A última viagem – Parte 2

Sob uma inspeção mais detalhada, o ciborgue HJ não parecia lá tão impressionante. Cabos – alguns deles sem conexão aparente – chacoalhavam livres por uma generosa abertura no que seriam suas costas. De tempos em tempos Zarel percebia algumas faíscas vindas de contatos aleatórios entre as entranhas metálicas de seu guia naquele longo corredor escuro. Zarel tentava acompanhar o passo do robô, pernas ainda bambas por tanto tempo de inatividade na câmara de suspensão.

HJ: Ao chegar lá, procure por Labareda.
ZAREL: Labareda?
HJ: Ele é como você. Vai ser relativamente simples encontrar.
ZAREL: Ele se parece comigo?
HJ: Sim. Quatro membros, material totalmente orgânico, acúmulo de pelos no alto da cabeça.
ZAREL: Isso é bem menos específico que você imagina…
HJ: Entendo. Labareda também tem dois estranhos depósitos de gordura no tórax.
ZAREL: Labareda é uma mulher?
HJ: Esse tipo de informação não parecia relevante quando eu transferi minha consciência para cá. Perdão. Talvez seja. Isso é relevante para você, Zarel?
ZAREL: Talvez seja… eu ainda não estou em condições de entender o que está acontecendo aqui.

Os dois finalmente chegam ao fim do corredor, agora com a vista de um hangar, onde uma nave solitária já parece preparada para o lançamento.

HJ: A minha consciência vai chegar até o seu destino muitos anos depois do que você, e seria arriscado demais carregá-la na mesma nave. Labareda vai saber como me encontrar, e quando você fizer isso, basta usar o código HG29018SH9200A9830018 para confirmar sua identidade e evitar que eu te extermine, ok? Boa sorte, preciso deletar minha memória antes que seja tarde demais. Você tem cinco unidades de tempo antes dessa base ser destruída.
ZAREL: Como você espera que eu decore esse có… HJ?

O robô baixa a cabeça e fica parado ali mesmo. Não há mais sinal de energia fluindo por seu sistema.

ZAREL: HJ! Quanto é uma unidade de tempo? HJ!

Zarel tenta chacoalhar o corpo robótico inerte, apenas para derrubá-lo. As luzes no hangar passam de um suave tom de amarelo para um ameaçador vermelho. Uma voz robótica começa a ecoar pela área.

VOZ ROBÓTICA: Uowara…
ZAREL: Treinamento, treinamento… alucinação relativística… isso… sonho lúcido… assumir controle… isso!

Zarel começa a rondar a área, aparentemente em busca de alguma coisa.

ZAREL: Relógios, relógios…
VOZ ROBÓTICA: Naquine…
ZAREL: Quem controla essa realidade sou eu. Isso é apenas uma alucinação da minha mente dopada. Só uma alucinação. Eu vou tomar o controle. Eu vou tomar o controle…
VOZ ROBÓTICA: Folizer…
ZAREL:

Zarel vacila por alguns segundos, mas logo dispara correndo para a nave estacionada no centro do grande deque.

VOZ ROBÓTICA: Megba…

Assim que passa pela porta aberta na traseira da nave, sente-se acolhido por uma sensação física de acolhimento, como se o ar o abraçasse. Rapidamente, sua visão fica turva e os sons vindos de fora abafados.

VOZ ROBÓTICA: Falain.

Um estrondo é a última coisa que sente antes de apagar completamente.

A sensação já é conhecida a esse ponto. Os sentidos voltando lentamente, o frio. Mas dessa vez, há um estímulo extra.

VOZ: *língua estranha*
ZAREL: Acabou? Cheguei?

Quando a vista finalmente volta a funcionar, Zarel encontra um ser muito estranho debruçado sobre seu rosto. A cabeça sobre um longo pescoço lembra a de uma galinha, embora muito maior. Aproxima-se de Zarel, olhos negros e sem pupilas fazendo contato direto com os seus. O ser se volta para alguém que se aproxima e diz mais alguma coisa ininteligível com sua voz rouca.

Zarel olha ao redor para se situar. Um hangar, novamente, mas ainda mais acanhado que o de onde saíra, ou, presumia ter saído. Mal iluminado, com partes mecânicas e ferramentas jogadas para todos os lados. Reconhece a nave onde estava, levantada sobre uma grande estrutura metálica, parcialmente tombada. A fuselagem parece ter sofrido grandes danos.

O galináceo gigante tem mãos e polegares opositores, que apresenta para Zarel indicando ajuda para levantá-lo de onde está. Zarel vacila por alguns segundos, mas aceita. Seu novo conhecido é forte, com apenas uma flexão dos braços penosos, praticamente arremessa-o para o outro lado do hangar. Zarel sofre um pouco para se equilibrar após o tranco, mas permanece sobre as próprias pernas. A sensação de esgotamento é bem menor agora. Ele começa a andar em direção à nave, e toca a fuselagem bem numa das marcas de danos. Olha para o estranho e aponta para o local, olhar inquisidor.

GALINÁCEO GIGANTE: *ininteligível*

Zarel começa então a fazer gestos, tentando demonstrar tiros numa batalha espacial, inclusive com os sons característicos. Enquanto isso, o grande frango humanóide torce o longo pescoço, denotando confusão. Zarel faz o som de uma explosão, agora em alto volume, chacoalhando os braços para demonstrar os estilhaços. O ser continua em dúvida.

ZAREL: HJ! Bip-bop-zap! *imitando um robô dançando*

Sem resposta.

ZAREL: Hm… Labareda!

O ser finalmente demonstra uma reação. Os olhos arregalam, algo parecido com um sorrido desponta das laterais do caricatamente pequeno bico em relação à cabeça.

GALINÁCEO GIGANTE: Laba… reda!

Enquanto emite o som, ele estica as duas mãos para frente do peito, sugerindo claramente duas grandes mamas. Zarel aproveita a oportunidade para imitar o grande frango, ambos fazendo gestos como se estivessem segurando seus próprios seios exageradamente grandes.

ZAREL: Labareda!

Felizes pela interação de sucesso, os dois começam a rir, cada um de sua forma, enquanto continuam o gestual.

VOZ: Que bom que vocês estão se divertindo.

Os dois se viram na direção da voz imediatamente. Adentrando o hangar por uma porta lateral, uma mulher vestida com algo parecido com uma uniforme militar troca um olhar de desaprovação com o galináceo, que recua as mãos de suas mamas imaginárias. A mulher chama atenção pelo cabelo raspado, o rosto imaculado mesmo sem maquiagem, grandes olhos violetas, mas o que realmente se destaca ali é o tamanho de seus seios, praticamente escapando do uniforme.

ZAREL: Labareda?
LABAREDA: O próprio.
ZAREL: O?
LABAREDA: Longa história. Não se engrace comigo e não incentive o Liplo a continuar com essas gracinhas! Venha!
ZAREL: Onde estamos?
LABAREDA: Atrasados. Seu corpo só deve agüentar mais alguns minutos antes de se liquefazer completamente. Liplo, *sons numa língua estranha*
ZAREL: Liquefazer?
LABAREDA: Não se preocupe, não vou deixar isso acontecer, até porque se seu corpo virar meleca relativística, nenhum de nós vai sobreviver. LIPLO!

O galináceo rosna, ou… cacareja, visivelmente emburrado.

Continua…

Para dizer que isso mudou de rumo rapidamente, para dizer que só vai ler a próxima pelo Labareda, ou mesmo para dizer que eu já mais sério: somir@desfavor.com

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