Diplomacia básica.

Não podemos julgar as pessoas apenas pelos seus defeitos, até porque de cada defeito pode surgir uma qualidade. Eu, por exemplo, tenho o defeito de fazer muito pouco da inteligência alheia. O que se prova correto algumas vezes, mas obviamente passa do limite do aceitável. Tanto que já é piada recorrente aqui minha tendência a chamar de burro quem discorda de mim (muito embora estatisticamente eu esteja correto ao presumir isso). E dessa característica desagradável, nasce uma rosa no pimenteiro: quem acha todo mundo burro por definição fica condescendente e tenta se manter seguro contra a suposta irracionalidade alheia na maior parte do tempo, o que é basicamente o conceito central da diplomacia. Pelo menos, para mim…

Sim, estou dizendo que achar que os outros são burros te torna mais diplomático, mas não é tão simples assim. Uma coisa é achar, outra é demonstrar. Pessoas que acham as outras burras e agem explicitamente nesse sentido só queimam pontes, achar outros seres humanos intelectualmente inferiores é uma arte que precisa ser exercida com cuidado. Afinal, ninguém gosta de se sentir diminuído, não? O segredo está em compensar seu desdém com uma generosa dose de condescendência.

Condescendência é basicamente dizer que vocês sabem o que condescendência significa só para vocês se sentirem mais valorizados, ou, em termos mais simples (para os outros, não você), ser condescendente é fingir ser mais agradável ou compreensivo do que realmente é com uma pessoa por achar que ela é incapaz de lidar com a verdade, ou mesmo por achar que não vale o seu tempo. Mais ou menos como tratamos crianças. Condescendência é a chave para exercer a diplomacia.

Mas cuidado: não é tão simples quanto parece, existe um equilíbrio sutil entre tratar o outro como um retardado e ele perceber e tratar o outro como um retardado e ele se sentir especial. E está tudo no quanto você o faz se sentir inteligente dentro de um contexto. Não é novidade para ninguém que elogios podem te levar longe, mas justamente por ser uma tática tão conhecida para amaciar relações humanas, é uma que te entrega rapidamente. Você quer elogiar a pessoa, mas ela tem que acreditar que merece. E mais importante: ela não pode estar enjoada desse elogio.

Até por isso a melhor sugestão é sempre elogiar inteligência ou algum traço de personalidade “controverso”: são duas áreas onde as pessoas raramente recebem elogios, até por falta de exercício, e te separam automaticamente da grande massa, que só tende a agraciar o outro com características positivas que já tenham. Você vai querer elogiar inteligência acima de tudo porque pessoas que já são inteligentes costumam se valorizar por isso e pessoas medianas ou burras vivem com algum trauma disso.

As características “pavão”, vulgo as que as pessoas exibem o tempo todo e podem ser presumidas rapidamente, como beleza física, status social ou mesmo habilidade em alguma tarefa, essas tendem a ser meio sem graça para quem já tem esses pontos fortes, mas inteligência e personalidade são coisas que precisam de um certo conhecimento para serem notadas, e se você conseguir pegar esse atalho, elas começam a acreditar que são bem mais íntimas de você que realmente são.

E o que tudo isso tem a ver com o começo do texto? Bom, como eu disse, diplomacia é a arte de achar o outro burro e perigoso por antecedência. Tratar o outro de forma condescendente numa situação onde você precisa ser diplomático – seja para conquistar uma vantagem ou para desescalar uma situação problemática – é um excelente caminho para mudar o foco do que você não quer e deixar o controle da situação mais próximo de você.

Ser condescendente nesse contexto significa buscar rapidamente um ponto positivo na situação, uma ponte, mesmo que temporária, entre as pessoas envolvidas na situação. Pessoas discutem baseadas naquilo que as está incomodando naquele exato segundo, e enquanto esse incômodo estiver ativo, elas vão estar no ponto máximo de sua defesa, assim que você for capaz de tirar o foco dela daquilo e fazer toda a situação girar ao redor da sua relação com ela naquele momento, ponto para você: as coisas estão indo no caminho seguro.

Normalmente uma das pessoas de uma discussão carrega a tocha da agressividade, mesmo que as duas estejam se queimando com essa chama, quase toda relação tem a pessoa que escala o grau de animosidade da situação. Quem quer ser condescendente não pode ter essa tocha na mão. No segundo que você agride, perde a presunção de superioridade intelectual, e por mais que agressões possam ser úteis para resolver alguns problemas, sem a superioridade intelectual ninguém vai comprar seu posicionamento de adulto responsável da discussão ou negociação.

Tratar o outro como burro é justamente fingir que a pessoa é mais inteligente do que ela é, imputar a ela uma responsabilidade de equilíbrio e racionalidade que ela não é capaz de sustentar. É muito difícil ter uma discussão ou negociação fria e racional, pouca gente tem neurônios ativos o suficiente para segurar essa situação por muito tempo. E é aí que você ataca: quando você se posiciona sozinho como inteligente, o outro está isolado da relação. Quando você é condescendente e trata o outro, merecendo ou não, como alguém capaz de entender toda a complexidade (criada por você) nessa equação, ela vira sua sócia nessa parte complicada e começa a cansar, rápido.

E como você acaba de estabelecer que ambos são inteligentões, começa a grande armadilha. Sally me disse isso uma vez e eu vou levar pra vida: “as pessoas acham inteligente quem concorda com elas”. Essa ideia é imensamente explorável! Quando se entende que é difícil sair de uma situação de concordância já estabelecida com uma pessoa que está te tratando como inteligente, percebemos como é fácil negociar a partir daí: o outro está dependendo de você para continuar inteligente, e para fazer isso, vai ter que concordar, sob o risco de perder essa sensação quentinha de pertencimento a uma categoria que raramente fez parte pela vida.

E fica tranqüilo, não precisa de muita coisa dentro da própria cabeça para passar essa ilusão para o outro, basta lembrar que concordância gera presunção de inteligência. Em qualquer situação onde você precisar agir de forma diplomática, corra para achar um ponto comum, mas corra mesmo. Tem que ser de preferência na primeira ou segunda frase que você soltar nessa conversa. Encaixe alguma coisa que vocês concordem e comece e desenvolver sutilmente como vocês dois são mais inteligentes que a média. Claro que isso só funciona se você achar o outro burro o suficiente para cair nessa, o que às vezes me quebra a cara por achar muita gente mais burra do que realmente é. Mas quem não tem esse tipo de defeito que eu tenho provavelmente vai ter mais chances de sucesso na tática.

Não se esqueça: diplomacia é condescendência. Não é negociar, não é agradar, é fazer a outra pessoa achar que você está no mesmo time que ela e que custa caro sair desse time.

P.S.: Publiquei tarde pra dar tempo do outro texto ser lido, ok?

Para concordar comigo, para concordar comigo ou mesmo para concordar comigo: somir@desfavor.com

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Comments (3)

  • Pior que eu ja usei essa arte involuntariamente, pra obter uma vantagem e fui bem sucedido!

    Suas analises sao muito boas. Um ponto de vista diferente.

    Somir, vou ler a resposta do email com calma.

    Ta corrido esses dias…

    Obrigado!

  • Teoria interessante, Somir. Vou tentar me lembrar do que você disse neste texto em situações futuras. O chato é que eu não costumo ter lá muita paciência com a burrice alheia – mas já fui mais pavio curto – e provavelmente precise exercitar mais a minha capacidade de ser condescendente…

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