Perseguição real.

+Atualmente, existem no mundo 72 países que criminalizam as relações homoafetivas e em oito deles ser gay ou lésbica pode custar a vida. (…) Ao todo, a relação entre pessoas adultas do mesmo sexo é legalizada – seja porque foram despenalizadas ou porque nunca foram um crime – em 124 Estados (122 membros da ONU, mais Taiwan e Kosovo), mas é considerada delito em 72.

Nossas definições de perseguição precisam ser atualizadas. Desfavor da semana.

SALLY

Nada como um passeio pelo mundo para colocar as coisas em perspectiva: 72 países tratam relações homossexuais como crime e em alguns destes países a pena pode chegar a custar a própria vida da pessoa. ISSO é perseguição. ISSO é motivo para alarde. ISSO é um verdadeiro absurdo.

Recentemente vi gente convocando protesto por lojas não fazerem sapatos com salto até o número 46, alegando que era preconceito com gays que também tem que ter o direito a seu salto alto. As pessoas estão perdendo a linha sobre o que se revoltar e protestar. As lacrianes de rede social querem capitalizar a seu favor qualquer ato mínimo que desagrade ou destoe do que elas consideram ideal e, lutando por essas “causas” em proveito próprio, se esquecem das que são realmente importantes e relevantes.

Nunca esqueço o relato de um gay que vivia na clandestinidade em um desses países onde ser homossexual é crime: ele contava que o namorado dormia na cama e ele tinha que dormir no sofá. O motivo? Ele se passava por hóspede na casa do namorado mas, se a polícia desconfiasse que era um relacionamento amoroso, poderia entrar na casa sem consentimento deles e medir com um termômetro a temperatura da cama e do sofá, para descobrir se ele ou seu amigo estava realmente dormindo sozinho na cama. ISSO é perseguição.

72 e dois países tratam gays como criminosos, isto é, um terço dos países que integram a ONU. Já seria um absurdo que qualquer país que integra a ONU se porte desta forma, mais ainda é que um terço deles o faça. Que tal, em vez de pressionar os fabricantes de sapato para fazer botinha brilhante 46, a gente focar nessa questão, digamos, um pouco mais relevante para a humanidade?

Como se preocupar com detalhes como tamanho do sapato, quando existem coisas tão grotescas acontecendo? Imagine você que ser brasileiro fosse crime em 72 países, punível até com pena de morte e prisão perpétua e que você lutasse declaradamente pela causa brasileira. Quão piada ambulante você seria se em vez de focar nestes dados bizarros, escrotos, assustadores, estivesse preocupado com tamanho de vestimenta ou outros detalhes fúteis? Bela bostona de ativista da causa que você seria né?

Mas no Brasil não. No Brasil o que importa é o lacre. Se está lacrando nas redes sociais, então você é um sucesso. O conteúdo? Foda-se. As prioridades? Foda-se. O rolo compressor do lacre tem que passar esmagando e calando quem não abaixa a cabeça para as suas prioridades, em uma espécie de bullying egoístico, onde se chantageia o discordante com a reprovação social, obrigando-o a enfiar o galho dentro e, no mínimo, não discordar de você nem apontar suas incoerências, se não, será taxado de homofóbico. Assim, centenas de imbecilóides travam batalhas em causa própria revestidas de questão social.

Questões muito sérias e urgentes estão deixando de ser discutidas para dar lugar à lacração. Isso prejudica o grupo que, supostamente, os lacradores compulsivos dizem estar tentando defender. Acaba que os supostos defensores que mais fazem barulho estão se tornando, na verdade, algozes destes grupos, pois além de desmoralizá-los e expor o movimento ao ridículo, ainda falam em nome de um grupo para obter benefícios que lhes interessa, ignorando as necessidades mais importantes do grupo.

Já repararam que, cada vez mais, admiram a “persona” e não a obra? Anitta virou lacradora feminista? Todo mundo gosta de Anitta então. Não avaliam a música, não avaliam a dança, não avaliam o trabalho. Em vez disto, gostam e prestigiam quem lhes confere um status, uma imagem social que gostam de ter. Não gostam de Anitta, gostam de gostar de Anitta para assim, ter pertinência em um grupo, em uma condição social da qual se orgulham. Escolher quem admirar em função do quanto isso vai contribuir para sua imagem é uma distorção grotesca.

Esses são os movimentos, os ativistas modernos: assim como adicionávamos comunidades que representavam uma imagem que gostaríamos de passar no Orkut, hoje pessoas adicionam ídolos, artistas, não pelas suas obras, músicas, piadas ou filmes, e sim pela imagem que prestigiar aquele artista representa.

Não se pensa mais no conteúdo: se aquele artista, aquela causa ou aquele modismos representam algo cool, fazem os envolvidos sentir que estão lacrando (para alimentar sua autoestima severamente danificada), está ok. Da mesma forma, não se pensa mais no conteúdo do que vira pauta para reivindicação, se luta por aquilo que parece cool. Brasileiro é assim, nunca comeu melado, quando come… Pode reclamar? Liberou reclamar? Bora falar tu-do! Bora gritar tu-do que ME incomoda e revestir isso de gesto nobre e preocupação social, assim ninguém pode acusar o golpe do egoísmo nem me recriminar.

Continuem protestando por marca de maquiagem não lançar base que esconda barba, tá SERTINHO. Enquanto isso tem gay morrendo apedrejado, decapitado, não apenas nas mãos do Estado Islâmico, mas também na mão de 72 Estados. É o Poder Público te dizendo o que você pode fazer com o seu cu e você, ativista da causa, focado em sapato e maquiagem. Faça-me o favor… quando tudo é prioridade, nada é prioridade.

Não sei como não tem vergonha de fazer Parada Gay, com trio elétrico, com cara de micareta cor de rosa, quando homossexuais estão sendo verdadeiramente perseguidos e mortos pelo mundo. Eu entraria em desespero se argentinos fossem perseguidos e mortos em outros países e me engajaria em uma luta ferrenha para conscientizar o mundo e pressionar esses Estados a parar com isso: criminalizar algo que você não escolhe ser. Jamais iria para um oba-oba de sunga e bota, dançar e fazer selfie. O mundo está realmente muito cagado.

Lamento muito que esses idiotas que se acham ativistas estejam desmoralizando assim os mais diversos movimentos. É hora de criar coragem e começar a apontar o golpe, a estabelecer prioridades e começar a reprovação social dos lacradores de internet, quem sabe assim percebem o absurdo e a desproporção de seus atos. Esses lacradores são os maiores inimigos dos movimento sérios e dos ativistas comprometidos neste momento, só falta que eles percebam isso.

Para dizer muito equivocadamente que meu texto é homofóbico, para se surpreender com o tema ou ainda para dizer que sofreu preconceito por ser hetero em Campinas: sally@desfavor.com

SOMIR

Desde que eu escutei a expressão “problemas de primeiro mundo”, carreguei para a vida. Porque essa ideia é muito poderosa, inclusive para tomar suas decisões do dia a dia. Um problema de primeiro mundo é aquele que só acontece quando você já tem resolvidas questões bem mais básicas. Quase sempre relacionados a perder privilégios, e não direitos. Por exemplo: quando você reclama que sua internet está lenta… sua comunicação com o outro lado do mundo está demorando meio segundo a mais do que você queria. Não deixa de ser chato, mas na média das coisas, que bom que você tem a chance de ter esse incômodo. Precisou muita coisa boa acontecer antes.

Mas é difícil entender o conceito se você sempre esteve inserido num contexto privilegiado o suficiente para ter esse tipo de problema. Armadilhas da falta de perspectiva. Eu sei que é fácil prever para onde eu estou indo nesta argumentação e já levantar o escudo de uma comparação injusta, ou mesmo presumir que eu vou fazer pouco das dificuldades que homossexuais passam em sociedades levemente mais evoluídas que as 72 mencionadas no relatório, mas seu escudo estaria te defendendo de outras pessoas, não do ponto que estamos levantando aqui.

Inclusive, é justamente por isso que ultimamente anda passando tanta pancada pelas defesas dos ativistas da causa: esquecer de quem tem que se proteger. Mesmo uma linha de pensamento como aqui do desfavor, onde criticamos a histeria politicamente correta e a corrupção das ideias de igualdade tão necessárias para nossa evolução, mesmo aqui… um ativista – por mais que se encaixasse nas piores características que tanto criticamos – teria o privilégio de ter uma discussão intelectual com pessoas que também querem justiça social, mas utilizando outros caminhos.

E enquanto esse tipo de ativista estiver com seu sistema programado para se defender de gente maluca que quer prender e matar homossexuais, vai sempre soar alheio à realidade quando estiver lidando com aqueles que discordam dele, mas não querem sua destruição. Nos países onde a perseguição é institucionalizada, jamais teriam o privilégio (desculpa, mas eu vou tomar o termo momentamente) de fazer uma defesa tão agressiva de seus pontos de vista. Onde a perseguição ao homossexual é institucionalizada, ninguém pode se dar ao luxo de queimar pontes dessa forma. Até porque sem a capacidade de agregar simpatizantes à causa conquistada a duras penas com muita coragem e paciência por aqueles que sofreram com o preconceito em décadas anteriores, ativistas de redes sociais não teriam a menor chance de agir como agem: desagregando histericamente.

Isso vem de um homem branco heterossexual: eu sei que emputece ser chamado de privilegiado quando sua vida não passa nem perto de ser um mar de rosas, eu sei mesmo. Mas com uma dose saudável de contexto, dá pra lidar com essa ideia sem se sentir sacaneado. Privilégios existem, por si só eles não fazem a mágica que o discurso politicamente correto gostam de alardear por aí, mas existem sim. E cada um que temos é um que precisamos saber lidar. Eu poderia usar o privilégio de ter tido acesso à informação e educação para concatenar discursos inflamatórios contra o movimento de justiça social moderno e ganhar muitos seguidores e simpatizantes, como vários já fazem. Mas estou aqui, escolhendo minhas palavras com cuidado porque realmente acredito que existem positivos nessa mudança de paradigma social que estamos vivenciando. Não quero alienar pessoas que acreditam em justiça e liberdade como pilares de uma sociedade melhor.

E muito por isso, escolhi não apontar meus canhões só para os malucos que pregam o extermínio dos brancos, dos homens e até mesmo de palavras. Toda causa tem esse tipo de defensor perigoso e divorciado da realidade. Eu tento conversar com quem é capaz de ler um texto desses, concordar ou discordar de acordo com as ideias expresas nele. Porque, no fundo, são só essas pessoas que estão ao meu alcance. Só estou pregando o que pratico: agressividade contra o agressivo e razão contra o racional.

O que parece ter virado ao contrário na mentalidade (aparentemente) vigente dos ativistas de justiça social: são agressivos e punitivos contra aqueles que estão dispostos a conversar e a travar um debate, e acabam sendo compreensivos com aqueles que agem de forma agressiva contra seus ideais. Estão mais irritados com críticas ao islã vindas de cristãos do que com muçulmanos matando gays em shows públicos, por exempl. Conveniente ser agressivo contra quem não vai te devolver a agressão e ser tolerante contra quem está com uma faca sempre na mão.

Agradeçam muito pela liberdade de serem babacas na rede social e pela capacidade de atacar e destruir vidas e carreiras de pessoas que falam coisas que vocês não gostam, porque globalmente, isso é um mega privilégio. E pensem também se esse é o melhor jeito de usar esse poder. Como já dizia o homem branco heterossexual tio Ben: “com grandes poderes vem grandes responsabilidades”. Uma vergonha usar o pequeno poder que se recebe por décadas de avanços sociais numa população para fazer uma vingança mesquinha contra opressores do passado. Ainda mais sabendo que quem precisa MESMO dessa enegia toda está escondido em casa, temendo pela liberdade ou pela vida por causa do atraso do local onde nasceram.

Tem muita coisa pra melhorar mesmo nessa realidade privilegiada? Com certeza. Mas o termo ativista está banalizado enquanto dados como a da notícia do texto de hoje continuarem existindo.

Para dizer que a notícia é racista por apontar países africanos, intolerante por apontar os muçulmanos, ou mesmo para dizer que racionalidade não traz senso de importância: somir@desfavor.com

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Comments (7)

  • Lacradores mais atrapalham a causa do que ajudam e quem chilica não consome – essa é a regra.
    Essa atitude, que além de prejudicial às causas (a avó de 80 anos não vai se tornar uma progressista por lacrador forçá-la a assistir ao finado Sense8), prejudica quem realmente trabalha por elas e atropela as próprias pessoas que diz defender.
    Enquanto tem gente morrendo, os lacradores ficam reclamando por coisas absurdas e exigindo outras idem. Pior: Nas paradas lgbt ainda tem os que dizem combater a islamofobia. Nada contra, mas vamos olhar o contexto – eles batem de frente até com muçulmaos que querem reformar a própria fé, adaptanda-a aos dias atuais e perdendo a violência. Mas, como dizem os lacradores, isso é contra a sharia, e, portanto, os reformistas são preconceituosos. WTF? Gente, neguinho que te matar e você tá preocupado com eles? SÉRIO ISSO? Realmente, não existe muçulmano abertamente lgbt, só esqueceram de pesquisar as causas. Sabem mais do assunto do que a galera de dentro que sofre com isso. São contra a islamofobia, mas ai de quem falar “parada gay”, porque o termo tá errado e blá. Isso mesmo, vamos afastar os aliados e correr atrás de quem nos odeia. Tá certinho. E se os próprios muçulmanos querem reformar a fé, ÓTIMO. Como disse um Imam reformista: Se os não-muçulmanos que são contra debates sobre o assunto acham que tá perfeito assim, porque não abraçam a fé islâmica?
    Fora as bobagens de “não posso usar saia e batom na academia militar, estão me oprimindo, Brasil, pior lugar do mundo para ser lgbt”. É fácil? Não, estamos longe de ser um país ideal em relação à preconceitos. Também acho que as pessoas deveriam usar o que querem e ninguém deveria regular o que cada um faz na vida pessoal, mas vamos olhar fora do umbigo? A galera tá morrendo e não é pouco (e não só nas mãos do estado islâmico, não só em outros países, mas aqui também), vamos rever as prioridades.
    Desculpa, acabei misturando os assuntos, mas isso tem me deixado puta (pessoal reclamando de islamofobia nas manchetes da parada gay na Turquia me enlouquece), e um acaba complementando outro. (Ou não, talvez não tenha me expressado bem).

  • pior coisa que você pode fazer é encostar sua carreira na lacração

    *lacradores não consomem (ghostbusters 2016? oi?) e se consomem, pirateiam (sense8? oi?)
    *qualquer escorregada não-lacradora, uma frase ou atitude fora de contexto, e tudo vai por água abaixo, e lacrador é demoníaco quando vigia pessoas hein!

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