Neurônio-Espelho

Você reparou que quando alguém boceja, você geralmente boceja junto? E que quando passa um filme com uma cena de um homem levando uma pancada nos testículos, os homens que estão assistindo se encolhem? E que quando alguém protagoniza um vexame sentimos vergonha alheia? E que muitas vezes sorrimos quando alguém sorri, quase que automaticamente? Tudo isso tem uma explicação muito interessante e é sobre ela que vamos falar hoje. Desfavor explica: Neurônio-Espelho.

Os responsáveis por esses efeitos são os Neurônios-Espelho, células localizadas em nossos cérebros que são ativadas não apenas quando realizamos um ato, como também quando vemos alguém realizar um ato. Estas células forma descobertas recentemente, em 1994 (o que, para o mundo científico, é recente). O mais curioso é a forma como foram descobertos, por acaso.

Cientistas de uma universidade italiana estavam estudando a parte motora de um macaco, em um experimento onde ele ficava com eletrodos na cabeça. Cada vez que ele fazia determinadas ações, a área cerebral estimulada era mostrada em um monitor. Até que um dia, um aluno entrou no laboratório para assistir ao experimento. Ele ficou observando o macaco, enquanto tomava um sorvete. Quando o aluno levou o sorvete à boca, o monitor que controlava os movimentos do macaco apitou, como se o macaco estivesse levando algo á boca.

Todos ficaram muito surpresos, pois o macaco estava imóvel. Deixaram de lado o que estavam fazendo e começaram a investigar essa reação do cérebro do macaco. Perceberam que sempre que ele assistia outro macaco ou um ser humano praticar determinados atos, a parte do seu cérebro responsável por esses atos era ativada, como se o macaco estivesse executando este ato, mesmo ele permanecendo imóvel.

Quando o ser humano simulava tomar uma casquinha, fazendo o mesmo movimento com a mão e a boca, só que sem a casquinha, o cérebro do macaco ignorava o ato. Quando lhe era mostrada apenas uma casquinha, sem que o humano a coloque na boca, o cérebro do macaco também ignorava o ato. Tentaram várias combinações para “enganar” o cérebro do macaco, mas não teve jeito: a área só era estimulada quando o animal presenciava a ação completa.

Partiram então para pesquisas em seres humanos, e constataram que nós temos Neurônios-Espelho e são muito mais desenvolvidos e sofisticados. Atos praticados por outros seres humanos são identificados, compreendidos e espelhados de forma tão rápida pelo cérebro que muitas vezes nem mesmo chegamos a ter a percepção racional de que estamos espelhando um comportamento.

Foi comprovado que, em seres humanos, ver outra pessoa praticando uma determinada ação ou simplesmente imaginar que se está praticando uma ação ativa a área do cérebro que seria responsável por esta ação. Em uma fração de segundos, o cérebro identifica, reconhece o que o outro está fazendo e ativa a área correspondente a essa ação em nossos cérebros.

Isso mudou a forma como se encara o cérebro. Para espelhar algo, é preciso compreender o que está sendo feito e, quem sabe, talvez, até antever o que será feito com base em um ato inicial. Por exemplo, se uma pessoa começa a desamarrar o cadarço do tênis, é provável que ela esteja tirando o calçado do seu pé. Como é possível que a parte motora do nosso cérebro compreenda e anteveja a ação antes da nossa consciência racional? Ao que tudo indica, há uma conexão direta entre percepção e ação, mais rápida e eficiente do que se imaginava.

Seres humanos são capazes de espelhar animais naquilo que tem em comum, ou seja, se um animal boceja, pode ser que você espelhe esse comportamento. Porém, se um cão late, não há espelhamento, pois o cérebro não reconhece isso como “fala”, então, não há um setor equivalente em nossos cérebros para refletir esse comportamento. A chave para o espelhamento é que seu cérebro se identifique com o que está sendo feito, que posso compreender e encontrar uma área correspondente de atuação.

Aí começaram as divergências: para que serviriam os Neurônios-Espelho? Parte dos cientistas diz que servem como uma forma de tentar antever tudo, aquela mania do cérebro sobre a qual já conversamos em outros textos, para nos salvar de perigos e predadores. Os seres humanos com esta habilidade mais desenvolvida foram os que sobreviveram e procriaram, criando uma humanidade com cérebro propenso a antever tudo, just in case.

Assim, por esta corrente, o cérebro seria um grande gerador de hipóteses, que permite que nos preparemos para as consequências do ato que estamos vendo: o cérebro percebe o que o outro ser humano está fazendo, emula isso no seu corpo e faz com que você se sinta como a pessoa está se sentindo, assim você pode compreendê-la e depreender quais serão seus próximos passos. Essa capacidade de simular o que está na cabeça do outro nos prepararia melhor para sua reação, ajudando a antever o que está por vir e nos preparando para isso. Se esta teoria estiver correta, nos torna mais aptos a prever um ataque ou uma agressão.

Outra corrente diz que a razão de ser do espelhamento é nos ajudar a manter relações sociais, já que o ser humano é um ser social, que depende disso para sobreviver e que sem este espelhamento talvez a empatia não seria possível, não ao menos para viabilizar as relações sociais tais quais as precisamos.

Prever a emoção do outro e compreender a emoção do outro (através de mecanismo de “sinta você mesmo”) é fundamental para uma vida em sociedade. Então, esse espelhamento seria um grande diferencial que, quem sabe, explique a empatia humana. Por esta teoria, a empatia seria inata, ela vem de fábrica, com um emulador de atos e sentimentos alheios, que nos permitiria entende-los melhor e reagir melhor a eles, fortalecendo vínculos sociais.

Há quem defenda que os Neurônios-Espelho são, na verdade, um mecanismo de aprendizado. Como o ser humano é complexo e vive em uma sociedade igualmente complexa, para que ele dê conta da tarefa, precisa meio que “aprender por osmose” algumas coisas. Seria o caso de bebês, que imitam as expressões faciais de adultos: se o adulto mostra a língua, o bebê espelha e mostra a língua de volta. Isso permitiria um aprendizado express, um bebê sem experiência alguma teria a capacidade de reproduzir atos de um adulto expert.

Pode parecer pequeno, um mecanismo bobo, mas sem os neurônios-espelho perdemos muito de nossa humanidade. Por razões que ainda não foram bem compreendidas, crianças autistas não desenvolvem esse espelhamento. Logo, fica claro como isso prejudica a socialização, aprendizado e empatia. Ponto para a teoria do espelhamento para reforçar a socialização.

Em contrapartida, cientistas fizeram uma experiência interessante com pacientes vítimas de AVC, que tiveram a parte motora afetada: os colocaram para assistir a vídeos de pessoas praticando aqueles movimentos que eles tinham dificuldade, para, só depois, pedir que os pacientes tentem fazê-lo na reabilitação e fisioterapia.

O resultado foi que recebendo esse estímulo visual que “acordou” e “exercitou” o espelhamento e, por consequência, ativou/estimulou a área do cérebro responsável por aqueles movimentos, os pacientes se saíram muito melhor na sua execução. A diferença foi gritante quando comparado aos que não tiveram os neurônios-espelho ativados. Acho que é ponto para a teoria do aprendizado também, né?

Agora vejam que interessante: foi realizado um experimento para ver o grau de “inteligência” e sofisticação dos neurônios-espelho. Voluntários assistiram a dois vídeos muito parecidos, onde pequenas sutilezas distinguiam a intenção. Em um deles, uma pessoa pegava uma xícara de chá em um contexto onde indicava que ela iria tomar o chá. Em outro, pegava a mesma xícara de chá, no mesmo cenário, em um contexto onde parecia que estava retirando a mesa após a refeição. E não é que o cérebro percebeu a diferença entre beber x limpar e ativou a área certa? Então, fica bem claro que os neurônios-espelho estão bem treinados para antever e identificar comportamentos. Ponto para a teoria do gerador de hipóteses.

Talvez todas as teorias estejam corretas. Mas, o que impressiona é como não estamos isolados, fechados, independentes. Todas as mentes humanas podem ter uma conexão inata e involuntária. Estamos todos ligados pelo espelhamento, independente de nossas vontades. Não apenas “lemos” a mente do outro de forma automática, como ainda nos determinamos conforme essa leitura, deixando que ela influencie nosso comportamento.

Até que ponto a cultura de cada povo não é mantida graças ao espelhamento dos filhos com os pais? Até que ponto pessoas que se dizem médiuns não são apenas pessoas com um espelhamento mais desenvolvido, que conseguem ler em um patamar muito acima do normal o interlocutor? Até que ponto um filho ter aptidões similares às do pai (jogar bem futebol, por exemplo) não é fruto do espelhamento (após ver muitas vezes o pais fazendo e tendo essa área do cérebro estimulada, como se ele estivesse fazendo) ou até que ponto é genética? Desculpem, o texto de hoje tem mais perguntas que respostas.

Nessa sociedade filha da puta em que vivemos, ainda periga que transformem um lindo mecanismo evolutivo em uma arma contra nós mesmos. Pensem no que um publicitário poderia fazer com total compreensão e domínio do mecanismo de espelhamento, por exemplo. Não seriam necessários limites éticos, impostos em lei, para nos proteger de uma manipulação de uma área do cérebro automática, que não podemos desligar e que pode ser acessada por qualquer pessoa?

Tudo que se tem certeza hoje é: nosso cérebro tem cerca de 100 bilhões de neurônios, dos quais 5% são neurônios-espelho. Mais nada.

Para dizer que o fim do Power Couple me fez muito bem, para dizer que seus neurônios deveriam aprender é a espelhar a riqueza alheia ou ainda para dizer que isso é tudo invenção da Rede Globo: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Curiosidade: os neurônios-espelho são um dos motivos pelos quais muita gente não consegue vez sangue ou machucados, é a empatia ativando, pois poderia ser com você.

  • “Até que ponto a cultura de cada povo não é mantida graças ao espelhamento dos filhos com os pais? ” Sempre pensei nesta questão do espelhamento em relação aos sotaques, já que uma simples diferença territorial não seria suficiente para influenciar uma pessoa a puxar R, X ou S; tanto que a tendencia de quem vive por muito tempo em locais com sotaques, é acabar se habituando a falar da mesma forma. Adorei o texto, adoro essa coluna! Obrigada, Sally!

    • Tem tanta coisa para se discutir sobre Neurônios-Espelho que precisaríamos de vários textos. É um assunto muito interessante e pouco divulgado. Não tem que agradecer não, tamos aqui pra isso mesmo!!!

  • Será que quando temos uma idéia que achamos ÚNICA e quando vamos pesquisar sobre, várias pessoas já pensaram, teria a ver com esse espelhamento? De forma mais profunda, como ondas de pensamento que compartilhamos sem saber? (Viagem)

    Acho que já posso dizer que o desfavor explica é a coluna que mais amo aqui :)

    • Bel, a neurociência está estudando esse componente, digamos, “telepático” dos Neurônios-Espelho. Alguns cientistas acham que assim como existe um “inconsciente coletivo” possa existir um espelhamento coletivo também, que nos une e nos permite adivinhar o pensamento dos outros sem que sequer percebamos que temos essa capacidade. Mas as pesquisas ainda estão em andamento, não tem nenhum resultado publicado.

      • Sim. chama-se ressonância mórfica ou campos mórficos.
        Um assunto interessante. Vale a pesquisa.
        Procurem sobre a “teoria do centésimo macaco”.

  • Sempre aprendendo mais no Desfavor.

    Agora já sei como designar estas reações tao comuns que a gente nem pára pra refletir, até que uma mente indagadora decide partilhar conosco de suas dedicadas pesquisas.

    Explicar um sistema tão complexo, como o nosso cérebro, de forma que qualquer pessoa possa entender, evidencia uma empatia e habilidade artística louvável!

    • Obrigada, Ivo. Para explicar qualquer coisa nessa vida, o passo a passo é simples: ler fontes confiáveis, compreender o que elas dizem, e depois repetir o que elas disseram usando as suas palavras, não as dela.

  • “…Pensem no que um publicitário poderia fazer com total compreensão e domínio do mecanismo de espelhamento, por exemplo. Não seriam necessários limites éticos, impostos em lei, para nos proteger de uma manipulação de uma área do cérebro automática, que não podemos desligar e que pode ser acessada por qualquer pessoa?”

    Na verdade, existem estudos extensos a respeito de subliminares com vários exemplos multimídia.
    Seria bem interessante abordar esse assunto em profundidade em uma postagem futura.
    Acredito que o Somir até possa contribuir nesse interessante assunto. (Pelo menos, pra mim.)

    • SUBLIMINARES FUNCIONAM!

      Por incrível que pareça, estou usando um há aproximadamente 90 dias, e sim, tenho notado algumas mudanças! São áudios de reprogramação mental (tipo de auto-hipnose) tem de todos os tipos.

      Pesquisem no youtube por “subliminals”, “brainwave”, e “isochronic tones”.

      No universo, nem tudo é o que parece.
      Provem por si mesmos

  • Me pergunto como esses neurônios funcionam em psicopatas ou mesmo narcisistas.
    Será que existem pessoas capazes de “desligá-los” quando querem? Se existirem, provavelmente não revelariam.

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