It’s ok to be white?

Pouco mais de uma semana atrás, uma série de cartazes com os escritos “It’s ok to be white” começaram a surgir nos Estados Unidos. Principalmente nos arredores e dentro de grandes universidades. A frase, que pode ser traduzida (bem) livremente como “Não tem problema ser branco”, não deveria gerar nenhuma polêmica, não? Oras, é claro que gerou polêmica, é 2017!

O assunto foi pouco comentado por aqui, talvez por preguiça dos estagiários dos grandes meios traduzirem o conteúdo, talvez por falta de conhecimento das peculiaridades das comunidades de internet dos EUA, ou provavelmente mesmo porque era muito cheio de nuances para o público brasileiro. Eu vou apostar nessa última… a ideia surge num fórum chamado /pol/, sobre o qual já falei antes aqui na época da eleição do Trump. Esse é mais um dos refúgios de uma boa parte da população americana que ficou tão de saco cheio do politicamente correto, mas tão de saco cheio que… elegeu o Trump.

Na minha opinião o fórum em questão foi instrumental para a vitória do Oompa Loompa platinado, mas essa análise já foi feita. Hoje estamos concentrados nessa jogada aparentemente simples, mas reveladora sobre os rumos preocupantes da sociedade moderna. A ideia surgiu nas vésperas do Halloween, e não podia ser mais básica: imprimir cartazes com os escritos “It’s ok to be white” e colar em lugares onde pessoas histéricas os veriam. A genialidade da ideia está justamente na presunção de reação exagerada dos “adversários”.

Num vácuo ideológico, dizer que não tem problema ser branco não quer dizer nada. Não tem problema ser de nenhuma cor, oras. Quem enxerga isso que tem algo de muito podre dentro da cabeça. Mas, como estamos longe de viver numa sociedade que se importa com o significado do que lê, era previsível que começariam os chiliques logo pela manhã seguinte. E eles vieram. Primeiro em posts de redes sociais com pessoas mencionando os cartazes “assustadores”, depois com reações mais dramáticas alimentadas pelo interesse da mídia.

Qual foi a reação padrão dos que deram de cara com os cartazes? Arrancá-los e acusar quem colou de nazista. Os artistas da vitimização já começaram a dar seus showzinhos, dizendo que não se sentiam mais seguros em suas universidades. Um aparte aqui: o que acontece nas universidades americanas atualmente é um dos processos mais insanos de “politicamente correto” da história. Claro que não com a mesma violência, mas qualquer discurso menos “pregressista” é atacado por uma massa de ofendidos que nos faz até imaginar agentes de um regime totalitário.

Neste contexto, fica clara a trollagem: através de um cartaz objetivamente inofensivo na mensagem, é possível expor reações raivosas e irracionais do adversário. Um clássico. Nada de novo no fronte, inclusive com várias pessoas respondendo que não, não estava tudo bem em SER branco. E, novamente, eu já passei por esse tema anteriormente, então fica a análise já feita: apontar dedos para grupos não costuma gerar resultados de igualdade em nenhuma sociedade. O máximo que se consegue é mudar o grupo dito opressor. Mas é exigir demais dessa gente entender o buraco que está se enfiando… vamos continuar por um bom tempo dentro de uma sociedade opressiva para um ou mais grupos, o ser humano ainda não parece preparado para lidar com seus problemas sem culpar exclusivamente o outro.

Com esse ponto em mente: quem leu esse cartaz e o conectou imediatamente a grupos que pregam a supremacia racial branca… estava certo. Locais como esse fórum não são como uma KKK, mas quem passa mais de dez minutos lendo o material produzido por eles sabe muito bem que ele está apinhado de gente muito racista. Muitas vezes daquela forma meio de brincadeira e meio séria ao mesmo tempo, mas mesmo assim, negar que o /pol/ tende ao racismo é mentir descaradamente.

Eu sei, eu sei, fica difícil tomar um lado claro quando a reação aos cartazes é ao mesmo tempo histérica e com um fundo de verdade, mas ninguém disse que as coisas seriam simples nessa vida. A verdade é que o nosso ideal de compreensão das mensagens alheias tem que ser baseado em mais fatores do que a mensagem pura ou a inclinação pura de quem a divulgou, existe um meio termo complicado aí. Tão complicado que me leva à verdadeira reflexão deste texto: será que o excesso de informação está dando contextos demais para qualquer coisa que comunicamos? Contextos que muitas vezes são desnecessários?

O cartaz era uma clara armadilha nesse contexto: quem mais colaria ele nas paredes de locais declaradamente hostis ao conceito de poder de homens brancos? É claro que tem contexto, é claro que dá para presumir muito mais do que a mensagem pura. Mas, duvido que todos os que reagiram dessa forma sabiam exatamente o que estavam presumindo. Estavam reagindo na verdade a um contexto divisivo de quem se presume em guerra. De quem está sempre olhando por cima do ombro para se defender de um ataque. E nesse renascimento da rixa entre esquerda e direita, ambos os lados parecem absolutamente paranoicos, enxergando “soldados” inimigos em todos os cantos.

Tirando os ativistas histéricos mais histéricos, nenhuma pessoa realmente tem o que argumentar contra o “é ok ser branco”, até porque é uma mensagem vazia em sua fundação, dependendo muito do que se presume a partir dela: seja uma mensagem do exército aliado ou inimigo. Mas, e quando não é? E quando quem solta a mensagem só quer dizer aquilo mesmo? Como ficam as verdades mais simples num universo comunicativo onde tudo pode e será usado como arma numa guerra ideológica (burra)?

De uma certa forma, o que eu quero dizer aqui é que estamos nos afogando em contextos, muitos deles preguiçosos, e tornando as mensagens que passamos quase que inconsequentes. Como se fossem apenas uma sequência de letras e números que precisassem ser decodificadas para achar uma mensagem necessariamente pró ou contra você. É uma nova forma de analfabetismo funcional até: ficar tão amarrado em contextos paranoicos que a mensagem na sua frente torna-se irrelevante.

Para dizer que é ok não entender, para dizer que estou repetitivo, ou mesmo para dizer que desistiu de pensar no que lê: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • Estava pensando exatamente nisto estes Dias. Só que eu queria colocar cartazes nos banheiros femininos dizendo:

    “Cuidado! Você pode acabar sendo a próxima estuprada!”

    Colocaria em regiões da Vila Mariana e Vila Madalena, antro das lésbicas feministas que não raspam o sovaco.

    O cartaz seria apenas um aviso para as mulheres terem um cuidado extra com suas xoxotas nessa moda de estupro nunca antes vista na história desse país.
    Mas claro que as histéricas feministas fariam o hocausto do caos achando que eram ameaças direcionadas à elas.

    Fica a dica!

  • A primeira coisa que me passou pela cabeça foi replicar isso, para ver se a reação é a mesma. Provavelmente sim, já que o pessoal gosta de imitar tudo o que acontece nos EUA, sem contexto equivalente algum, vide os chiliques com apropriação cultural.
    BM nem pensa em possíveis contextos, só fica na reação vira-latista, mesmo.
    Me assusta isso que está acontecendo com o mundo. Veremos muitos psicóticos e perversos no futuro, uma vez que é “a minha opinião” é a que conta, e quando alguém discorda acaba irritando e/ou ofendendo. Tenho medo do futuro.

  • “Tão complicado que me leva à verdadeira reflexão deste texto: será que o excesso de informação está dando contextos demais para qualquer coisa que comunicamos? Contextos que muitas vezes são desnecessários?”

    Boa indagação. Vejo as pessoas ficando paranóicas demais, principalmente quando se trata dessa merda de “direita X esquerda”. As vezes uma mensagem qualquer não quer dizer absolutamente nada, mas sempre vai ter um filho da puta pra politizar isso e trazer pra ideologia que ele defende. É daí que nascem aquelas problematizações ridículas que a gente vê na Internet!

  • No fim, os politicamente corretos e os politicamente incorretos chegaram no mesmo nível de talento pra se ofender com as coisas.

    Aí surge essas tosqueiras de orgulho branco (pra mim não faz sentido se orgulhar de um mero acaso da biologia, mas pelo menos o orgulho negro tem significado)

  • E aqui no Brasil fizeram um escarcéu com um vazamento de um comentário pretensamente racista do William Vaca, aquele ser patético que era âncora de jornal na Globo, mas como a história ficou tempo demais abafada, suspeito de algo bem mais podre por trás, como extorsão por exemplo.

  • Confesso que não estava sabendo dessa história até você tocar no assunto, Somir. Eu até tinha alguma noção da força que o politicamente correto tem nas universidades americanas, mas o que você contou é assustador! Esse negócio de atacar ferozmente “qualquer discurso menos ‘progressista'” me fez lembrar do “Diretor PC” de South Park, que ficava putaço com qualquer um que não seguisse à risca a cartilha de comportamento do politicamente correto. Achava que tal personagem fosse só uma caricatura e, como tal, exagerada, mas parece que no mundo real a coisa já é assim mesmo! Puta que pariu!

    Por outro lado, também é preocupante a postura dos radicais de extrema-direita dos EUA que, se entendi bem, propositalmente colaram os cartazes do “It’s ok to be white” onde sabiam que os “ofendidos profissionais” os veriam. Trolagem de gente que, como você tão bem definiu: “ficou tão de saco cheio do politicamente correto, mas tão de saco cheio que… elegeu o Trump.” Se o preço a se pagar pelo fim da “praga PC” é ter o “Oompa Loompa platinado” como presidente do – ainda – país mais poderoso do mundo, alguma coisa está muito errada. Sem falar que, quanto maior a histeria dos justiceiros sociais, mais munição os direitistas acabam tendo…

    • Complementando e pegando um gancho com o final do texto: Me parece que um dos combustíveis dessa guerrinha besta entre esquerda e direita – e que fode com a vida de todo mundo que é pego no fogo cruzado – é essa mania irritante que ambos os lados têm de procurar pêlo em ovo o tempo todo, depreendendo em tudo um monte de “significados ocultos” que só existem em suas cabecinhas perturbadas. Isso, como você disse, Somir: “É uma nova forma de analfabetismo funcional até: ficar tão amarrado em contextos paranoicos que a mensagem na sua frente torna-se irrelevante.”

  • Somir, o que salva o mundo é que a grande maioria das pessoas nem sabe com o que gente como você (ou eu) está preocupada. Temos relativa sorte da sociedade ser composta, via de regra, de lemmings que não pensam muito além do básico (como “o que comerei hoje”, “o que beberei amanhã” ou “qual será a cor do vestido que minha filha usará em sua festa de aniversário”) – isso porque lemmings não sofrem com o mundo, apenas o vivem.

    Tento me consolar com isso, todo dia.

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