Histórias venenosas.

Que histórias infantis clássicas estão cheias de mensagens tortas, Sally e Somir concordam. Mas na hora de escolher a que causa mais danos, a história muda consideravelmente. Os impopulares contam suas opiniões.

Tema de hoje: qual a história infantil mais nociva para a mente de uma criança?

SOMIR

A Bela e a Fera. E por mais que eu também ache que a escolha da Sally tenha seus (de)méritos, escolhi essa porque parte de uma base errada e se instala no inconsciente coletivo como exemplo da ideia em geral. Explico: poucas histórias podem ser resumidas em uma frase tão bem quanto a Bela e a Fera, e esse resumo seria “seu amor muda outras pessoas”. Cinderela, Bela Adormecida, Branca de Neve e tantas outras dependem mais dos acontecimentos da história em si para se instalarem na mente das pessoas.

Tudo bem que dá para resumir as outras histórias de princesas com “seja gostosa e um homem rico vem te salvar”, mas o resto da narrativa também é importante. A Disney teve que encher a Bela e a Fera de porcarias secundárias para ter mais do que o centro podre da história, já as outras tem elementos fantásticos suficientes na sua forma original para serem mais do que a ideia bizarra enfiada na cabeça das meninas. Talvez você lembre até mais dos anões e da maçã na história da Branca de Neve do que propriamente do príncipe vindo no final, e isso, nessa média, até que é um bom sinal. Temos mais o que trabalhar além do básico “aventura de mulher é arranjar marido” que norteia quase todas essas histórias.

A Bela e a Fera consegue ser tão breve no seu conceito principal que se instala no inconsciente coletivo e aplica a ideia base mesmo que você nunca tenha lido os contos ou assistido os desenhos. Só de contar o resumo de uma linha, o mal já está feito, e quando seu cérebro quiser uma referência sobre pessoas mudando radicalmente por amor, ela sempre vai estar lá. Não tem elementos secundários poderosos como não confiar em estranhos e o poder da amizade como em tantas outras, é focada em uma mulher mudando um homem problemático e sendo feliz para sempre depois. Existe poder em concentrar todas suas fichas num mesmo elemento narrativo.

E vamos apontar o elefante feio na sala: pelo menos a ideia de que se você for uma mulher bonita algum homem vai querer financiar sua vida tem raízes na verdade. Não é sobre chancelar o conceito, é entender que na vida real isso acontece mesmo. Se a mulher for bonita e quiser “se vender” dessa forma, não vão faltar compradores. O príncipe nem precisa ser muito rico, basta ter um carro bacana se a mulher quiser seguir essa linha (medíocre) na vida. Não é um bom exemplo de aspiração feminina (na minha opinião), mas é um exemplo realista. Só argumento que falta mais ênfase ainda em como a aparência conta nesses casos, dá linha cruzada querer misturar esse conceito com “seja você mesma”, o que provavelmente explica tanta mulher perdida nesse mundo. Não tem príncipe encantado desse tipo pra baranga.

De qualquer forma, voltemos ao cerne da história que eu escolhi: uma fera abominável vive isolada num castelo, e com o esforço e a compreensão de uma mulher, a fera torna-se príncipe. Sim, acontece num passo de mágica, mas o trabalho da mulher nessa história é muito mais palpável. A mágica surge como um atalho narrativo para um final feliz (e para evitar zoofilia), mas não como a única coisa que aconteceu para gerar esse resultado positivo para a moça. Nesse aspecto, é muito mais realista do que as viradas narrativas das outras. Existe um processo que pode ser internalizado, e o processo gera a ilusão que feras tornam-se em príncipes quando existe amor.

E contar isso para uma criança beira ao criminoso. Porque demora muito tempo na vida até ter essa noção confrontada, provavelmente tarde demais para ser efetivamente resolvido. A ilusão que homens mudam por amor fica presa no sistema de crenças das mulheres até elas tentarem isso na prática. O que costuma dar muito errado por dois motivos: primeiro que pessoas são muito resistentes a mudanças em geral, e segundo que é muito mais difícil sentir e demonstrar o tipo de amor necessário para essa tarefa. Na vida real, a fera e a mocinha não tem nem mesmo o potencial para repetir a história. Falta mágica e falta até mesmo amor.

Essa coisa de forçar a barra para uma pessoa se conformar ao que você espera dela é muito furada, e mesmo nos casos onde pode-se presumir que algo assim tenha acontecido, com certeza existiram muito mais frustrações e concessões do que mágica tornando aquela pessoa em outra muito melhor. É um processo lento, propenso a falhas e extremamente dependente da vontade da Fera, muito mais do que da dedicação da Bela. No vácuo, ninguém muda. É uma mistura de querer com ajuda externa para gerar esse resultado, e francamente, na maior parte dos casos, a Fera no máximo se depila. E, de boa, na vida real às vezes esse tipo de coisa já está de ótimo tamanho.

Como a história é tão dependente do seu ponto central de mudança, torna-se suficientemente mais realista para enfraquecer os pontos fantásticos, mas fantasioso o suficiente para gerar aspiração nas pessoas que entram em contato com ela. E ainda por cima sustenta uma boa parte das ideias tortas de outros contos: o fato da mulher ser bonita está estampado no título e o homem é rico do mesmo jeito que as outras. Esse centro forçado de mudanças em pessoas entra para tornar todo o conceito ainda mais nocivo na média que todas as outras. Até porque como disse no parágrafo anterior, ainda impõe uma ideia de transformação total, não de uma adaptação progressiva ou parcial, o que é muito mais alcançável na realidade.

E só para completar, pode ser só uma teoria minha, mas eu acho que os furries são consequência direta dessa história. O que faria a Bela e a Fera ganhar fácil essa discussão só por esse ponto.

Para dizer que não entende como ficamos progressistas do nada, para dizer que deveriam lançar “A Baranga e o Bêbado”, ou mesmo para dizer que sua infância foi estragada: somir@desfavor.com

SALLY

Qual é a história infantil com a premissa mais nociva para a cabecinha das crianças? Sem sombra de dúvidas, a porra da Cinderela.

A história já começa cagada incutindo medo nas crianças: Cinderela é filha de um rico comerciante, mas ele morre e ela fica nas mãos de uma madrasta muito da filha da puta que a maltrata de várias formas. Não acho bacana plantar essa sementinha na cabeça de uma criança: “se seus pais morrerem, você pode estar bem fodida e sujeita a todo tipo de maus tratos, pense nisso”. Desnecessário.

A madrasta impõe a Cinderela um verdadeiro trabalho escravo, na concepção das leis trabalhistas. Isso é contato como algo possível, que fica impune, Cinderela não tem o que fazer para se livrar disso. Tremendo desfavor, hein? Crianças tem que saber que trabalho escravo não é permitido de forma alguma e que existem pessoas a quem recorrer e denunciar para se livrar dessa situação. Mas não, Cinderela continua ali, sendo escrotizada, como se isso fosse um destino inevitável.

Aí calha do Rei realizar um baile para que seu filho, o Príncipe, escolha uma esposa. Minha Nossa Senhora da Bicicletinha, isso é errado em tantos aspectos! Casamento não é por amor. A escolha do cônjuge parte exclusivamente do homem. Mulheres desfilando como gado para serem escolhidas pelo Príncipe Pica de Ouro. Sinceramente, eu acho feminismo um saco e jamais ousaria pensar em censurar essa história, mas vocês hão de convir que é o cenário que ela pinta é deveras escroto.

A Madrasta impede Cinderela de ir a este baile alegando que ela não tem um vestido apropriado, ou seja, aparência é o determinante para ter oportunidades na vida. A infeliz da Cinderela pega retalhos que estavam no lixo e costura um vestido com ajuda de animais da floresta (pássaros, esquilos, ratos). Tentando abstrair esse lado LSD da história, vou focar em outro desfavor: o conto deixa bem claro que ela queria ir ao baile pois se garantia com a certeza de que era a mulher mais bela do local. Eita porra! Quer dizer, o que importa para a escolha de uma parceira é basicamente a beleza!

A madrasta ficou putaça quando viu que Cinderela e seus amiguinhos do LSD fizeram um vestido e rasgou tudo, alegando que ela não havia autorizado Cinderela a pegar os retalhos que estavam no lixo. O que Cinderela faz? Se impõe? Denuncia? Luta por seus direitos? Não. Ela senta e chora passivamente. Pior: reza. Cinderela começa a rezar por uma solução mágica, pois é assim que se devem resolver os problemas da vida!

Ao que tudo indica, apenas rezar funciona. Cinderela foi recompensada: aparece uma fada que, magicamente resolve tudo, fazendo surgir um belo vestido, sapatos de cristas e uma carruagem. Você, menina, ao se deparar com adversidades da vida, chore e reze que vai ficar tudo bem, ok?

A fada dá um aviso a Cinderela: ela deve voltar para casa antes de meia noite, caso contrário essa mágica iria se desfazer diante dos olhos de todos e ela estaria ferrada, afinal, ninguém gostaria dela ao natural, como ela realmente é. Parabéns aos envolvidos por mais esta linda lição.

Cinderela vai ao baile fingindo ser o que não é, com roupa, sapato e carruagem de mentira. Graças à produção, encantou o Príncipe. Dançaram a noite toda e ele se interessou por ela, ou seja, o determinante é a roupa, o cabelo, a maquiagem. Sem isso você não tem chances nem de conhecer pessoas bacanas na vida.

Deslumbrada pelo Príncipe, Cinderela esquece da hora e só percebe que é meia noite quando o relógio começa a badalar. Desesperada, ela sai correndo, porque nem fodendo que alguém pode vê-la como ela realmente é, ela só pode ser amada, querida e desejada nessa versão ostentação, com esse falso layout. Na correria, perde um sapato nas escadarias do palácio. O Príncipe, na esperança de encontrá-la, recolhe o sapato e decide procurar pela dona.

Ele vai de casa em casa, para que as moças experimentem o sapato. Quando vai à casa de Cinderela, a Madrasta a tranca no porão e permite apenas que suas filhas experimentem o sapato. O que Cinderela faz? Dá um grito? Luta por seu amor? Não. Ela não faz porra nenhuma, pois afinal, no mundo as coisas se resolvem sozinhas, você pode ficar inerte que o destino se encarrega da sua felicidade por você. Um ajudante do príncipe percebe que tem alguém no porão e o Príncipe exige que a moça também experimente o sapato.

Ela calça o sapato e ele serve perfeitamente. Somente diante desta prova contundente que aquela baranga era a moça bonitinha do dia anterior, o Príncipe decide se casar com Cinderela e são felizes para sempre, sem qualquer esforço, sem qualquer sacrifício, sem qualquer renúncia. O relacionamento simplesmente fluí maravilhosamente bem de forma automática, pois é assim quando duas pessoas se amam, se não for assim não era amor. Sério mesmo, quem foi o arrombado que escreveu isso?

Então, vamos fazer um apanhado da verdadeira compilação de desfavores que é essa história:

– Se alguém te sacanear, humilhar e escravizar, permaneça passiva, apenas rezando, pois tudo vai se resolver sozinho, de uma forma mágica. Sempre aparecerá alguém para te salvar, você não precisa fazer nada nem ser responsável pela sua felicidade.

– Homens escolhem suas esposas e você deve entrar em uma disputa com outras mulheres na esperança de ser a escolhida, pois é um privilégio que um homem queira casar com você.

– Para ser escolhida por um homem, você deve atender a certos padrões de beleza, estética e vaidade, caso contrário não será sequer considerada, independente do seu caráter, personalidade ou beleza interior.

– Se necessário, minta e apele para todo tipo de recurso para conseguir fisgar esse homem, que será seu salvador e única forma possível de promover uma mudança na sua vida de merda.

– Desrespeite a porra da única regra que quem te ajuda impôs, cagando no pau na pontualidade, que no final tudo vai dar certo.

– Quando há amor, o relacionamento flui fácil e há garantia de felicidade eterna.

Francamente, vai tomar no cu Cinderela!

Para dizer que é realidade demais para uma segunda-feira, para dizer que pelo menos metade dessas premissas ainda povoa a cabeça de muitas mulheres hoje em dia ou ainda para dizer que vai parar de contar essa história cagada para sua filha: sally@desfavor.com

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Comments (34)

  • A pequena sereia eu gostei … Vai piranha fazer merda com a vida por causa de homem vai se foder . Muito boa a lição .

    A da bela e a fera é muito comum . Mulher adora pegar lixo pra reciclar .
    A da Cinderela acho q a mensagem q se absorve é de arrumar um macho pra te tirar da merda.

    A bela e a fera é a pior pra mim.
    Usar alguém pra sair da merda não é legal , mas entrar na merda por causa de um bosta é pior ainda.

  • Vim aqui só pra causar a discórdia com meu comentário, mas… rs

    Vocês olham pro conto de uma maneira muito céptica, racional e lógica. Ok, mas… Há que se lembrar também do aspecto fantasioso que se assume como uma das funções da literatura. A fantasia é essencial ao homem, seja em algum momento, e em alguma dose pequena. E no caso, no espaço da fantasia não há lugar para a lógica concreta, para a coerência.

    Ok que por outro lado esses enredos, levados ao pé da letra, realmente fazem iludir as pessoas, principalmente se são introjetados no inconsciente coletivo, como é o caso da história da Cinderela. Realmente concordo e não tiro a razão da Sally em dizer que pensar dessa maneira que o enredo coloca realmente não é legal, e que a realidade é bem mais dura do que a doçura e magia da história.

    Em outra ponta, acrescentaria também que dá pra pensar em termos psicanalíticos… ahh a psicanálise! Pulsão de vida, pulsão de morte – no caso da Bela e a fera – não dá pra viver sem elas, não dá pra negar a força pulsional que nos move, que nos faz agir, em contraste com a força que nos leva a inércia, bem como o nosso id, o nosso lado “fera”, que sempre existe dentro de nós e cuja transformação (admoestação, domesticação) só se dá pela via do amor, pra não dizer também pela via do desejo, pela via do gozo.

    (Aliás, fica a dica de leitura pra quem interessar, o livro “fadas no divã – psicanálise nas histórias infantis” de Diana Corso)

  • Não tem nada a ver com o texto, é só um pedido: tem como vcs colocarem um botão de noturno bo site? Ler com o fundo branco no celular é ruim demais. E, eu gosto muito de ler o que vcs escrevem, sobretudo, o que a Sally escreve (desculpa, Somir), antes de dormir. É quase um ritual.
    Bjs

  • É porque são exatamente as fantasias femininas, e elas são escrotas mesmo.

    fazer o que, “é disso que elas gostam.”

    • Eu acho que tem muito mais a ver as fantasias femininas existirem por conta desses contos/mitos do que o contrário…
      Basta ver a época em que elas foram escritas!

  • Eu ainda acho A Pequena Sereia a pior delas!

    Além de abdicar da voz (bastante simbólico) a sereia abre mão da família inteira dela (sendo que ela é filha do rei do mar! Não é o príncipe de um país qualquer)!
    Sem contar que ela faz tudo isso por um príncipe que nem lembra da cara dela e quase se casa com outra moça achando que é ela!
    Acho bem tenso!

    Mas entre os dois, acho pior a Cinderela!
    Porque na Bela e a Fera, o que muda a Fera é o amor que ele sente por ela (embora a maldição só se quebre quando a Bela diz “eu te amo”, ele já veio mudando por causa do que ele sentia…).
    Não acho que essa mensagem seja ruim, e eu acredito que gostar de alguém faz com que desejemos ser melhores!

  • Nessa eu acho que vou ter que concordar com o Somir. Acho que uma criança vai ter mais dificuldade em absorver as >implicações presentes no conto da Cinderela do que A >implicação presente no da Bela e a Fera. Por ser a única mensagem presente no conto da Bela e a Fera, ela se torna muito maior e mais nítida.

    Além disso o fator mágica está bem mais presente no conto da Cinderela, e não leva tanto tempo para uma menina perceber que esse tipo de mágica (fadas madrinhas, transformações) não existe. Já no conto da Bela e a Fera, a mensagem independe da mágica.

    E eu presenciei dois casos de casais que passaram por isso. Nos dois, o cara já estava beirando os 30 e tinham aquele perfil do “o meu primeiro”, bem moleque. Nos dois as mulheres acreditavam que quando se casassem, eles mudariam. Não mudaram. Depois acreditavam que se tornariam HOMENS quando se tornassem pais. Não aconteceu. Hoje são dois casais amargos, com filhos ficando no segundo plano (e num dos casos, terceiro, porque acabou sobrando para os pais do príncipe cuidarem dos filhos).

  • Sem falar que Cinderella comete o desfavor de meter competição feminina. A rivalidade entre meias irmãs, a madrasta, as mulheres do reino…
    A única que ajudou, vamos dizer assim, a Cinderella foi a fada, que nem humana era.
    Se não me engano no conto original a Bela também tinha irmãs babacas.
    Mas nessa discussão vocês dois enpataram, pra mim o pior conto é a Pequena Sereia. “Mude sua aparência, mutile seu corpo e largue sua família por causa de uma rola”. E pra piorar no conto original a sereia não consegue o principe, morre e vira espuma do mar.

    Enfim, esses contos de fada são todos doentes. Tem abuso sexual, violência, sexismo, abandono infantil, valores distorcidos… mas continuam aí firmes e fortes, são “clássicos”, graças à cobertura de açúcar (e computação gráfica) colocada pelo estúdio do Waldisney.

    • Olha só!! Nunca encontrei ninguém que concordasse comigo com o absurdo que é a história da Pequena Sereia!!!

      Tamo junto, Saga!!

      • Quando criança, tive um livro com essa versão original de “A Pequena Sereia” contada por Saga, que acabei conhecendo antes do filme da Disney. Bem… acho que a lição de não largar tudo por um homem ficou impregnada em mim. Haha

    • O final original da “Pequena Sereia” é infeliz, a Disney reinventou aquele conto. A lição de moral desse conto, aliás, é bem pior do que o que vocês falaram: não devemos procurar amores impossíveis, diferentes de nossa classe social (o que faz bastante sentido numa sociedade feudal, aliás).

        • Pode-se dizer que sim.

          Aliás, há muito tempo os contos infantis não são lição de moral para ninguém. Chapeuzinho Vermelho morria no final, os Três Porquinhos cozinhavam o lobo… isso é suavizado com o tempo.

          • Muito legal seus comentários, Fábio. Outra coisa que vale lembrar é que, em suas versões originais, esses contos infantis eram carregados de violência e barbarismos por causa, em boa parte, da época em que foram escritos. Naqueles tempos, eram comuns execuções públicas que eram verdadeiros espetáculos e muita gente naquelas sociedades brutalizadas via isso como um verdadeiro divertimento. Além disso, mesmo em uma era onde a vida era muito mais dura, ninguém pensava em preservar as crianças disso ou daquilo e certas coisas, por mais horríveis que fossem, eram encarados como fatos corriqueiros da vida cotidiana.

    • Vamos lá: a competição em Cinderella não é por homem, mas por poder.

      Se não me engano, a “gata borralheira” era a dona de tudo, porque o pai de Cinderella era o dono das terras. A madrasta era tão-somente uma curadora dos bens – e usurpava seu papel renegando a “senhora” da casa a uma posição de empregada, dormindo no borralho enquanto lhe roubava.

      O príncipe não significa, em tese, nada para Cinderella – mas para as demais, sim (seria o pé-de-meia para o futuro). Aliás, não é à toa que a fada ajuda Cinderella: ela é a única “nobre” nessa história toda.

      Esse ponto de vista, o da ascensão social fácil, ninguém percebe.

      • Não acho que seja ascensão social. Cinderela não tinha poder, quem mandava em tudo era o homem na época. Ela precisava de um homem para resgatá-la de uma realidade horrível, a qual ela sozinha não tinha condições de mudar por ser muito frágil.

        • Aí é que está: Cinderela não queria o príncipe pela ascensão social. Ela queria apenas, e tão-somente, o príncipe – o homem por trás do poder, que a encanta na festa (e não antes dela).

          • Eu sinceramente acho que ela nem queria o Príncipe, ela queria qualquer um que se fizesse responsável por mudar sua realidade…

  • Difícil dizer qual dos dois tem mais razão. Realmente, ambas as histórias – e contos de fada em geral – são tremendos desfavores. Mas fico com o Somir nessa. Uma mulher com a ilusão de que “seu amor muda outras pessoas” estraga não só a própria vida como ferra também, de um jeito ou de outro, com a do homem que tenta em vão modificar. Já uma que acredita que “apenas rezar funciona” tende, imagino, a complicar apenas a si mesma e morre sozinha esperando por um “príncipe” que simplesmente não existe.

    E respondendo à pergunta da Sally “quem foi o arrombado que escreveu isso?”: o conto original data do século XVII é de autoria do advogado, escritor e poeta francês Charles Perrault – chamado de “Pai da Literatura Infantil” – , e que também escreveu “Chapeuzinho Vermelho”, a “Bela Adormecida” e “O Pequeno Polegar”. Já o roteiro do longa em animação da Disney de 1950 – provavelmente a versão mais famosa – foi elaborado por uma equipe de nada menos que nove pessoas: Ken Anderson, Perce Pearce, Homer Brightman, Winston Hibler, Bill Peet, Erdman Penner, Harry Reeves, Joe Rinaldi e Ted Sears.

  • Historinhas e musiquinhas pra criança são nocivas. Entre essas histórias não sei qual a pior, mas achei muito engraçado o jeito da Sally descrever.

  • Ambos são horríveis, mas concordo com o Somir que A Bela e a Fera incute na cabeça das mulheres que homem escrotos podem ser mudados, etc, e isso cria um precedente perigoso. Quantas mulheres não mantêm um relacionamento abusivo achando que vão poder mudar o cara?
    Além da clara síndrome de Estocolmo, eu ainda acho muito pau no cu a bruxa que vai lá e transforma o príncipe em fera. Deixa cada um ser como é, gezuiz. Se ele é um demônio, problema dele. Não gostou, vira as costas.

    Sem contar que essas histórias têm verdadeiro fim de terror originalmente, na Cinderela as irmãs cortam o pé para que ele possa caber no sapato de cristal e só são descobertas porque saem sangrando por aí.

  • Se formos contextualizar as coisas “Cinderela” é apenas uma novela mexicana, ou a matriz de tantas novelas mexicanas que conhecemos. “A Bela e a Fera”, por outro lado, pode ser vista até em Crepúsculo, com essa estória de que “o amor tudo constrói”.

    Entretanto… quem fica lendo histórias da Disney pensando em lição de moral? A única coisa que você quer, no contexto das “Princesas”, é ver a mocinha se dando bem, não importa se por mérito próprio ou porque a sorte lhe sorriu. Aliás, as pessoas usam cada vez menos os contos de fadas para dar lição de moral, resumindo-os a uma estória bonitinha que você usa para fazer sua filha dormir (e sonhar com algo melhor do que uma vida enfadonha e cansativa, do trabalho para casa e vice-versa).

    Quando as pessoas tentam tornar Frida Kahlo e outras mulheres famosas em exemplos para as meninas se esquecem do óbvio: queremos sonho, não realidade. Entre os homens, aliás, também é assim – você não sonha ser o Steve Jobs, quer ser mesmo é Relâmpago McQueen e Ben 10 (que não são exemplos de virtude, aliás, e nem sempre ganham as coisas por mérito próprio).

    Queremos diversão, não reflexão. Sorte de quem vende, ou de quem pensa.

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