Baleia Azul.

+O jogo da “baleia azul”, série de 50 desafios cujo objetivo final do jogador é acabar com a própria vida, está movimentando as redes sociais, principalmente desde o início desta semana, quando a Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) do Rio divulgou que está fazendo um rastreamento das redes sociais para reunir informações sobre o jogo. Um inquérito foi instaurado depois que a mãe de um menino de 12 anos denunciou que o garoto foi convidado a participar da série de desafios.

Tem uma baleia na sala e não parecem estar falando sobre ela. Desfavor da semana.

SALLY

Esta semana falou-se muito do “Blue Whale” ou “Baleia Azul”, um suposto jogo que estimula automutilação e até o suicídio. Recebeu esse nome inspirado no animal, que supostamente cometeria suicídio encalhando voluntariamente em praias com esta intenção, o que é uma ignorância, pois não há qualquer indício que baleias encalhem com intenção suicida.

Em um resumo bem simplificado, a coisa funciona da seguinte forma: enviam uma espécie de convite por redes sociais ou whatsapp e se a pessoa topa participar, um “curador” lhe envia desafios diários que devem ser cumpridos e documentados, provando ao curador que você fez o que te foi mandado. Ao que tudo indica, se a pessoa tenta desistir no meio sofre ameaças vazias, mas, ainda assim, intimidadoras.

O jogo começou como uma notícia falsa, que parece ter inspirado alguém a transformá-lo em realidade. As primeiras missões são relativamente simples, coisas como desenhar uma baleia azul em um papel, fotografar e enviar. Depois a coisa começa a ficar mais tensa, com tarefas como assistir filmes de terror, evoluindo para mutilações, até que se chega na última tarefa, de numero 50, que é tirar a própria vida. Dezenas de suicídios estão sendo creditados a este “jogo”, como sempre, o brasileiro médio adora delegar a responsabilidade para os outros.

Uma criança/adolescente bem estruturado, bem educado e com pais presentes não entra em um jogo desses. Não é o Baleia Azul que mata, o que mata é uma depressão ignorada pelo pais, crianças com problema de autoestima, pais ausentes por trabalharem demais para reparar nos filhos e outros tipos de negligência que tem origem dentro de casa. Se você fez seu trabalho de pai direito, seu filho não vai aderir a esse jogo. Se aderir, você vai perceber a tempo. Mas certamente é mais fácil vilanizar o jogo do que assumir sua parcela de responsabilidade pelo erro, não é mesmo?

Não há como proteger jovens da Baleia Azul, eles podem ser alcançados pelas redes sociais ou whatsapp, coisas que seus pais não controlam. Querer proibir, censurar, impedir, é uma luta perdida. Basta criar seu filho direito e estar sempre atento a ele. O fato de receber um convite para jogar não obriga ninguém a jogar, uma criança bem estruturada não se interessa por isso. E mesmo as fodidas de cabeça que entram nesse jogo, dão muitos indícios antes de chegar ao suicídio. Se os pais não estiverem ocupados demais com seus celulares, pode ser que percebam e consigam impedir uma desgraça.

Vocês acham que o brasileiro médio vai largar o osso? Não vai, álibi eterno. Agora tudo é culpa do Blue Whale, encontraram o álibi perfeito (em um pacto social silencioso de não acusar o golpe), atribuindo tudo de ruim a este jogo, tirando a responsabilidade dos pais. Blue Whale equivale às más companhias que levam o filho para o mundo das drogas. Não, ninguém leva quem não quer ir. Blue Whale só pega seu filho se você não o blindou para o mundo horrível em que vivemos. Blue Whale só mata seu filho se você for um pai relapso que prioriza as coisas erradas, está ausente e não presta atenção no seu filho.

É mais ou menos o mesmo mecanismo que usam quando um despirocado das ideias pega uma arma e atira em pessoas no cinema: a culpa é do videogame. Sim, claro, não é dos pais que não perceberam uma esquizofrenia, não é da família que não percebeu que tinha algo de muito errado com a criança. Pessoas dão sinais, nós é que muitas vezes optamos por não ler as placas de “Pare”. Quando isso acontece, a culpa é nossa e, por mais que doa, assumir a culpa e rever suas escolhas é a única solução. Culpar eventos externos não resolve, apesar de aliviar a responsabilidade.

A partir do momento que a sociedade brasileira decide pactuar que a culpa é do Blue Whale, não dos pais, vemos o grau de negação. É por isso que este país não melhora, ninguém se responsabiliza por suas falhas. Eu sempre soube que os brasileiros, em geral, eram péssimos pais e, entender o Blue Whale como causa do problema e não como consequência, só comprova o que eu já achava. Quando um filho se mata por uma brincadeira de internet, os pais falharam duplamente: na educação (inclusive emocional) e no cuidado (onde estavam que não perceberam nada?). Mas infelizmente não pode dizer isso abertamente, pois uma horda de pais de merda vai te atacar por você estar tirando o escudo deles.

Como estão mal de cabeça os jovens brasileiros, que decidem se mutilar ou tirar a própria vida graças ao comando de um estranho, à distância! Algo deu muito errado na cabeça de um ser humano que faz isso, não? Não foi o jogo que estragou essa criança, ela já estava bastante estragada pela família e, por isso, topou participar desse jogo. E como estão mal de cabeça os pais, que não percebem seus filhos com mutilações nos lábios, braços e mãos? O mundo é um lugar merda, se você se deu ao desfrute de colocar um filho neste mundo, meu amigo, esteja atento 24h por dia. Com ou sem disponibilidade emocional, cansado ou não, tire forças do cu e preste muita atenção no seu filho. Sempre. Filho é prioridade, caralho!

A culpa nunca é do videogame, da televisão ou de qualquer jogo ou de más companhias. A culpa está dentro de casa. Por não perceber, por não medicar, por não tratar, por não orientar, por não observar, por não educar, por não estabelecer limites, por não prestar atenção, por não dialogar, por não priorizar, por não “um monte de coisas”. A causa principal de tudo isso não é o jogo e sim a educação e o cuidado que os pais tem com seus filhos.

Que bom seria se, quando acontece qualquer merda com as pessoas, sua primeira atitude fosse olhar para dentro e analisar sua parte nesse erro, e, só depois de analisar e traçar estratégias para melhorar, olhasse para fora e criticassem os fatores externos. Em um cenário como este, seria possível uma evolução social.

Para ficar com ódio por ouvir verdades, para dizer que pior do que isso é tentar deter essa onda com medidas debilóides como Pink Whale ou ainda para enviar um convite do Blue Whale para aquele seu colega de trabalho infantilóide: sally@desfavor.com

SOMIR

Tinha todos os indícios de boato de internet. Uma história mal contada sobre algo mexe com o medo das pessoas costuma ser o suficiente nesses casos. O jogo Baleia Azul é o monstro perfeito para os tempos atuais. Mexe com o medo dos pais – cada vez mais fundamentado – sobre a completa incapacidade de controlar ou mesmo compreender a vida social de seus filhos num mundo com internet e smartphones. A própria relação que crianças e adolescentes de hoje tem com a tecnologia é suficientemente alienígena e aterrorizante para quem os colocou no mundo.

E é esse o elemento que realmente está causando a comoção, arrisco dizer. A noção que não há controle sobre o que vai aparecer na tela do celular do filho, a realização que ter o mundo na ponta dos dedos é uma via de mão dupla. O mundo está falando com os filhos, e mesmo que inconscientemente, os pais devem temer não ter feito um trabalho bom o suficiente para prepará-los para isso. Tornar a Baleia Azul em Baleia Branca é uma tentativa de retomar algum controle sobre a própria ilusão de segurança. Como se ela fosse a coisa mais importante. Já faz parte da realidade atual que o mundo todo tenha acesso aos seus filhos, sejam quais forem as intenções.

O jogo é o menor dos problemas dos pais nesse momento. Até porque precisa de uma combinação suficientemente específica de características de personalidade para uma criança ou adolescente irem até o final de um jogo desse tipo. E não é a curiosidade de entrar no jogo… essa é extremamente comum nessa faixa etária. Ei, eu mesmo toparia entrar no jogo agora, com objetivos de trollagem, mas curiosidade é o que não falta. Brincar com a sorte e assumir riscos desnecessários é até parte do processo de amadurecimento. A preocupação com a irresponsabilidade adolescente é parte integrante do processo de ter um filho nessa idade.

Agora, o momento onde a coisa começa a sair da média é quando os desafios tornam-se progressivamente mais violentas. Porque é nesse momento que alguma das travas de segurança – internas ou externas – da pessoa deveriam começar a funcionar. E existem várias delas, não é só o instinto de auto preservação, é um pacote muito maior de elementos básicos que tem de estar presentes numa pessoa minimamente saudável, tanto internamente como no seu entorno.

Enquanto o tédio e a sensação de invulnerabilidade guiam o processo do jovem no jogo, pode até não ser ideal, mas ainda estamos lidando com elementos dos mais básicos da mente nessa idade. Quase todo adolescente vai flertar com o desastre em algum momento para saciar a curiosidade sobre o que a vida tem a oferecer e pelo resquício de invencibilidade infantil ainda em sua mente. Mesmo nas melhores criações, isso ainda faz parte do processo. Mas, quando essa pessoa não tem capacidade ou mesmo vontade de se defender de alguém sugerindo que ela cause dano a si mesma ou mesmo que se mate, temos algo muito mais sério acontecendo.

Aí sim estamos falando de alguém que ou está ou se sente abandonado. Nem todo tipo de depressão vai deixar alguém derrubado numa cama, na verdade, ela costuma se instalar lentamente, corroendo justamente as linhas de proteção que estavam por lá antes de realmente tomar forma como conhecemos. O sintoma mais sério, pelo menos no meu ponto de vista, surge quando a pessoa fica tão desesperançosa e amarga sobre o resto do mundo que se convence que ninguém pode ou mesmo quer ajudar.

Qualquer rede de segurança fura num caso desses. E mesmo que os pais desse jovem acreditem que estão dando todas as oportunidades para ele pedir ajuda, mesmo que tenham um desejo inabalável de se sacrificar pela cria assim que ela precisar, tudo se torna inútil quando o filho não consegue ver isso, ou fica tão desacostumado com a ideia que sequer a considera. Existem muitos perigos silenciosos nessa idade, e todos dependem de muito esforço e atenção para serem identificados.

Por sorte crianças e adolescentes não são muito sutis, falta refinamento para isso. Separar um tempinho do dia para olhar para os filhos e saber o que está acontecendo com eles já deveria ser o suficiente para notar quando algo do tipo de jogo Baleia Azul está acontecendo. Argumento que o medo de lidar com a realidade da dificuldade imensa que é criar outro ser humano gera vistas grossas em muitos pais, que resolvem apostar na resolução “mágica” de um problema ao invés de intereferirem. São 50 tarefas… até nisso o jogo colabora com quem está cuidando desse jovem. Muitas e muitas chances de notar algo estranho acontecendo.

O que nos leva a escrever aqui que no final das contas, pode ser Baleia Azul, verde, vermelha ou roxa… pode ser qualquer tipo de jogo, o problema já existe antes de começar qualquer coisa do tipo. O problema é que um ser humano exige muito cuidado e atenção para ser entregue para o mundo em condições saudáveis, a internet fez o mundo todo ter acesso às crianças e adolescentes, não tem mais como fingir que isso não existe.

Para dizer que se surpreendeu porque eu não disse que era um boato (provavelmente é, mas é irrelevante), para dizer que a seleção natural nunca vai parar, ou mesmo para dizer que estão fazendo isso com o Pilha há mais de 30 anos: somir@desfavor.com

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Comments (13)

  • Esses dias, o Estadão postou uma reportagem com o depoimento de uma mãe que, supostamente, perdeu o filho por conta do jogo. Ela dizia coisas do tipo “não deixem seus filhos jogarem, se necessário dêem umas palmadas, mas não deixem jogar”. Minutos depois o Estadão apagou o link. Não é estranho que esses adolescentes não conversem com os pais, né? Dar porrada resolve. Fora a enorme quantidade de comentários do tipo “se tivesse trabalhando, não tinha tempo pra essas besteiras” ou “no meu tempo, a baleia azul era as porradas que eu levava dos meus pais pra deixar de frescura”. E assim caminhamos. E assim educamos.

  • Uma nova abordagem. Uma visão nova sobre o assunto. É o que eu esperava do Desfavor.

    É contraproducente apenas fazer campanha contra o jogo e continuar sendo permissivos com os filhos. Vamos focar na educação domestica sim. Tudo começa em casa.

    • Pois é…

      Porém, o que está desmentido desde 2015 era o surgimento (exatamente lá) na rede “VK”…

      * E que hoje em dia, de “contrajogo”, surgiu até “Capivara Amarela” (adivinhe onde ? haha)…

  • Excelente coluna, Desfavor.

    Tenho receio de que em breve poderemos ver pais desolados pela tragédia da Baleia Azul, procurando freneticamente por alguém para culpar ou processar. E falando em controlar a internet, ontem no Jornal da Cultura estavam falando sobre o famigerado jogo e um daqueles deputados que são analfabetos digitais (a maioria deles o são, afinal) estava querendo achar um jeito de impor multas estratosféricas e até determinar o encerramento das atividades de redes sociais no Brasil que não se prontificassem a remover imediatamente todo conteúdo relativo ao jogo em todos os usuários e etc. Como aqueles juízes jurássicos megalomaníacos que querem tirar o Google do ar porque é possível achar uma foto de nudez de uma sub-celebridade aleatória.

    • Esse é o (pseudo)país onde já houve projeto de lei para (em geral) que houvesse CPF ou RG para qualquer pessoa que fosse acessar “qualquer www”…

  • “O fato de receber um convite para jogar não obriga ninguém a jogar,”

    Resumiu tudo. Sinceramente não me importo e não tenho pena. Para mim já vão tarde. Estou achando um saco o drama que estão fazendo por esse jogo idiota. Já inventaram até uma versão do bem, baleia rosa.

    • Sim, um jogo politicamente correto onde você tem que se amar e dar abraços em si mesmo. Sério mesmo, isso só estimula a Baleia Azul, prefiro me cortar toda do que jogar essa porra de Baleia Rosa!

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