Columbine

Não tem muita gente lendo blogs, quanto mais escrevendo. Vários dos meus conhecidos ainda estão usando a boa e velha BBS, mas os tempos avançam. Sally e eu vamos começar a escrever aqui nos blogs da AOL, e esperamos que vocês nos sigam nessa nova jornada. E como eu gosto de fazer amigos, a primeira coisa que vou fazer aqui é analisar outros blogs! Acho que vou chamar a coluna de “Delete me!” ou algo do tipo. O primeiro vai ser o blog de um garoto metido a terroristão online: o Blog de Eric Harris.

O blog começou simples, só para postar os mapas de Doom que ele fazia. Até aí, nada demais. Todo mundo joga Doom mesmo, e na média, os mapas dele até que não eram ruins. Mas, a partir de uma data, começamos a perceber os primeiros sinais de problemas: Eric, e seu amigo Dylan – que sempre comentava por lá – começam a fazer uma infantilóide página criticando a turma da escola, os professores e até os pais. Mas essas piadinhas – pra lá de sem graça – começam a tomar um rumo meio estranho com o passar do tempo.

Algumas postagens ensinando a pregar peças nos outros começam a aparecer, depois elas vão se transformando em explicações sobre como fazer fogos de artifício caseiros, pequenas e finalmente grandes bombas. Tem receitas no blog inclusive de como fazer uma bomba com um cilindro de gás propano! Mas, para ser honesto, que jogue a primeira pedra quem nunca viu uma página dessas sobre bombas, parece que criaram a internet só para postar fotos de mulheres peladas e informações “secretas” sobre explosivos. Não vou reclamar da primeira parte, mas é temeroso que um público adolescente tenha tanto acesso a esse tipo de informação.

Mas eu saí do meu foco. O tempo passa e as coisas ficam ainda mais bizarras no blog desse rapaz (embora eu ache que o amigo dele escreva algumas coisas também, acho que os dois só tem um ao outro), com listas de pessoas que os fizeram mal e um desejo claro de matá-los. Curioso que todas as pessoas que eles odeiam calham de ser atletas e garotas populares de sua escola. Pintam-se de perseguidos, dizem que estão planejando sua vingança e todo tipo de fantasia de perdedores sob pressão escolar.

Nos últimos tempos, o assunto principal são as armas de fogo. Pistolas, escopetas, fuzis e tudo mais que se tem direito num grande filme de ação. Pessoas frágeis tem esse hábito de precisar de alguma coisa para se sentirem poderosas, qualquer ilusão serve. E algo me diz que eles devem ter conseguido pelo menos uma arma, pelo tom crescente de ameaças que fazem a… a basicamente todo mundo. Fora a psicopatia latente, são adolescentes genéricos numa fase revoltada. O que poderia ser relevado caso não houvesse esse componente de fúria e ressentimento em tudo o que escrevem.

Mas sabem o que realmente me assusta? É como ninguém parece estar dando atenção para isso. Esses jovens não tem pais, parentes, professores, amigos? Alguém? Porque apesar de adolescentes serem cheios de fazer pose de mais durões do que realmente são, algo está passando do limite. E se eles já tem uma arma, e se eles construíram alguma bomba? Quem publica num blog lista de pessoas que pretende matar com certeza já deve estar dando algum sinal. Quem está olhando para eles?

Porque a sociedade adora culpar os outros pelos comportamentos dos filhos negligenciados. Os videogames são perigosos, as músicas passam mensagens ruins, os filmes glorificam a violência… mas nada de lidar com o problema que os pais americanos passam cada vez menos tempo com seus filhos, que ao delegarem à mídia a tarefa de educarem seus jovens, criam uma geração de niilistas, desconectados da experiência humana. Nem todos vão dar sinais como Eric e Dylan, a maioria vai lidar com essa frieza e distanciamento como algo normal, perdendo a capacidade de enxergar o outro. Pudera, seus pais nunca os ensinaram a fazer isso.

E o que acontece com jovens sem supervisão? Não sabemos. Ninguém sabe por que ninguém está lá para ver. E se aqueles garotos tiverem armas? Se quiserem botar em prática suas listas da morte? Ou, se continuarem em suas vidas com toda essa raiva e acabarem criando mais crianças assim? Que ninguém controla o nascimento de loucos na nossa sociedade, é a mais pura verdade. Algumas pessoas realmente nascem com um parafuso a menos, mas as que tem todos no lugar devem estar próximas o suficiente para notar. Não é responsabilidade da mídia em geral se adaptar ao risco de alguma pessoa entender errado uma mensagem por estar vivendo fora da realidade, é responsabilidade de quem colocou essas pessoas no mundo.

Doom é violento? É sim, mas os garotos pareciam bem mais equilibrados quando estavam focados no jogo. Quando os mapas do jogo saíram do blog, entraram bombas, armas e listas de assassinatos. E é aqui que eu começo a mexer num ponto que com certeza vai gerar polêmica onde vivemos: precisamos conversar sobre o comércio de armas. Qualquer um pode ter uma arma. Será que era isso que os Fundadores queriam? Que a Segunda Emenda fosse uma solução prática para adolescentes entediados sentirem-se poderosos e descontarem sua raiva?

A arma do jogo, a arma que o Neo segura no filme… essas são imaginárias. Elas são analogias para problemas que temos, são desafios que a vida nos arremessa, não são literais. Mas aqui no mundo real, as armas são muito reais, as bombas explodem e matam pessoas. O garoto emasculado por um sistema social onde ninguém se mete na crueldade que adolescentes fazem entre si quando ignorados pelos adultos encontra sua força nessa cultura cretina de valorização da bala.

Ao contrário da maioria, eu acredito que a mídia está ficando mais violenta por causa das pessoas, e não o contrário. Tem algo aí que os jogos, os filmes e a música perceberam antes dos governantes: que temos uma sociedade lentamente se desconectando do contato humano e tentando se isolar em locais seguros, onde ter uma arma como o Rambo e ser assustador como Marilyn Manson são essenciais para a vida isolada e atemorizante que vive o jovem abandonado por pais e sociedade. Deve doer ser vítima de bullying, mas dói mais quando ninguém parece se importar, quando enfiam na sua cabeça que a culpa é sua por ser fraco.

E é aí que o fraco vai buscar força na fantasia. A fantasia de Eric e Dylan de matar todos aqueles que os incomodaram na vida escolar é claramente uma reação infantil ao medo: o pânico e a vontade de eliminar completamente a fonte de preocupação ao invés de tentar lidar com ela. Se os rapazes são psicopatas eu honestamente não sei, mas que são uma excelente prévia sobre as novas gerações americanas, drogadas por médicos inescrupulosos por todo tipo de problema inventado, isoladas de contato humano por pais que não ficam mais em casa, ignorados por professores cada vez menos valorizados pelo Estado… eles vão se perder. O isolamento infantiliza, diminui a capacidade de aceitar as dificuldades da vida e principalmente atrofia a capacidade de vencê-las.

E aí, azar de quem encontra um deles num dia ruim. Estamos sentados numa bomba, eu só espero que ela seja desarmada a tempo. Eu sei que vou ser chamado de alarmista, que são só dois moleques brincando de góticos malvados como tantos outros por aí, mas tem algo de muito estranho no mundo em que estamos vivendo. Espero que o próximo milênio nos traga gerações melhores…

Para dizer que armas não matam pessoas, para dizer que maluco não tem cura, ou mesmo para dizer que também é fã de Limp Bizkit: iamsomir@aol.com

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