seu e defendê-lo com unhas e dentes mesmo que seja pra, na prática, não ganhar nada.

    Permitam-me repetir aqui um trecho de um dos meus comentários no texto sobre “apropriação cultural”: Por mais que às vezes eu até goste de ver o circo pegar fogo, eu não gostaria de viver num lugar onde apenas se trocaria um mal por outro, com a esquerdalha mimzenta dando lugar a reaças saudosos da ditadura. Tudo bem que o pêndulo sempre vira, mas será que não daria mesmo pra achar um ponto de equilíbrio? Ou isso, em se tratando de Brasil, já seria pedir demais?

    Ah! E eu também já mostrei o link deste texto pra algumas pessoas que eu acho que precisam ler. Se vai mesmo adiantar eu não sei, mas se servir pra abrir os olhos de uma pessoa só que seja, já vai ter valido a pena…

    • É o equilíbrio inalcançável: mudar o que está nos fazendo mal e manter o que está nos fazendo bem. Se pensarmos em esquerda e direita como correções de curso, faz sentido guinadas eventuais. Mas não essas viradas totais que fazem parte do imaginário popular… nem tudo precisa ser revolução.

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