Corredor – Parte 4

PARTE 1 | PARTE 2 | PARTE 3

Os tons acinzentados das paredes de concreto tornam-se negros quase que imediatamente quando a mão estendida de Eduardo finalmente toca a escuridão. A sombra demarcando a separação entre o salão e o corredor envolve seu corpo como se fosse líquida, aumentando a força exercida progressivamente.

Logo sente um puxão e não há mais nada para ver ou ouvir. Ele estica os membros em busca de uma superfície sólida, mas parece estar flutuando. Ao contrário de sua expectativa, a sensação é de um calor aconchegante, a escuridão exercendo uma pressão sobre sua pele como se fosse um longo abraço.

VOZ: Viu? Não precisava ter medo.
EDUARDO: Onde eu estou?
VOZ: Dentro. Protegido.
EDUARDO: Eu não consigo mais andar…
VOZ: E agora?

Eduardo sente seus pés entrando em contato com uma superfície úmida e macia. É quando nota também que não está mais com suas roupas ou com qualquer coisa além de seu corpo. Ele dá mais alguns passos antes de se ajoelhar e tocar o chão. É quente e parece estar… vivo. De tempos em tempos sente um pulsar tal qual o de um coração bombeando sangue. Lentamente o som ambiente começa a voltar, com as batidas esperadas pelo movimento. O nariz também começa a captar um cheiro reconhecível, sangue.

EDUARDO: O que é isso?
VOZ: Eu. Isso sou eu, Eduardo. E você é meu convidado.
EDUARDO: Esse cheiro está começando a me enjoar…
VOZ: Isso não é coisa que se diga para seu anfitrião.
EDUARDO: Pra onde eu vou?
VOZ: Eu vou te dar uma escolha, Eduardo. Uma que eu não dei para nenhum dos outros até aqui… você pode não ir a lugar algum. Aqui onde você está, não vai sentir frio, fome, sede ou qualquer outra coisa que te incomode. Você pode se deitar no chão macio e quente e descansar o tempo que quiser.
EDUARDO: Eu não esperava que fosse tão…
VOZ: Acolhedor?
EDUARDO: Eu… eu quero deitar um pouco.
VOZ: Fique à vontade e me chame assim que mudar de ideia.

Eduardo deita-se onde está. As batidas rítmicas no chão logo o deixam sonolento. Aninha-se em posição fetal numa depressão do solo que parece feita para acomodar seu corpo. Não consegue se lembrar de quando se sentiu tão confortável na vida, logo caindo num sono profundo.

Sabe-se lá quanto tempo depois, acorda. As batidas continuam ali, o cheiro de sangue não causa mais incômodo. Preguiçosamente, começa a se levantar. Mas algo o impede: o lado do corpo que tocava o chão orgânico parece colado. Um pouco mais de força e sente dor, com o braço ainda livre, tenta sentir o que acontecera com as partes coladas… é como se sua pele tivesse se fundido com o chão.

EDUARDO: O que é isso?
VOZ: É o seu corpo reconhecendo sua verdadeira casa.
EDUARDO: Dói!
VOZ: Só quando você tenta sair.
EDUARDO: Você vai me prender aqui?
VOZ: Você ainda é livre para fazer o que bem entender. Você quer sair?
EDUARDO: Eu quero levantar daqui!
VOZ: Então levante-se.
EDUARDO: Não dá, minha pele está… presa…
VOZ: Então levante-se com vontade. Mas eu tenho que te avisar, não vai ser agradável.

Eduardo começa a fazer mais e mais força. A dor da pele começando a rasgar nos pontos de contato é muito grande.

EDUARDO: Arrrgh! Me solta!
VOZ: Você não está lutando contra mim, está lutando contra você. A dor é o seu preço, pague-o ou continue onde está.

Ele para onde está. A dor é muito grande a cada tentativa de se separar, mas a cada pausa para respirar um pouco, toda aquela sensação acolhedora volta imediatamente.

VOZ: Me diga, por que você quer sair?
EDUARDO: Eu não posso ficar aqui pra sempre!
VOZ: Isso ainda não foi uma resposta.
EDUARDO: Eu tenho que voltar pra… pra minha mulher.
VOZ: Aquela que você não aguenta mais ver? Aquela que te deu uma filha doente?
EDUARDO: Cala a boca… cala a boca!
VOZ: Eu ouvi de uma fonte confiável que depois que a base onde você estava foi destruída, todas as famílias vão receber uma gorda indenização. Ela não precisa mais de você. Você pode ficar aqui agora. Todos acham que você morreu, não tem mais nada te forçando a voltar, Eduardo.
EDUARDO: Onde estão os outros?
VOZ: Perto.
EDUARDO: O 822 e o cara da manutenção? Os soldados?
VOZ: Como eu disse, perto.
EDUARDO: Você fez isso com eles?
VOZ: Já sei, vou te dar mais um motivo para ficar.

Algo começa a se levantar do chão macio ao lado de Eduardo. É como se fosse uma bolha recheada de líquido, ficando cada vez maior. Ela cresce abaixo do seu braço livre, erguendo-o no processo.

EDUARDO: O que é isso?
VOZ: Estoure-a.

Eduardo toca a superfície da bolha, é como se fosse um balão de água protegido por uma camada fina de pele aquecida. Ele tenta pressionar a parte que alcança, mas a resistência é grande. Com a ponta dos dedos, aumenta a pressão, usando as unhas para fazer um buraco. Eventualmente a bolha cede com um rasgar audível seguido por uma explosão de líquidos que logo escorrem por todos os lados. O cheiro é terrível no começo, mas rapidamente torna-se tolerável. No escuro, Eduardo começa a tatear o que surge de dentro dela.

É uma pessoa. Um corpo de criança, nua como ele, mas muito mais fundida com o chão do que seu próprio corpo. Instintivamente busca pelo rosto, tentando reconhecer as feições pelo tato. Sente uma respiração começar timidamente pela ponta do nariz.

EDUARDO: O que é isso?
VOZ: Vai tudo ficar bem.

O corpo ao seu lado é quente e encaixado perfeitamente sob o braço livre, com a cabeça aninhada próxima de seu peito. A criança fundida ao solo logo tosse algumas vezes, e emite um gemido parecido com o de quem acaba de acordar.

CRIANÇA: Papai, porque tá escuro?

Continua…

Para dizer que essa história está começando a ficar previsível, para dizer que não aguenta mais essas continuações, ou mesmo para dizer que agora está sentindo que não vai querer mais ler o resto: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (2)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: