Efeito Casimir

Acredito que todos nós aqui estejamos familiarizados com o conceito de vácuo, certo? A ausência de tudo num determinado ambiente. Um produto embalado a vácuo tecnicamente não tem nada entre ele e as paredes da sua embalagem. Mas é claro que as coisas nunca são tão simples assim. Segundo a ciência moderna, “nada” não é possível, não da forma como imaginamos.

Primeiro, o problema óbvio da praticidade dos 100%: quando lidamos com partículas tão pequenas, é impossível gerar um vácuo perfeito. Alguma coisa sempre vai escapar do processo de retirada e ficar no ambiente. Um alimento embalado a vácuo ainda vai ter muitas outras coisas além do alimento entre ele e a embalagem, algumas moléculas simplesmente vão ficar por lá, por melhor que seja o processo. Não é como se desse para “pegar com a mão” e tirar as que sobrassem. Na verdade, nem coisas muito maiores como bactérias podem ser retiradas dessa forma…

O conceito de vácuo do nosso dia a dia ainda é cheio de coisas. É no máximo uma aproximação do que deveria ser. Nem mesmo em laboratórios com o máximo de esforço cientistas conseguiam alcançar um vácuo perfeito. Nem que seja radiação, alguma coisa vai passar pelas proteções e escapar do processo de geração do vácuo. O mundo microscópico está cheio de coisas por todos os lados que se olhe. Mesmo nos grandes vácuos do espaço sempre tem algo passeando pelas imediações. Então era de se prever que caso um dia fôssemos capaz de criar um ambiente ideal que lidasse com todos esses problemas, conseguiríamos finalmente observar como são as coisas quando não tem nada ali. Era um problema de execução e não fundamental.

Mas, a tecnologia avança e os experimentos começam a ficar cada vez mais eficientes em gerar estados de vácuo, que tecnicamente deveriam ser perfeitos. Mas, por mais que os estudos melhorassem, ainda havia algo lá, uma emissão minúscula de energia vinda do “nada”. E aí que a teoria ajuda a prática: a Teoria Quântica de Campos define que tudo o que existe está sobre uma espécie de “lençol” fundamental que vibra sem parar para gerar as coisas que somos capazes de observar.

O conceito de nada não faz mais sentido se pensarmos que a presença desse campo é inescapável em qualquer ponto do universo. As oscilações nesse campo, de acordo com a energia aplicada nele, geram diferentes partículas. De acordo com a altura que a onda alcança, identificamos uma partícula fundamental diferente. De uma certa forma, é como se essa nossa ideia de “bolinhas minúsculas” formando tudo o que conhecemos fosse uma ilusão gerada pela observação de um momento específico no tempo. Mais ou menos como se estivéssemos vendo uma fita multicolorida através de uma fenda pequena na parede. Em cada momento, só conseguimos ver uma cor pela fenda, o que não quer dizer que sejam objetos diferentes, apenas partes dele que podem ser observadas a cada momento.

Um salto agudo nesse campo fundamental parece uma partícula com massa, um salto mais baixo e largo parece-se com um fóton. Até por isso fótons conseguem carregar energia a distâncias tão grandes, o movimento da onda que se parece com ele é bem longo. Nós, que somos seres cheios de massa, somos picos altíssimos nesse campo, mantidos assim por uma enorme necessidade energética. Custa caro em energia manter um corpo como temos.

Resumindo: é como se o vácuo perfeito fosse um lugar desse campo fundamental onde nada está se mexendo. O lençol perfeitamente liso. O “potencial” para existir alguma coisa ali ainda existe, pode virar basicamente qualquer partícula, mas naquele momento não teria energia para nada. Vivemos numa realidade de potenciais, tudo pode mudar de estado de movimentação do campo, mas desde que tenha energia para tal.

Mas como eu disse, nada nunca é tão simples assim. Mesmo o “nada”. Muitos anos de desenvolvimento teórico e mais recentemente com experimentos para comprovar, estamos descobrindo que nem o que parece ser “nada” realmente o é. O campo está sempre chacoalhando de alguma forma. Existe energia no nada. Energia do ponto zero. Algo que racionalmente não é para fazer sentido, mas estava previsto em vários estudos. Como o campo parece estar sempre se movendo de alguma forma, e como vimos que esses movimentos geram partículas, de tempos em tempos, aparentemente quebrando todas as leis de conservação de energia e massa, duas partículas de cargas diferentes surgem e se aniquilam. É uma quantidade minúscula de energia, imperceptível até.

Estou entrando em contradição, né? Como pode ser algo e ser imperceptível ao mesmo tempo? Na ciência, muitas vezes só se percebe algo por tabela, não mensurando diretamente o que estamos procurando, mas suas interações com o que está ao redor e conseguimos medir. Um físico holandês chamado Hendrik Casimir propôs, no meio do século passado, que se o campo fundamental funciona como imaginamos, poderíamos provar essa energia do ponto zero através de um experimento: colocando duas placas extremamente próximas uma da outra num ambiente sem influências externas, deveríamos identificar uma atração entre elas. O agora chamado Efeito Casimir.

A ideia é que como o campo depende de vibrações, uma superfície muito limitada dele (o espaço minúsculo entre duas placas a um micrômetro de distância) só conseguiria gerar ondas curtíssimas antes de bater na “parede” de ondas mais altas da matéria das placas. E na diferença entre energia entre as ondas curtas do meio das placas e das ondas “livres” do lado de fora, deveria surgir uma força que empurrasse as placas uma conta a outra. Caso não houvesse energia alguma entre as placas, nada deveria acontecer. O experimento deveria acontecer num local sem influências externas, excluindo outras possibilidades de aproximação das placas.

Ou seja: a energia do vácuo limitada pela distância deveria interagir com a energia do vácuo livre. Se existisse energia do vácuo, teríamos atração, se não existisse, obviamente tudo ficaria parado no lugar. E em 1996 esse experimento foi finalmente realizado nas condições ideais. Casimir estava certo. As placas se atraíram. Não existe espaço sem energia nesse universo. Mesmo que ela seja absurdamente pequena.

E aí, alguns outros mistérios da ciência começam a se abrir: se existe energia onde não somos capazes de ver energia, o problema da energia escura pode muito bem ser respondido pela energia do vácuo. Por mais negligível que seja em pequenas áreas, imagine o quanto isso pode acumular num universo tão imenso como o que temos. A teoria da energia escura surgiu para tentar explicar porque o universo parece estar se expandindo cada vez mais rápido. Deveria ter muito mais energia do que imaginávamos para que as observações de movimento de galáxias distantes fizessem sentido. Não víamos mais fontes de energia, então demos o nome de energia escura.

O acúmulo de bilhões de anos luz de campos chacoalhando e gerando partículas virtuais que se aniquilam instantaneamente pode muito bem gerar a energia suficiente para empurrar o universo nessa expansão cada vez mais rápida. Quando mais longe as coisas ficam umas das outras, mais energia do vácuo se torna disponível. O que eu estou escrevendo aqui é mera especulação, ninguém ainda bateu o martelo que energia escura é energia do vácuo, mas faz seu sentido sim. E já que estamos nesse campo: se o nada tem tanta energia, é realmente tão difícil assim imaginar de onde veio o Big Bang? Mas isso fica para outro texto.

Por nada.

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