Fantasma do chifre.

Relacionamentos costumam vir com as bagagens de ambos os envolvidos, e como sabemos, nem sempre elas são positivas. No caso de você ficar sabendo de algo muito ruim do passado da pessoa com quem você está antes dela, Sally e Somir discordam sobre o caminho a ser seguido. Os impopulares abrem o bico.

Tema de hoje: Contar de forma aberta e direta para seu/sua atual namorado(a) que o ex dele(a) o traiu?

SOMIR

Mas nem a pau. Detesto como eu sempre acabo defendendo omissões aqui, mas quando a outra opção é um ninho de vespas como aqui, nem tem muito o que pensar. A gente cutuca essas coisas difíceis quando é para o bem da relação, não para o nosso. Complicado segurar um segredo desses, compreensível querer fazer a caveira de um ex (somos humanos), mas já parou pra pensar em tudo o que vem junto nesse pacote?

Pra começo de conversa: é uma pessoa adulta e complexa com a qual você tem um relacionamento amoroso, não é uma criança que vai acreditar cegamente em tudo o que você disser e reagir de forma previsível. No momento que você solta uma informação dessas, abre uma possível porta do inferno. Se ela não acreditar em você, vai ficar feio, vai ficar muito feio já de cara. E não acreditar não significa necessariamente uma briga te chamando de mentiroso, quando uma pessoa recebe uma informação chocante como essa (e vamos concordar que saber de um chifre dá um baque na maioria das pessoas) ela tende a reagir com negação.

Não é algo agradável para se digerir. A reação inicial não joga ao seu favor, muito pelo contrário. Mesmo que for uma pessoa que já confie imensamente em você (o que, desculpem-me os românticos, demora muito), ela vai apostar primeiro num erro seu do que na verdade incômoda para ela. Se você tiver provas irrefutáveis como fotos, vídeos ou conversas salvas, vai gerar um susto por ter esse material em primeiro lugar, parecendo meio obsessivo. Se não tiver, vai ter que enfrentar o morro da negação sem equipamentos de escalada… e disso surgem outros problemas:

Quem não está afim de absorver uma informação tende a fazer malabarismos mentais para racionalizar a situação. Considerando que a norma é não ter provas cabais do que acaba de dizer, você vai receber a presunção de estar sendo no mínimo leviano com sua afirmação. O que pode rapidamente descambar para a presunção de mentira mesmo, seja por um senso competitivo desmedido (afinal, a batalha já foi vencida, você está com ela), seja por irresponsabilidade com as informações que recebe. Complicado acusar sem provas, complicado fazer a pessoa passar por essa dor sem ter como bancar.

E, novamente destruindo o romantismo, pode ser ex, pode ser página virada, mas pouca gente tem o desprendimento de não se importar com uma informação dessas na vida. Dói saber que foi chifrada, ela vai receber essa pancada, provavelmente desnecessária, de você. O ex vai ter aprontado, mas você vai ser o responsável por trazer essa dor para a vida dela. Convenhamos que não é um papel positivo para assumir na relação. Você não quer sua atual te ligando com uma escrotice do ex dela, nem que seja por ter dado a notícia. Essas coisas mexem na forma como as pessoas enxergam umas às outras.

O que nos leva a outro ponto: você realmente quer colocar esse tipo de paranoia na cabeça dela? Porque você não só está dizendo que ela levou um par de chifres como que ela não percebeu durante a constância do relacionamento. Pessoas sacaneadas tornam-se um pouco mais desconfiadas. A não ser que seja fundamental para a vida da pessoa – o que não é já que ela seguiu em frente e está com você – precisa escaldar esse gato e arriscar virar água fria?

Eu entendo que desconfiança não tem lugar num relacionamento saudável, mas por mais que eu queira, pessoas não são robôs. Cada fato de suas vidas gera repercussões e modifica a forma como elas enxergam as coisas dali pra frente. Mesmo não sendo culpa sua, você botou galhos retroativos na cabeça dela. Vai ter de lidar com uma nova pessoa, que agora sabe que um relacionamento no qual acreditava não ter sido traída nem pra isso serviu. Essa nova pessoa, por mais parecida que seja com a que você conhece, vai reagir de forma um pouco diferente às coisas.

O sofrimento causado por essa notícia não é um band-aid sendo puxado de uma só vez, é algo que entra e causa uma infecção, mesmo que momentânea. Por um tempo, você vai sofrer consequências de uma compreensível desconfiança “de tudo” que virá com a revelação. Se o casal estiver forte e a relação saudável, isso vai passar, mas nesse meio tempo o sofrimento vai ser real e os riscos dela enxergar coisa onde não tem aumentam exponencialmente. E, mais uma vez, pessoas são complexas: você vai ter o argumento que ela está paranoica por causa da notícia anterior, e ela vai saber disso de alguma forma, ela vai duvidar um pouco do julgamento. E aí entra o risco dela internalizar as dúvidas e deixar isso fazer mal sem dar nenhuma bandeira.

Sentimentos ruins que ficam presos fermentam e geram novos elementos que são muito mais complicados de limpar depois. Eu estou usando um exemplo feminino por praticidade de escrita, mas homens não são diferentes não. Uma notícia dessas é essencial para uma pessoa na constância da relação com o traidor, mas depois que ela acaba, qual o ponto? Por que colocar esse veneno na cabeça da pessoa depois de tudo acabado? A verdade é uma coisa bonita e nobre, mas tem consequências como qualquer outra coisa. Precisa?

Não precisa, né?

Para dizer que eu sempre defendo a omissão por gostar dela, para dizer que é uma ótima tática para esconder o seu chifre em plena vista, ou mesmo para dizer que está de boa com dramas: somir@desfavor.com

SALLY

Conto sim, a menos que a pessoa tenha dado sinais claros de negação e de total incapacidade de se conscientizar do ocorrido ou que tenha me pedido expressamente para não falar da ex, eu conto. O motivo é o mais simples do mundo: eu gostaria que me contassem se fosse o inverso. A razão? Explico nas duas páginas seguintes.

Não gosto de desonestidade. Não gosto de baixaria. Não gosto de uma pessoa tirando proveito da boa fé de outra pessoa. E, na minha opinião, traição se enquadra nas três categorias. Assim como contaria que uma ex (ou um colega de trabalho, ou qualquer um) roubou algo da pessoa, assim como contaria qualquer outra desonestidade, eu conto de traição. Não é em função de quem fez (uma ex) que eu estabeleço o filtro, e sim em função do ato (uma desonestidade que eu considero grave). Se eu achar grave e achar que prejudicou e induziu a pessoa a erro, falo.

Claro que certamente vocês pensarão “Mas isso é problema dos dois” ou. Bem, quando alguém sacaneia uma pessoa que eu gosto, o problema passa a ser meu também. Se a pessoa permanece no erro, não sabendo que foi vítima de uma desonestidade, não serei eu a guardar essa informação e corroborar para que esta pessoa continue no erro. Me sentiria cúmplice de uma mentira que pode prejudicar meu parceiro.

Provavelmente vocês também pensarão: “No que isso importa se não estão mais juntos?” Às vezes isso importa sim, não raro pessoas que terminaram são obrigadas a manter contato, seja por trabalharem juntas, seja por terem filhos juntos, seja por terem negócios juntas ou seja pelo motivo que for. No cu que eu deixo uma pessoa que eu gosto convivendo com uma pessoa sacana, baixa e mentirosa de braços cruzados. Se a convivência continua, aí é que tem que contar mesmo, sob pena de ser cúmplice de uma mentira que prejudica seu parceiro.

Vocês acham que o Somir iria continuar um blog comigo por nove anos, trabalhar comigo na vida pessoal e tocar tantos projetos que temos se eu tivesse sido baixa e enchido a cabeça dele de chifres? Provavelmente não. Provavelmente ele não teria confiança em mim e ia querer distância de uma pessoa que traiu sua confiança desta forma. Ninguém quer (nem deveria querer) por perto alguém que te sacaneia pelas costas e, pela frente, jura que não fez nada. Gente assim é tóxica, é mentirosa, é egoísta e não merece ser tratada do mesmo jeito que uma pessoa que sempre teve consideração por você.

Uma pergunta muito importante: se fosse seu melhor amigo(a) a ser traído, você contaria depois que o relacionamento terminou? Eu contaria assim que descobrisse, para que a pessoa não se esforce para tratar a outra com extrema consideração e tome todas as suas decisões daí para frente baseadas na verdade: ela foi sacaneada, esta pessoa que sacaneou não merece sua consideração. Se você conta para seu melhor amigo, me parece um tanto quanto contraditório não contar para o homem que ama.

“Mas a pessoa pode pensar que você está com ciúme”. Pode sim, a pessoa pode pensar tudo. Se uma pessoa que está em um relacionamento comigo, me conhecendo bem, pensar que eu tenho uma motivação egoística para inventar uma intriga mentirosa, sinceramente, quem não quer estar com a pessoa sou eu. Tremenda falta de confiança se a pessoa pensar assim, né? Se a negação é mais forte a ponto de me jogar como vilã da história, sinceramente, lavo minhas mãos, mereceu cada chifre que levou e provavelmente levará muitos mais na vida, pois é isso que acontece com gente assim.

História real: casal se separa depois de muitos anos juntos tendo a pendência de um financiamento de um imóvel que estavam pagando juntos. Ela traía ele de forma regular e bem baixo nível, mas bem baixo nível mesmo. Ele não tinha ideia de que isso acontecia. Quando se separaram, por consideração a ela, que ganhava muito menos do que ele, ele quitou o financiamento e deixou ela ficar com o apartamento, afinal, ele achava ela uma pessoa legal que merecia isso. Poucos meses depois, ele descobriu a traição e, além de se sentir o maior otário do mundo, se arrependeu mortalmente do que fez e brigou com todos os que sabiam e o deixaram fazer esse papel de idiota. Esse evento me ensinou que calar não é educado, calar é covardia.

Então, sim, a pessoa tem que saber que foi sacaneada pois nunca se sabe quando ou como a vida dos exs vai se cruzar novamente, principalmente se eles ainda são obrigados a conviver. Se você quer bem a uma pessoa, não a deixa no escuro, permanecendo no erro, com uma falsa impressão de alguém. Não importa se é o chefe, o amigo, o vizinho ou a ex, eu aviso sobre qualquer pessoa que sacaneia quem eu amo e que demonstra não ter um pingo de caráter, a menos que me seja pedido expressamente o contrário. Eu faço a minha parte, praticando o que acho correto e o que eu gostaria que fizessem comigo. Se a pessoa não confiar em mim, bem, melhor que vá mesmo. De preferência para a puta que pariu, bem longe de mim. A vida se encarrega de gente assim.

Contar esse tipo de coisa não é fazer fofoca, é dar todos os subsídios para que a pessoa tome decisões mais assertivas na vida. Nada pior do que tomar decisões sem conhecer toda a realidade e depois se sentir com duas orelhas de burro na cabeça, vendo que todos sabiam e, covardemente, para não correr o risco de se indispor, ficaram calados. Eu ficaria extremamente puta se a pessoa que eu gosto deixasse isso acontecer comigo.

Não se trata de ter raiva de ex, não se trata nem ao menos de problema com ex, estamos falando de alertar o parceiro sobre qualquer pessoa que tenha sido desleal com ele e o tenha sacaneado, traído sua confiança, se comportado de forma baixa. De forma genérica. Qualquer pessoa, inclusive ex, porque não? Vou estabelecer categorias de pessoas às quais eu vou acobertar por medo disso se voltar contra mim? Mas de jeito nenhum! Verdade, sempre. Se eu preciso mentir ou omitir para manter um relacionamento, nem eu quero esse relacionamento para mim. Trabalhamos com confiança, cumplicidade e companheirismo.

Além disso, um plus: mulher não gosta de homem banana. Com o tempo, mulher perde a atração por homem banana. Na boa? Não dá para ficar com um sujeito e respeitá-lo vendo ele tratar a pão de ló uma mulher que encheu a cabeça dele de chifre, se portando de forma muito desrespeitosa e baixa. Sem admiração e respeito, relacionamentos morrem. Não contar e deixar o cara continuar tratando a ex como se ela fosse uma ótima pessoa é a certeza de ir perdendo o respeito e a atração por esse homem.

Não seja cuzão ou cuzona de sonegar uma informação dessas, principalmente se o seu parceiro ainda tem que conviver com a ex e muito menos por medo de como isso pode respingar em você. Faça a coisa certa, medo nunca tem que ser motivo para uma tomada de decisão, o motivo tem que ser sua consciência, seus valores e seu caráter.

Para dizer que prefere salvar seu rabo do que alertar a pessoa que você ama, para dizer que quem leva chifre sempre tem condições de saber e apenas não lê os sinais ou ainda para dizer que o melhor mesmo é nunca descobrir chifre algum de ninguém: sally@desfavor.com

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Comments (6)

  • Complicado comentar isso, embora eu sempre prefira a verdade, mesmo que doa pra valer. Aliás, essa discussão me lembrou daquele filme “Closer – perto demais”, que é um retângulo amoroso esquisito lá e uma revelação de chifres pra lá e pra cá com diálogos intensos e que só causam dores entre os interlocutores envolvidos.

    • Sem dúvidas, seria muito complicado. Mas também seria bem complicado viver sabendo disso e vendo seu parceiro fazer papel de otário diariamente, né?

  • Sério que vcs comentam dos relacionamentos passados pro atual? Eu nunca conto nada, muito menos se foi chifre. Acho que não tem nada a ver e não gostaria de saber. Vai ver tenho ciúmes, sei lá…

  • Questão complicada essa, viu? Muito complicada… Mas acho que, numa situação real, eu agiria como a Sally porque, como ela, valorizo muito a verdade – ainda que dolorosa ou desagradável – e sempre quero o bem das pessoas de que gosto. Só que não é nem um pouco fácil contar pra alguém sobre um chifre e tampouco conviver com as conseqüências dessa revelação.

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