Sorteiocracia.

Sempre bom lembrar: Dés Potas é a coluna que apresenta soluções instantâneas para todos os problemas da sociedade. O que eventualmente pode causar discordância entre os impopulares. Mas eu garanto, caso você discorde dessa solução, tem todo o direito de mudar de ideia até concordar. E hoje eu encontrei a resposta para o Brasil, a Sorteiocracia!

Eu sei, eu sei, o nome é terrível, mas para o público se adaptar mais rápido, é bom estar no nome. A Sorteiocracia é um método de governo onde tudo o que pode ser deixado ao sabor da sorte, será. E com uma faixa bem generosa de permissividade sobre o que é essencial ou não. Afinal, não parece sorte se não tiver a chance de azar. Vamos começar com o elemento mais básico de um sistema de governo: a escolha dos governantes.

Ao invés de gastarmos uma nota com votações e abrir espaço para os abusos de poder econômico que são as campanhas eleitorais, vamos simplesmente sortear nossos líderes. Pronto. Basta ter uma idade mínina, educação mínina e não ter nenhum problema mental sério para participar. E a coisa mais bonita de tudo é que cidadão precisa se inscrever para participar. E não custa nada. Qualquer Zé Ruela que preencha os já leves requisitos mínimos vigentes na legislação atual pode concorrer.

E cada ciclo eleitoral é feito de inscrições e sorteios. Para os cargos executivos, sorteia-se vice e titular, pelo período do cargo. Para os legislativos, idem, mas com muito mais agraciados. Cargos regionais como governadores, prefeitos e vereadores? Sorteios regionais. Chega de fingir que é necessário algum preparo para exercer essas funções, fazemos todo esse auê para eleger completos inúteis que poderiam ser escolhidos na sorte com os mesmos resultados? Sorteiocracia.

E nesse sistema de governo, admitimos nossa incapacidade de planejamento no longo prazo, reduzindo consideravelmente o tamanho dos mandatos. Pra quê quatro anos? Um aninho está bom demais, ganhou no sorteio mesmo. Um ano com um salário bacana e cheio de benefícios. Um ano para tentar fazer algo que preste ou ser esquecido para sempre. Um ano para não ter chance de aprender como o sistema funciona e ser extremamente incompetente em tirar proveito dele.

E como é sorteio, a chance de reeleição vira uma chance infinitesimal, vamos ter um sistema que se pouco eficiente, pelo menos vai ser menos explorável pelos corruptos de carreira. Não existe carreira de ganhar num sorteio, e mesmo que em alguns lugares algumas pessoas começarem a ganhar muitas vezes, fica bem claro que o sistema foi burlado, e bem mais fácil de resolver o problema. Uma coisa é ter caixa 2 para ganhar mais votos numa eleição, outra é subornar pessoas para mexer com um sorteio, o segundo, por incrível que pareça, deixa rastros maiores.

Sim, partimos do princípio que basicamente qualquer pessoa pode exercer as funções públicas, e não é preconceito, é pós-conceito. Num sistema com indicações políticas, já sabemos que fora os funcionários de carreira, ninguém sabe porra nenhuma sobre o seu trabalho. Todos os cargos públicos eletivos entrariam no sorteio, justamente aqueles assumidos por imbecis genéricos que pouco ou nada sabem do serviço. E vamos pensar em probabilidades aqui: num país com uma maioria pobre ou muito pobre, logo as pessoas vão começar a apostar nos cargos públicos. Pode não tirar a sorte grande de uma presidência, mas de repente pode rolar um vereador. Um ano de salário de vereador está bacana para a imensa maioria das pessoas, e como não tem nada que a pessoa possa fazer para se manter no cargo no próximo ciclo, duas coisas boas podem acontecer…

A primeira é que a pessoa vai se sentir intimidada pelo cargo – lembrando que a maioria das pessoas, por mais BMs e arrogantes que sejam, vão cair num buraco sem fundo se tentarem entender seus trabalhos bem o suficiente para explorá-los – tornando-se muito mais propensa a obedecer os funcionários de carreira próximos e não se comprometer. Porque todos os outros mecanismos de expulsar alguém do cargo continuam valendo. Outra possibilidade interessante é que o cidadão vagabundo tende a ligar o automático e só comparecer para tomar café e gastar verba de gabinete, não ajudando muito a população, mas não atrapalhando também.

Claro, vai se criar uma enorme indústria de influência desses eleitos pela sorte, mas vamos pensar de novo nas estatísticas: ou vai custar muito barato para subornar os políticos (a maioria pobre demais pra dizer não), fazendo com que todos estejam subornados em dado momento, mantendo a disputa de interesses viva mesmo sob subornos constantes. E a tendência é que essa indústria seja explorada constantemente, subindo os preços com uma série de “eleitos” sabendo que aquele ano é basicamente a única chance que vai ter de juntar algum dinheiro. Eventualmente vai ser muito melhor subornar os funcionários de carreira pela influência e pela longevidade de seus serviços, e esses tem mais a perder.

Admito que esse sistema aceita a falência do processo democrático e tenta colocar algo aleatório no lugar, mas vamos pensar em probabilidades, mais uma vez: atualmente renovamos nossos políticos de quatro em quatro anos, com inúmeras reeleições e um grupo minúsculo de candidatos com chances realistas de vitórias (custa muito caro ter chance de ser eleito). Com um sistema de sorteios, a base de pessoas aumenta exponencialmente, e considerando a média da população, vamos ter basicamente a mesma quantidade de incompetentes e corruptos, mas com chances eventuais de boas pessoas caírem nos cargos. A Sorteiocracia é o inverso da Meritocracia, sistema que só vale a pena quando a população de um local tem méritos em proporção suficiente. Não é o nosso caso.

E com um bônus: todos os líderes podem usar o recurso da sorte para tomar decisões, desde que duas ou mais opções sejam preparadas pelos profissionais de carreira responsáveis por seus departamentos. Nunca mais um líder vai ter medo de tomar decisões impopulares, primeiro porque não depende do povo para se manter no poder (e não vai se reeleger), e depois porque seja o que for decidido, foi na base da sorte. Cidadão pode lavar as mãos para todos os grupos reclamando disso. E não vamos ignorar que um povo como o brasileiro vai transformar tudo num grande show: com os sorteios sendo mostrados ao vivo e chiliques em redes sociais. E se a decisão for uma porcaria, lidamos com ela por um ano, porque logo vem outro paraquedista com a chance de jogar a moeda pra cima.

Estabilidade é coisa de sistema que está pronto para estabilidade. Vamos abraçar a ideia de que nada faz sentido mesmo, e dar sentido para isso.

Para dizer que nem perceberia a diferença, para dizer que achou um problema na lógica (impossível), ou mesmo para dizer que depender da sorte é tudo o que fazemos: somir@desfavor.com

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Comments (11)

  • Jacob Burckhardt

    Por incrível que pareça, essa ideia de sorteio de governantes é exatamente a BASE DA DEMOCRACIA, a verdadeira democracia que era praticada em Atenas na Antiguidade Clássica. Nosso sistema atual é o GOVERNO REPRESENTATIVO, que de democracia só tem o nome mesmo.

    Pra quem ficou curioso, existe um excelente vídeo em espanhol (com legendas em português) que explica exatamente isso: como é uma democracia e porque não vivemos numa. Chama-se “Why Democracy”. Link https://www.youtube.com/watch?v=k8vVEbCquMw

  • Wellington Alves

    Olha, na verdade a ideia é brilhante! Eu só aumentaria o tempo de mandato para ficar uma coisa séria. Pois o sistema que temos hoje não é diferente de um sorteio, qual a diferença que os candidatos mais afortunados colocam mais fichas para concorrer.
    Funcionando as punições por crimes de responsabilidade, é mais do que seguro.
    Não tenho dúvida, e estou falando sério, de que, se esse projeto for apresentado por iniciativa popular, tem tudo pra passar!

    • Mas o tempo de mandato curto é justamente o que evita a especialização da corrupção. E sem contar que, povão fica muito mais animado com o sistema se for todo ano do que se for de 4 em 4, loteria tem todo mês justamente por isso.

  • Da hora a ideia, mas se tratando de BR, ia ter tanta fraude no sorteio, que ia ficar igual a urna eletrônica huehue Trocar 6 por meia dúzia.

    • Urna eletrônica fraudada dá um resultado falso de 1 em 10, no máximo.

      Sorteio fraudado dá resultado falso de 1 em milhões. Ganhar uma vez seria fácil, ganhar duas é que são elas…

  • a sally reclama de não ter muito dinheiro, e o somir eu não sei…
    mas ambos gastam um tempão pensando numa caralhada de coisas inúteis.
    A sally em assuntos diversos, somir em “cientificizises”.
    Deveriam estar gastando seu tempo pensando em como ganhar mais dinheiro…
    E ainda no caso de publicarem coisas sobre o tema, poderiam surgir vários insights de visitantes do site.

    • Se Sally REALMENTE estivéssemos dispostos a fazer tudo por dinheiro, ambos estaríamos ricos.

      Mas não deixa de ser uma boa ideia uma coluna sobre como ficar rico…

  • Qualquer sistema de governo deve ser melhor do que essa ditadura incubada que se instalou nos últimos anos.

    Achei interessante, especialmente a redução no período de gestão.

    Uma inovação.

  • Por que a gente não faz a mesma coisa com as empresas? Digo… nenhum dono de empreiteira vai comprar político nenhum se ele tiver um “mandato” de um ano só?

    Melhor ainda: a gente deixa os funcionários que realmente fazem alguma coisa nas empresas, os operários, pessoal dos diversos setores, sendo “donos” da empresa, certo? Aí eles escolhem um líder por ano para direcionar a empresa, não podendo repetir mandato.

    Todas as grandes decisões da empresa teriam que ser por votação. Aí todos os 100 funcionários teriam de escolher corromper algum agente público ou não.

    Aposto que a corrupção diminuiria assim, hein?

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