Real news.

Pra começo de conversa, um aviso: eu tenho grandes dificuldades de entender o que é óbvio para outras pessoas. Muito temas morrem no berço por eu achar que estaria falando mais do mesmo. Mas, talvez isso não seja tão óbvio assim. Hoje eu faço um teste, e gostaria que vocês me dissessem se o que eu escrevi era muito óbvio ou não.

Aparentemente o termo “Fake News” veio para ficar. O termo, porque o conceito de notícias fabricadas ou distorcidas além de qualquer semelhança com a realidade vem de longe, só não costumávamos ter uma categoria para elas… pois bem. Muito se fala e ainda vai se falar sobre essas notícias falsas e tendenciosas que proliferam pela internet, mas eu vejo pouca gente falando como sobre como se defender disso. Na verdade, parece que como de costume vão querer censurar quem está soltando esse material ao invés de ensinar o povo a enxergar além das bobagens. No desfavor, fazemos diferente: ao invés de histeria, informação.

Agora que qualquer um pode se dizer jornalista, e com o grosso da informação distribuída no nosso dia a dia passando pela mão de estagiários de portais de notícias, numa guerra sem fim por cliques e curtidas, acho que até vale a pena tentar definir de novo o que conta como uma matéria jornalística. Existe a teoria da área, com suas próprias definições e padrões, mas nem precisamos ser muito técnicos aqui: uma notícia de verdade é um fato ou depoimento cujo conteúdo pode ser verificado independentemente caso surjam dúvidas. Sim, jornalistas às vezes têm que proteger suas fontes, mas na média quando alguém responsável relata um acontecimento, presume-se que outra pessoa com as mesmas fontes poderia chegar na mesma conclusão.

Notícia nem precisa ser a verdade absoluta, afinal, isso nem costuma existir, mas na sua base mínima ela tem que estar baseada em informações comprováveis de acordo com suas premissas. Pode noticiar que várias pessoas disseram avistar discos voadores num local sem depender dos discos voadores serem reais. A notícia é que essas pessoas disseram isso, e se elas disseram mesmo, estamos trabalhando com a verdade, mesmo que subjetiva. Por isso, quanto maior a estrutura por trás do jornalista, em tese maiores as possibilidades de se encontrar o caminho para uma análise independente do fato.

Evidente, o trabalho do jornalista é literalmente ir atrás de informações que não temos tempo ou capacidade de descobrirmos sozinhos, mas quando estamos pensando em filtrar o que é real do que é falso, somos obrigados a pensar um pouco mais sobre o processo utilizado para conseguir aquela informação.

Eu não me lembro de ser enganado por notícias falsas. O mais provável é que tenha e não descobri até agora, mas posso garantir que pelo menos a minha média de credulidade em notícias que acabam expostas como falsas depois é bem menor do que a maioria das pessoas que eu conheço. Então, alguma coisa eu devo fazer de certo. Por isso vou escrever aqui sobre como eu decido se uma notícia tende a ser real ou se não passa de mentira ou especulação barata, principalmente com as de internet.

O primeiro passo ao receber uma notícia suspeita é muito simples, mas ao mesmo tempo muito complexo: bater a informação recebida com a sua realidade percebida. Só nisso já dá para modular muito melhor suas percepções ao longo do processo. E o que isso quer dizer? Se aparece uma notícia dizendo que um cantor sertanejo encheu a cara e bateu o carro, isso encaixa na minha realidade percebida. Quer dizer que é verdade só por causa disso? Não. Mas quer dizer que começou com a presunção de plausibilidade que não ocorreria, por exemplo, se visse uma notícia sobre um cantor sertanejo largando a carreira para cursar Física…

O mais importante aqui, e é engraçado eu dizendo isso, é não ser arrogante. Bater a informação com sua visão do mundo não te torna automaticamente expert em todos os campos. Se você não tem conhecimento sobre um tema, presuma automaticamente que a verdade pode parecer mentira e vice-versa. Mas parece que a maioria das pessoas trava justamente no que deveria ser a etapa mais simples: fazer um rápido juízo de valor sobre se a notícia faz sentido ou não.

Mesmo que você não tenha uma grande cultura acumulada, existem padrões simples de funcionamento no mundo: as coisas não mudam rapidamente, pessoas reagem de forma mais ou menos parecida em geral, e não existem provas concretas de poderes mágicos ou paranormais em atividade no momento. Só com essas três coisas você consegue resolver 90% dos boatos de internet de cara. Claro, é estúpido negar tudo sem dar nenhuma chance, mas partir da presunção de baixa probabilidade te deixa muito mais esperto para lidar com notícias falsas.

Por exemplo: Você lê que existe uma cura para o câncer descoberta a 20 anos atrás e mantida escondida pela indústria farmacêutica… faz algum sentido na sua visão de mundo que durante todo esse tempo seja possível esconder algo assim de milhões de pessoas desesperadas? Que alguém não teria traído essa conspiração para ficar bilionário vendendo o tratamento? Que a notícia não explodiria mundo afora por ser excelente para os negócios até mesmo dos jornais? Então, partindo do princípio que pessoas agem de forma mais ou menos parecida em geral, não dá pra arquivar essa informação automaticamente em “duvido muito”?

Porque quando a informação vai para essa categoria, você começa a procurar informações dos dois lados, as que comprovem e as que neguem. Quando nos deixamos levar por gostar da notícia, é humano, é muito humano começar a procurar apenas por fontes que reforcem nosso gosto. E é aí que as notícias falsas ganham seu poder: quando a pessoa quer acreditar naquilo e tem a internet para oferecer validação para esse desejo, a verdade acaba sendo o que ela quiser. Antes de podermos buscar mais informações sobre qualquer interesse em segundos, as pessoas sequer tinham a chance de engolir doses cavalares de baboseiras sobre o mesmo tema durante o pico de curiosidade e interesse sobre o tema. E isso protegia nossos antepassados um pouco mais do que nós.

Mas ainda não definimos se uma notícia tem credibilidade só porque ela nos parece estranha. Esse é um passo. O próximo deveria ser óbvio também: verificar a fonte. E isso pode ser tão simples quanto visitar um link e dar uma olhada no site que a está mostrando. Hoje em dia, custa muito pouco fazer um site por conta própria se você tiver o interesse, a internet está entulhada de conteúdo pouco vigiado que pode ser copiado e colado livremente por aí. Se você for verificar a fonte da notícia que te estranhou, favor verificar a “cara” do site que você está visitando. Se você nunca ouviu falar daquele veículo de comunicação, entra numa roleta russa da verdade. Porque Folha de São Paulo, Veja e afins todo mundo conhece, e sabe mais ou menos se vai levar a sério ou não; mas um site desconhecido não tem nem reputação negativa a zelar.

Sites caça-níqueis são um bom indicador de notícias de fontes duvidosas, aqueles entulhados de banners e palavras chave, com link em todas as palavras, erros de português, artes feias e apelativas, propagandas que pulam na sua tela… o dono desse site ganha dinheiro com cliques, não com leitura da sua informação. Então, basta uma chamada forte e um monte de armadilhas para você clicar em outra coisa que o dê dinheiro para tudo funcionar. Esse povo não está nem aí para o que está publicando, desde que tenha gente clicando. O que eu normalmente faço quando caio em sites toscos e desconhecidos é procurar pela mesma notícia em portais maiores. Sim, você está se arriscando a acreditar numa cagada de estagiário, mas é muito mais seguro se a mesma informação estiver replicada num site que vai tomar processo se escrever uma merda muito grande.

E por fim, quando você realmente ficou interessado em chegar ao fundo disso, aí entra a parte de remontar a notícia. Justamente por isso eu comecei falando do que seria uma boa notícia: se você conseguir fazer uma pesquisa independente (ou seja, usando as fontes originais da matéria ou presumindo quais sejam elas) e chegar em conclusões minimamente parecidas, você consegue entender de onde veio aquela ideia. E inclusive descobrir as conclusões estúpidas que muitos jornalistas tomam ao fazerem suas investigações. Se você achar os estudos científicos originais de matérias sobre ciência e começar a ler cada um deles, via de regra vai notar que quem escreveu a matéria tirou alguma coisa da cartola, e normalmente a coisa que vira a manchete depois.

Claro que ninguém pode viver assim, repetindo os trabalhos de jornalistas para se informar, por isso essa etapa é opcional: eu sugiro fazer esse tipo de pesquisa separada quando a informação que te deixa desconfiado será usada para você tomar uma decisão. No dia a dia, só de usar um bom senso inicial para não se empolgar (e pode ser ficar feliz, triste ou puto com uma notícia) e cair na armadilha da confirmação, de prestar um mínimo de atenção se a notícia vem de alguém que tem reputação a zelar e se ela faz sentido com o resto do funcionamento conhecido do universo, eu duvido que qualquer notícia falsa vá te enganar.

E, se alguma eventualmente o fizer… bom, palmas para ela. Ficar batendo em quem solta notícias falsas ou tendenciosas resolve muito menos no quadro geral do que prestar atenção por alguns segundos na informação que consome. Normalmente a vida é repetitiva e previsível. Se parece absurdo, grandes chances de ser absurdo.

Para dizer que hoje eu me superei na hora da postagem, para dizer que achou óbvio demais, ou mesmo para dizer que a verdade é uma vadia: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • Este post me fez lembrar o que escreveu Hitler num livro de sua autoria, agora proibido, sobre os três grandes grupos de leitores:

    “1. O dos que acreditam tudo que lêem;
    2. O daqueles que já não mais acreditam em coisa alguma;
    3. O dos que submetem tudo o que lêem à crítica para chegarem a um julgamento seguro.”

    Obrigado, Somir, por me incentivar a continuar integrando o terceiro grupo. Tais dicas são importantes nesta era da informacao rápida e fácil. Fonte é tudo! Valeu mesmo!

  • Óbvio, porém pouco menos” ?

    Achei bem importante o formato desse assunto, principalmente todo o raciocínio da própria parte a “cara” do site que você está visitando.

    Até porque testes como esse poderiam “ser mais para ficar” quase tanto quanto o termo…Por exemplo, tua autoria de 2012, sobre a wikipédia me fez “avançar” / progredir no ano passado; e daí que, desde então, doei uma vez e passei a ter registro / autoconfirmação de editor (e conquista do status de autorrevisor).

    (…) me superei na hora da postagem

    Sim !

    • Muito bacana saber disso sobre a Wikipedia, de verdade. Sempre achei ela muito injustiçada, bom saber que o texto te ajudou a ir ver por conta própria.

  • A questão levantada não é tão óbvia assim não, Somir!
    O que não falta é gente compartilhando notícias falsas no facebook, e, no caso de famosos atacando-os por falsas notícias à seu respeito no instagram e afins.
    Um caso ultra recente ocorreu com um jogador ucraniano que está sendo acusado de ser neonazista por presumirem que por ele ter opiniões contundentes e de extrema- direita (além de fotos com armas) defende tais grupos. Conclusão: Está sendo execrado na Europa, e, é claro nas redes sociais.

    • Tem essa, com o tempo de reação (histérica) minúsculo da internet atual, só o fato de ir procurar a fonte já gasta tempo precioso para quem quer estar na frente e falar primeiro…

  • Mas gente…
    Essas notícias falsas aparecem em banners de sites confiáveis claramente no local onde normalmente veríamos uma propaganda.
    Acho que só clica nessas notícias gente que claramente não tem noção de nada.
    Pelo Ei Você podemos ver que essas pessoas são muitas, infelizmente.

    Indo por essa premissa me parece que quem alimenta a ignorância média que lide com a merda que os ignorantes médios deixam pelo caminho.
    Por exemplo, me lembro de um banner desses falando que a Ana Maria Braga tinha morrido. Quem vai acreditar, se espantar e passar essa notícia adiante é o público da globo. Eles faturam em cima da ignorância das pessoas, que limpem a bosta que os ignorantes espalham por aí.

    • É que normalmente as mais fabricadas vem sem fonte clara, ou quando tem, é só a mesma matéria sem fundamentação em outro site. Por isso eu achei importante mencionar o ponto.

  • Acho que a questão das notícias falsas já passou um pouco além disso. Não é como se todas as pessoas compartilhando e repassando esse tipo de coisa fizessem isso porque foram enganadas.

    Vou criar um exemplo aqui: Digamos que nos próximos dias aconteça uma tragédia, em algum lugar do Brasil um maluco entra armado numa escola e faz uma chacina.

    Aí alguém vai na internet e cria a seguinte notícia: “Maria do Rosário defende assassino da escola X e diz que ele é apenas uma vítima, pois seus pais não tiveram dinheiro para matriculá-lo naquela escola“.

    Não é difícil supor que essa notícia em menos de um dia seria copiada e replicada em meia dúzia de sites e compartilhada por milhares de pessoas nas redes sociais. Mas o ponto é, nem todas essas pessoas foram enganadas. Uma boa parte delas sim, mas também tem uma boa parte que só quer sujar a imagem da deputada e por tabela do partido e simplesmente não se importa se isso é verdade ou não. Mesmo que saiam notas, avisos e textos de esclarecimento, essa notícia ajuda a reforçar na cabeça de muita gente a visão negativa que tinham dela. E muita gente vai compartilhar a notícia sabendo que é falsa, mas com esse objetivo em mente.

    E isso acontece em todos os lados, a notícia também poderia ser: “Bolsonaro afirma que assassino da escola X fez isso porque era gay e se tivesse apanhado mais quando criança isso não teria acontecido“.

    Nem todos os criadores de notícias falsas agem só pra ganhar dinheiro, e uma parte muito grande das pessoas que divulgam essas notícias não estão fazendo isso porque foram enganadas.

    • Entendo o seu ponto. Realmente tem quem o faça deliberadamente. Mas, aí eu argumento que não é exatamente o fenômeno das fake news, e sim algo muito mais clássico: a difamação. Quando o povão está mais preparado para lidar com a análise das informações que recebe, mesmo isso fica mais fraco.

  • “Mas parece que a maioria das pessoas trava justamente no que deveria ser a etapa mais simples: fazer um rápido juízo de valor sobre se a notícia faz sentido ou não.”

    Me pergunto o porquê disso! Eu aponto para certa preguiça de pensar das pessoas, mas parece haver algo mais aí.

    • Tem uma questão de lógica que parece tão simples na maioria dessas notícias bizarras. Talvez falte explicar conceitos básicos assim nas escolas…

      • Penso no sentido de que uma coisa leva a outra: por um lado, preguiça de pensar, de raciocinar, de questionar se o fato é verídico ou não. Mas, para além deste, vejo também essa questão de ignorância das pessoas, falta de informação, falta de “treino” no quesito pensar e questionar, falta de “input” se é que poderia dizer nestes termos, e também falta de desconfiômetro, de um “filtro” de malícia que invariavelmente a gente vai criando.

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