Negócio difícil.

Já é difícil ter um negócio bem sucedido, sozinho mais ainda. Por isso muitos acabam fazendo sociedades para tocar suas empresas, e quando essa mecânica começa a dar problemas, Sally e Somir são não se associam nas opiniões. Os impopulares participam.

Tema de hoje: Você manteria um negócio lucrativo com um sócio que detesta?

SOMIR

Não. E aqui vamos considerar um padrão mínimo de lógica: seria absurdo que o tema fosse análogo a passar fome com o fim da sociedade. Não estamos perguntando se você é suicida ou completamente maluco, estamos perguntando se lidar com um sócio muito ruim vale a pena por dinheiro. E a resposta aqui vai depender de você entender esse ponto. Sim, terminar o negócio lucrativo vai acabar com essa fonte de lucro, mas não é sinônimo de desamparo completo e interminável.

E aí, qualidade de vida: com certeza existem vantagens em engolir sapos para fazer um pé de meia e ter mais segurança financeira, mas via de regra? Às vezes vale a pena dar um passo para trás no seu padrão de vida no ponto de vista financeiro para ganhar padrão de vida no quesito felicidade. Não é papo hippie: entre trabalhar com algo que gosta por uma quantia de dinheiro ou trabalhar com algo que detesta por uma quantia maior, não é maluco quem abdica de mais dinheiro para ter uma vida mais agradável em média.

E um sócio que você detesta entra sim na categoria de coisas que derrubam sua qualidade de vida. Sociedade é meio que nem casamento, querendo ou não você está amarrado na pessoa, as merdas que ela faz respingam em você, e tudo o que foi criado pelos dois não tem um dono definido. E novamente, como num casamento, as coisas podem começar muito bem e você ter plena confiança que fez uma boa escolha, mas o tempo pode te provar o contrário.

E aí talvez algumas pessoas tenham paciência infinita para lidar com uma pessoa cada vez menos querida tendo poder sobre a sua vida, mas a maioria de nós não tem. E não acredite que escolher a opção de continuar o negócio te absolve do incômodo constante, você só está dizendo que vai aguentar essa situação merda sentindo que ela é uma merda por causa de dinheiro. Uma coisa é encarar as necessidades da vida, outra é monetizar seu sofrimento.

Explico: encarar as necessidades da vida é trabalhar para ganhar seu sustento ou daqueles que dependem de você. É a noção que sem aquilo, você e suas pessoas queridas podem cair abaixo de um padrão mínimo aceitável de sobrevivência. Isso pode ser feito trabalhando por conta própria, numa sociedade ou mesmo tendo um emprego. Monetizar seu sofrimento é se colocar numa situação onde você está se violentando sem a necessidade real daquilo para o padrão mínimo aceitável.

Ter uma sociedade não é obrigação de ninguém. Na verdade, o caminho mais comum e mais factível para uma vida média é o de trabalhar para os outros. Quem tem uma empresa no mínimo tem a capacidade de fazer o mesmo trabalho para outros, talvez até ganhando mais por isso por não ter que arcar com os custos de ter um negócio. Então, muita atenção aqui: a sociedade no campo profissional é um refinamento do processo habitual de ter um emprego. Tem pra onde cair se não quiser continuar no mesmo nível.

Uma sociedade merda significa que você tem que passar por todos os problemas de ter uma empresa, algo extremamente mais complexo do que a maioria das pessoas acha, com várias decisões difíceis e um risco constante de estar trabalhando para perder dinheiro. Tudo isso exige um senso de planejamento muito apurado e uma visão clara de onde você quer chegar. E quando uma empresa depende de duas ou mais pessoas para chegar nessas conclusões, é essencial que elas sejam capazes de se alinhar.

O ser humano é uma merda, incluindo nós mesmos. Pessoas que se detestam nem sempre tem motivos muito sólidos e raramente são capazes de não deixar esses sentimentos contaminarem suas escolhas profissionais. As picuinhas mais sutis podem virar decisões catastróficas para a empresa, e o nível de estresse de estar pilotando um barco desses na hora da tempestade é bem diferente daquele de temer pelo emprego. Cargos gerenciais pagam muito bem justamente por causa das decisões que eles deveriam tomar muito melhor que a média.

Botar pressão emocional extra nessas situações é tornar o processo praticamente insustentável. Raramente sociedades são daquele tipo de negócio que dá dinheiro quase que por mágica, mesmo os negócios lucrativos o são com uma margem realista que pode desaparecer no menor erro. E pra falar a verdade, é impossível detestar um sócio num negócio que está dando lucros gigantescos e muito rápidos, a merda estanca quando as coisas estão mais ou menos dentro da média. E mesmo o negócio lucrativo do exemplo desta coluna não está imune a problemas futuros.

Problemas que explodem com muito mais facilidade quando os sócios não se suportam mais. Falta comunicação, falta paciência, falta objetividade. Sócios que se detestam (mesmo que só um deteste) perdem tanta força de gerenciamento e planejamento que o lucro tem os dias contados. Melhor sair de uma furada dessas a tempo, e voltar para um emprego ou abrir outra empresa enquanto você não está amargo demais, ou fodido demais para recomeçar. Uma empresa lucrativa pode te enfiar numa dívida gigantesca em questão de dias se você distrair.

Eu sairia sim. Dinheiro é importante, mas nem tudo o que é mais lucrativo no curto prazo é mais interessante para a vida, não? Ás vezes temos que investir, nem que seja investir em viver a vida com menos sofrimento.

Para dizer que me detestaria facilmente com esse papinho, para dizer que eu não sei o que dificuldade, ou mesmo para dizer que sofre mais que eu (bom pra mim, ruim pra você): somir@desfavor.com

SALLY

Você manteria um negócio lucrativo com um sócio que detesta?

Sim, pois eu detesto mais ainda ser pobre. É simples assim. Mentira, não é simples não, vou explicar melhor.

Sócio não é patrão, não há hierarquia. Em um sócio eu posso dar uma trava, tenho instrumentos para lutar de igual para igual. Então, por mais que eu deteste a pessoa, vou saber me impor e manter a distância necessária para que a pessoa não consiga me fazer muito mal. Pensando friamente, tanta gente fica em um emprego que detesta e/ou com um chefe que detesta (o que é muito pior), que ficar com um sócio que detesta não seria o pior dos cenários.

Vamos pensar como adultos. Na vida adulta temos que engolir muitos sapos e nem tudo é da forma que queremos. Acho bem fantasioso pensar que você vai conseguir tudo perfeito, do jeito que quer: um negócio lucrativo, fazendo o que gosta, onde você é sócio e onde seu sócio é uma pessoa muito bacana. Quais são as chances disso acontecer? Sinceramente, hoje, no Brasil, agradeça se você conseguiu ter um negócio lucrativo, porque o mercado não está fácil não.

Além disso, o ideal é que seu sócio seja diferente de você, assim um complementa o outro e o negócio tem mais chances de dar certo. Se o forte de um sócio é a perfeição técnica, é bom que o forte do outro seja o social, por exemplo. Boas combinações de sociedade podem gerar mais atritos, pois é mais difícil que pessoas muito diferentes convivam diariamente. É o preço que se paga. Mas, somos todos adultos e as diferenças podem ser conversadas e atenuadas.

Meio mimadinho largar seu sustento (e talvez o da sua família) por desgostar do seu sócio. Se fosse um patrão, eu realmente entenderia, pois é uma pessoa com poder sobre você, que tem a capacidade de te infernizar. Um sócio está de igual para igual, então, você, adulto e maduro, tem capacidade de resolver eventuais diferenças ou ao menos colocar um limite no sócio para que ele não tenha o poder de te infernizar. Com paridade de armas, eu me garanto. Querer um negócio lucrativo e um sócio amigão é pedir um pouco demais. Meus amores, aceitem uma coisa: a vida é uma piranha, nunca teremos tudo que queremos.

Eu gosto de supor que ninguém inicia uma sociedade com uma pessoa que detesta, certo? Quando você vai abrir um negócio, começando do zero, procura alguém que, no mínimo, seja suportável. Ninguém aqui abre negócios com seu inimigo. Então, no exemplo de hoje, o que se apresenta é uma sociedade onde o relacionamento entre sócios se desgastou e, atualmente, você detesta seu sócio. Isso faz diferença, pois é uma pessoa com a qual em algum momento da sua vida você se deu bem. Acredito que seja resgatável, por mais que demande esforço. Acho mais razoável fazer um esforço para resgatar um relacionamento que um dia já deu certo do que recomeçar do zero um negócio, abandonando algo que é lucrativo.

Além disso, é importante lembrar, se uma relação se deteriora, dificilmente a culpa é de um só. Geralmente é um conjunto de falta de cuidado e manutenção que vem dos dois lados. Assim como qualquer relacionamento, a relação entre sócios precisa de cuidados para se manter viva e saudável: conversas constantes, hábitos e rotinas para reforçar os interesses em comum, cuidado no trato para não permitir que intimidade desemboque em falta de respeito e muitos outros. Eu não sou empresária, mas acho que oito anos de Desfavor me deram alguma noção de como manter uma parceria a longo prazo. E olha que no nosso caso nem entra dinheiro, nem tem sexo.

Então, se a relação com o sócio descacetou, você provavelmente tem uma parcela de culpa também. Ambos podem recuar um passinho e fazer os reparos que sejam necessários. Sociedade não é amor, não tem passionalidade envolvida, dá para reparar os danos. E mesmo que nada volte a ser como antes, você não tem que viver na mesma casa e dormir na mesma cama que um sócio, apenas gerir uma empresa. Há regras de convivência que podem ser criadas para permitir tocar o negócio de forma minimamente harmoniosa, sem violentar nenhuma das partes.

Você não precisa gostar do seu sócio para que a coisa dê certo. Você não precisa amar o seu sócio para que a coisa dê certo. Amar e gostar não são sentimentos que você possa se obrigar a ter (e é por isso que tantos casamentos acabam). Basta você respeitar o seu sócio para que a sociedade dê certo. Se ninguém faltar com o respeito a ninguém, a coisa fica suportável. E respeito é algo que as pessoas podem se obrigar a ter, basta estabelecer limites e seguir regras.

Acho mais fácil reparar uma relação falida entre sócios, ou seja, uma relação superficial e profissional, do que começar um novo negócio do zero e ter lucro com ele. Economia fodida, país que só sacaneia pequenos empresários, desemprego bombando… tem certeza que não dá para bater um papo com seu sócio e tomar algumas medidas para que esta porra fique boa para ambas as partes?

E, no pior dos mundos, arregaça as mangas e faz tudo sozinho. Quem é leitor antigo sabe que, aqui no Desfavor, ao longo desses oito anos, Somir teve fases de abandono: sumia, não postava, não dava satisfação. O que eu fiz nesses períodos? Me programei para escrever por mim e por ele. Trabalha-se pra caralho? Sim, mas se você estivesse na iniciativa privada, como empregado, certamente ia trabalhar bem mais do que isso, então, tente salvar sua sociedade e trabalhe pelos dois se for preciso.

Se você é rico, então você pode pensar como a Madame aqui de cima. Se a relação com o sócio azedar, larga tudo e parte para a próxima, foda-se que o tempo estimado para ter retorno financeiro seja de anos, você pode se dar ao luxo de ficar anos no prejuízo. Se você não é rico e não pode se dar a esse luxo, então, meu amor, você tem que dar seu jeito e fazer por onde isso funcionar. E aí? Qual é o seu caso?

Para dizer que você é pobre com mentalidade de rico, para dizer que se der lucro você dá até o cu ou ainda para dizer que não tem ideia da resposta pois sempre foi empregado: sally@desfavor.com

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Comments (25)

  • Feliz dia do Troll!!

    A trollagem desse ano era não ter trollagem ou vocês terem trocado a autoria dos textos ?!
    De verdade, me parecem estar trocados. Somir, o frio e calculista, não parece ser do tipo que pensaria em qualidade vida se tivesse que lidar com um sócio que detesta. Já a Sally, embora sempre firme e forte, parece ser o tipo de pessoa que pensaria na qualidade de vida x lucratividade.

    • Confesso que ainda não tive tempo de ler esse texto, mas quando vi a pergunta ontem pensei “claro que Somir dirá que sim e Sally que não”. Fui ver as respostas e me surpreendi com o inverso. Interessante muita gente ter pensado o mesmo. Depois vou ler com atenção. Sempre é curioso ver o desenvolvimento de um raciocínio contrário ao que a gente espera.

  • Uma vez convidei uma coleguinga de ônibus para faxinarmos um prédio juntas ao invés de cada dia irmos p uma casa diferente.
    A Lurdinha era uma das coleguinhas q vc pega amizade no ônibus. A gente ia e voltava juntas. Mas a Lurdinha era feia. Acho q por isso nunca ficou muito tempo na mesma casa. Eu morria de do. Tadinha gente. Vivia sem grana e chorando..
    Dai eu falei
    Lurdeca. Topas comigo faxinar tal prédio? Ela topou.
    Resumo. Acabei meu trabalho e tive q fazer mais da metade do trabalho da Lurdinha.
    Final do dia fomos expulsas do prédio pq. Lurdinha comeu todos os doces das geladeiras dos patrões.
    Compensa? Compensa ajudar? Ter sócio?
    Não. Não compensa.
    Dei tanta porrada na barriga da Lurdeca dentro do ônibus. Só nao vomitou pq é uma morta de fome.
    Sociedade? Só se for com vc proprio

  • Eu falaria sim, pq dinheiro é necessário, mas eu sei q na prática iria apelar e sair fora eventualmente. Nessa vou com o Somir

  • Sócio está de igual pra igual? Nem sempre. Se esquece dos casos onde um é majoritário e o outro minoritário, onde não há uma relação de igualdade entre os participes da empreitada.

    • Mas não há hierarquia. Pode não existir o mesmo poder de decisão, mas um sócio não manda no outro. Se manda, tem alguém meio banana aí…

  • Sinceramente, acho que as opiniões estão trocadas… no texto do Somir, achei que eles estavam escrevendo um como o outro (o Somir escrevendo o texto da Sally e vice versa)… Mas lendo o da Sally, acho que eles tentaram defender o ponto de vista do outro, mesmo não concordando a princípio!

    De qualquer forma, não acredito que dinheiro valha a perda de qualidade de vida que gera lidar com alguém que vc detesta… isso consome vc, desgasta, não vale a pena! Tô com o Somir (ou no caso, a Sally)!

  • Para dizer que alguém está mentindo aí e isso é dia do troll. (e deveria estar como “ele disse, ela disse” e não “sem categoria”).

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