Onde foi que eu errei?

Desponta dezembro e já vem os pau no cu falar em promessas de ano novo, em metas a realizar e em sonhos para o ano que está chegando. Não raro, essas metas ou sonhos já foram ventilados em outras viradas de ano e não se concretizaram, mas, o ser humano, fascinante que é, acredita que um marco no calendário zera tudo e renova suas chances de que tudo dê certo e ele alcance suas conquistas. Bullshit.

Projeções de um futuro lindo onde tudo vai ser melhor “se Deus quiser” são muito fáceis de fazer. Todos nós, mesmo os mais pessimistas, acabamos nos apegando a esperanças (fundadas ou não) quando este grande tolete chamado vida pisa no nosso calo. Desculpa a grosseria, mas… grandes merda fazer dezenas de planos lindos para 2018. Sabe quem costuma desejar por coisas em abstrato o tempo todo? Crianças. É isso que você é se pensa que seu pensamento positivo e seus desejos em abstrato vão te trazer um ano melhor.

Minha proposta hoje não é agradável, porém, acredito que tenha sua valia. Em vez de fazer uma lista de objetivos para o ano que vem (comprar X coisa, ganhar X dinheiro, ter X relacionamento), te convido a, primeiro, dar a descarga em 2017, fazendo um exercício sofrido chamado “Onde foi que eu errei”. Na contramão de tudo que você vai ler por aí sobre virada de ano, eu estou sugerindo que, antes de olhar para frente, olhe para trás e faxine o ano que passou.

Lápis e papel na mão (pois provavelmente são coisas que você não quer ver compartilhadas, então, não devem ser colocadas em computador ou celular), pense nas grandes bostas, nos eventos desagradáveis e nos fracassos que aconteceram com você em 2017 e, em todos eles, foque apenas em um ponto: qual foi sua parte de culpa/erro/responsabilidade nisso? O que você poderia ter feito melhor ou diferente para ter se poupado destes eventos? Onde você pode melhorar para que esse tipo de bosta não se repita? Basicamente, em tudo, pense “onde foi que eu errei”. E se você achar que não errou, pense novamente. Não aponte o erro dos outros, foque apenas nos seus.

Já lhes informo que, a menos que você saiba mentir muito bem para você mesmo e seja um tremendo negador, é um exercício deprimente. Pensou que seria um texto de autoajuda? Não, não. É mais um dos nossos textos de autodeprime. Sim, você vai se sentir uma bosta ao final, mas é um processo necessário para um amadurecimento. Não há crescimento na zona de conforto. Não há conforto na zona de crescimento.

Em qualquer evento desagradável temos sempre a tendência a ver, em letras garrafais, os erros alheios. É humano, demasiadamente humano fazer isso. Porém dificilmente percebemos a nossa parte. Sempre existe uma parcela de erro nosso, nem que seja erro na escolha. E se você não detecta esse erro, tende a repeti-lo, pois acredita que, em sendo a culpa alheia, basta se afastar da pessoa culpada para que aquilo não aconteça mais.

Aí quando acontece novamente, vem aquelas frases prontas que tapam o sol com a peneira: “eu tenho muito azar mesmo” ou “eu sou para-raios de maluco” ou ainda “eu desperto muita inveja”. Será? Será que é mesmo um grande karma que certas situações recorrentes estejam presentes na sua vida? Deve ser muito bom ser espírita e poder culpar erros da vida passada. Caso você não seja, pega lápis e papel, tira força do fiofó e lista todas as merdas que fez em 2017.

Foque nos seus erros, nas suas falhas. E não vale se cobrir de erros louváveis, coisas como “meu erro foi ser legal demais” ou “meu erro foi ser correto demais”. Não, não. Queremos os erros feios, não aqueles que você conta para a sociedade e muitas vezes nem para você mesmo. E nem pensar em justificar um erro seu com um erro do outro, no estilo “só fiz isso porque Fulano…”. NÃO. Seus valores, sua ética, suas escolhas independem de Fulano. Se Fulano errou, isso não te autoriza a errar de volta, não seja canalha.

Tomar consciência das merdas é o passo 1 e, acreditem, é meio caminho andado. Provavelmente é a parte mais difícil, onde você vai olhar e pensar “Puta merda, eu devo gostar muito pouco de mim para ter feito tanta cagada” ou “Que bosta de pessoa que eu sou, duvido que alguém um dia goste de mim”. Normal. Todo mundo faz. É fazendo merda que se aduba a vida. Mas, como algumas merdas custam muito caro, é recomendável que aprendamos a não repeti-las ou, ao menos, a atenuá-las. E infelizmente essas coisas não se resolvem sozinhas, nem com o tempo, nem com amor, nem com dinheiro. Só você pode resolver. Sim, a vida adulta é um saco.

O segundo passo é pensar em estratégias para não repetir as cagadas detectadas no primeiro passo. Infelizmente não é assim tão simples, pois se estas cagadas pudessem ser evitadas com facilidade, você não as teria feito em primeira instância. Algo falhou para que você, ao avaliar uma situação, “escolha” fazer algo que foi prejudicial a você mesmo. E nesta etapa, acredito que você vai precisar da ajuda de terceiros.

Converse sobre seus erros de 2017 com pessoas próximas, de sua confiança. Mas converse de uma forma aberta, pedindo que sejam sinceros (e dando espaço para isso, ou seja, ouvindo caladinho mesmo que discorde) e realmente escute e reflita antes de descartar o que está sendo ouvido. Vai ser agradável? Não, não vai ser agradável. Mas menos agradável ainda é passar o próximo ano cometendo os mesmos erros. É como diz aquela frase falsamente atribuída a Einstein: a definição de loucura é fazer sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes.

Reflita. Reflita bastante sobre o que vai ouvir. Converse com mais de uma pessoa. Converse comigo se quiser. Por obra do destino voltarei a responder e-mails a partir de dezembro. Não parece, por este texto de merda, mas eu sou uma boa conselheira. Converse com quem não tem medo de te dizer umas verdades e faça um exercício ético de não “vender” a sua versão. Todos nós temos uma tendência a fazer isso: contamos uma história claramente voltada para que o outro nos dê razão. Uma versão imparcial é impossível, mas talvez uma versão tentado se colocar um pouco no lugar do outro seja mais benéfica para o seu objetivo.

Depois de ouvir de orelha baixa, depois de conversar com várias pessoas, depois de refletir bastante tentando ter o mínimo de resistência possível ao que elas tem a te dizer, tente entender de onde vem essas escolhas e, mais importante, se perdoe por elas. Sim, isso mesmo. Essa ideia de que se você fez merda merece ser punido só causa ainda mais merda, pois em uma cabeça onde a pessoa é digna de punição, o auto boicote vem que vem para cumprir esse papel. Sim, você errou. Sim, você é um merda (todos somos). Mas sim, você está fazendo por onde que isso não se repita, ou ao menos que isso seja atenuado. Perdão para você mesmo.

Depois de identificar as merdas, refletir, aceitar que é um bosta e se perdoar, vem a parte estratégica. Como fazer para não repetir os mesmos erros no próximo ano ou para atenuar as consequências destas cagadas? Novamente, é enriquecedor conversar com alguém. Converse comigo novamente se quiser, e, se estiver no Rio, quem sabe, até pessoalmente. A coisa mais fácil do mundo é resolver a vida dos outros, a nossa que é bom, é difícil pra caralho. Geralmente quem vê as coisas de fora, vê melhor. Peça ajuda sem dó para pensar em estratégias que te façam merdar menos em 2018.

E não tenha medo de errar. Como diz o grande sábio Romário, só perde quem bate. Por mais conversa, por mais conselhos, por mais elucubrações que você faça, é só na hora da prática que você vai descobrir o que funciona para efetivamente evitar que você repita velhos erros. Não se aprende a dirigir lendo o manual de instruções de um carro, certo? Se não funcionar, tenta diferente. Se não funcionar, tenta outra coisa. Se você não atingiu o objetivo, em vez de mudar o objetivo, mude o caminho (e anote esta frase fofinha demais para ser refutada, para repetir quando alguém te chamar de teimoso).

Para aqueles que querem dar um salto maior ou tem pressa em melhorar alguns aspectos, terapia pode ajudar muito. Mesmo que você já tenha feito, retornar à terapia em momentos de crise opera milagres na vida de uma pessoa, pois, com toda sua bagagem você consegue resultados mais rápidos para tratar questões pontuais. Sim, é caro, mas não é motivo para não fazer. Existem terapeutas bons que atendem por preços simbólicos em universidades ou faculdades e até mesmo em instituições. Informe-se, mesmo que na sua cidade não exista, hoje em dia é possível até um atendimento via Skype.

Não vai ter ano novo com vida nova se você não faxinar as merdas do ano anterior, assumir sua parcela de responsabilidade por elas e desenhas estratégias para melhorar. É como querer cagar em uma privada que já está cagada, é obvio que vai entupir e transbordar tudo na hora de dar a descarga (hoje estou poética). Não é pelo fato do calendário ter mudado o ano que todas as esperanças se renovam de forma automática, se você pensa assim, você é um infantilizado que tende a tomar no cu por todo 2018. Arregaça as mangas agora, esta semana, hoje e faz uma “Retrospectiva Merdas 2017 – Onde foi que eu errei”, mais ou menos como eu sugeri aqui. Aí sim você pode ter esperanças do seu 2018 ser melhor.

Olhar para tudo que aconteceu na sua vida com o filtro “Onde foi que eu errei” é um puta desafio. É difícil se colocar frente a frente com todos os seus erros, suas falhas, suas fraquezas e assumir responsabilidade por coisas pelas quais normalmente podemos culpar terceiros sem consequências. Foque nos seus erros, apenas nos seus erros. Não pense, não cite, não cogite os erros dos outros. O ponto é você, onde você tem que melhorar e como fazer esse percurso.

E, se doer, pode me xingar. Tamo junto.

Para dizer que como coach eu sou uma ótima blogueira, para dizer que não precisa fazer isso pois você não erra ou ainda para perguntar se minha intenção é aumentar o número de suicídios de final de ano: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Mostrar isso para meus alunos. Gente que no primeiro dia de aula pergunta ´qual a média pra passar?´ que não se dedica e depois quer saber se ´mais gente na turma tbm foi mal na prova?´ a galera não aguenta o tranco nem da própria preguiça quanto mais dos erros.
    Confesso que tá me faltando forças, sei onde está errado e como estou errando mas não tenho conseguido fazer diferente ainda. Talvez a ´faxina´ de ano novo ajude.

    • Geralmente algum fato, ato ou realização costuma ser o estopim que nos dá forças para arregaçar as mangas e mudar. É de dentro para fora, em algum momento vai acontecer algo que vai te tirar da inércia!

  • Por razões religiosas (sim!) e particulares, fiz esse exercício durante quase todo o ano de 2017. E vou lhes contar: foi um ano muito bom. Mesmo tendo chorado aos prantos várias vezes em cima dos cadernos em que anotava tudo, tendo vontade de me encolher e não tentar nada nunca mais depois de ver quanta burrada era capaz de fazer, foi muito libertador admitir os erros, admitir que está tudo bem em errar e corrigir depois. Comecei o ano sem objetivos e resoluções, mas atingi muita coisa que queria há anos e foi muito melhor que imaginava que seria.
    É o melhor exercício de autoconhecimento do mundo e melhora muito a vida de quem faz. Vale muito a pena. Por mais que doa muito, é melhor doer na hora de admitir e na hora de corrigir do que ficar atrapalhando tudo o que a gente quer fazer durante anos.

    • O problema é que muita gente não tem a capacidade de fazer isso, é incapaz de perceber a dimensão dos seus próprios erros e coloca a culpa em tudo (na mãe, no destino, na empresa) menos em si mesma. Que bom seria o mundo se todos tivessem a capacidade de entender plenamente seus erros!

  • Este poema supostamente escrito pelo poeta mineirinho come-quieto Drummond me autodeprimiu… Não consigo ver o itabirano dizendo ou escrevendo algo como: “você, meu caro,”… Soa muito ao estilo de propaganda das Casas Bahia.

    Pode até ser dele, afinal, se até poemas pornôs ele escreveu, ops, digo eróticos…

  • Sally, com este texto, você confirmou algo que sempre pensei a seu respeito: que você é uma das pessoas mais fortes que conheço. Não é todo mundo que tem “colhões” pra pensar, agir e às vezes até nos dar uns necessários “chacoalhões” do naipe deste texto como você, viu? Tá anotada a sua “frase fofinha”: “Se você não atingiu o objetivo, em vez de mudar o objetivo, mude o caminho”. Uma das maiores provas de maturidade de uma pessoa é ser capaz assumir seus erros com a mesma coragem que teve para cometê-los. E e o melhor pedido de desculpas – até pra si mesmo – é, foi e sempre será, uma mudança de atitude.

    • Não sou forte não, dar conselho é fácil, dar solução para os outros é fácil. Vai achando que na minha vida faço sempre as melhores escolhas, que tá tudo bonito, perfeitinho e em ordem…

      • Sei disso, Sally. Mesmo assim te admiro. Além do mais: ninguém é perfeito. Mesmo. E ninguém também nem tem obrigação de ser perfeito. Por fim, mais uma coisa: espero estar enganado, mas tenho a impressão de que você tem estado triste ultimamente e de que tem algo te aborrecendo. Seja o que for, não se preocupe. Isso passa. E se estiver precisando de um ombro, aqui tem dois, viu?

  • Eu consegui 90% de tudo que planejei, sendo que o ano ainda não acabou e posso bater os 100. Uma das conquistas foi comer saudável, perdi 20kg só nessa brincadeira e não vai ter sanfona pq não é dieta, é mudança de vida! Sou ou não sou foda? Parabéns pra mim! Obrigado hohoho

  • Essa análise de erros + estratégia/solução para melhorar deveria ser adotada o ano inteiro.
    Querer melhorar um ponto negativo ocorrido durante o ano X sem olhar a razão de ser desse ponto negativo, é como dar um tiro no pé. Só fará acumular frustração.

    O ruim é que se aconselhar um BM a fazer isso, você corre o risco de levar esporro/porrada. Em um país composto “por uma maioria de pessoas muito fodas e perfeitas” fica difícil de falar que o erro provavelmente seja delas.

    • Chega a ser ofensivo você pedir para que alguém foque apenas nos próprios erros, sem apontar o erro dos outros. Já escutei que isso é “injustiça e covardia”. Ora, o erro do outro acompanha o outro, não te afeta. É o seu erro que abala sua vida e é ele que tem que ser trabalhado. Mas, não adianta, a culpa é sempre dos outros. E quando (raramente) reconhecem os erros, ficam olhando para eles com cara de poucas ideias, não tem a menor noção do que fazer para melhorar. Vem aquele discurso mimadinho de “Eu sou assim”: batem o martelo que são essa merda mesmo e não tem capacidade de mudar. Haja paciência…

  • Sally, isso de achar q “Ano novo, vida nova” é algo que vai mudar minha vida foi exatamente o que eu conversei na terapia umas semanas atrás. Obrigada pelo conselho do “Retrospectiva Merdas 2017 – Onde foi que eu errei”; tô com o bloquinho de papel e a caneta aqui do lado, só arranjando coragem pra começar a lista de cagadas.

    :)

    • Datas importantes são marcos que nos afetam, querendo ou não. O problema é que a coletividade avaliza essa ideia de que “ano novo, vida nova” pela simples mudança de calendário, permitindo que a gente acredite nisso sem se sentir ridículo. Um perigo…

  • Adorei, Sally. Adorei mesmo. E por falar nisso…

    “RECEITA DE ANO NOVO”

    Para você ganhar belíssimo Ano Novo
    cor do arco-íris, ou da cor da sua paz,
    Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
    (mal vivido talvez ou sem sentido)
    para você ganhar um ano
    não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
    mas novo nas sementinhas do vir-a-ser;
    novo
    até no coração das coisas menos percebidas
    (a começar pelo seu interior)
    novo, espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
    mas com ele se come, se passeia,
    se ama, se compreende, se trabalha,
    você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
    não precisa expedir nem receber mensagens
    (planta recebe mensagens?
    passa telegramas?)

    Não precisa
    fazer lista de boas intenções
    para arquivá-las na gaveta.
    Não precisa chorar arrependido
    pelas besteiras consumadas
    nem parvamente acreditar
    que por decreto de esperança
    a partir de janeiro as coisas mudem
    e seja tudo claridade, recompensa,
    justiça entre os homens e as nações,
    liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
    direitos respeitados, começando
    pelo direito augusto de viver.

    Para ganhar um Ano Novo
    que mereça este nome,
    você, meu caro, tem de merecê-lo,
    tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
    mas tente, experimente, consciente.
    É dentro de você que o Ano Novo
    cochila e espera desde sempre.

    Carlos Drummond de Andrade

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