Parceiros, parceiros…

A polêmica sobre trabalhar com quem se relaciona existe faz tempo, mas Sally e Somir vão além nessa análise de compatibilidade, para saber se currículo conta na manutenção de um namoro ou casamento. Os impopulares se candidatam.

Tema de hoje: o que é melhor, um parceiro que trabalhe na sua área ou um que seja de uma área totalmente diferente?

SOMIR

Na dúvida, é melhor estar com pessoas compatíveis. Trabalhar na mesma área não garante isso, mas com certeza facilita. Compatibilidade prévia, atual e futura, inclusive. Evidente que ninguém deve escolher uma parceira por causa da profissão (a não ser que seja banqueira e modelo nas horas vagas), mas se estamos comparando os casos, existe mais tranquilidade e previsibilidade em profissões parecidas.

E perdoem-me os românticos, mas tranquilidade e previsibilidade batem qualquer outra coisa em termos de manutenção de um relacionamento feliz. A vida já cobra muito caro em diversas outras áreas, não vale a pena chegar em casa e ficar tendo surpresas. Quanto mais você entende a rotina e os objetivos da pessoa amada, mais fácil amar ela. Porque no final das contas, relacionamentos são coisas práticas, que precisam ser trabalhadas no dia a dia e focadas em redução de problemas. Com envolvimento emocional, tudo fica mais pesado, então… ou você simplifica a rotina do relacionamento, ou ele tem tudo para te atropelar.

Então, vamos pensar nas vantagens de estar com alguém que trabalha na mesma área que você nesse sentido: inicialmente, já é uma pessoa que sabe o que você faz, como funciona o mercado onde você está inserido, as responsabilidades, as dificuldades e até mesmo o quanto se ganha em média. A pessoa tem todas as informações necessárias para escolher dividir uma rotina com você desde o começo. E se ela topou, é porque sabe o que vem pela frente. Uma médica sabe que um médico não tem tempo pra quase nada, uma artista sabe que um artista trabalha baseado em inspiração, uma vendedora sabe que um vendedor vive pressionado…

Tem coisas que vem no pacote de uma profissão, e por mais que tenhamos uma ideia do que outras exigem da pessoa, nunca é a mesma coisa do que viver isso na pele. A empatia do conhecimento de causa é extremamente maior. Está namorando com uma pessoa cuja profissão demanda quase todo o tempo disponível dela? Boa sorte não se sentindo abandonado(a) se não estiver vivendo o mesmo problema. O racional sabe, mas o irracional não consegue perdoar se tiver tempo livre o suficiente para ficar remoendo isso. Um casal com tempo livre muito desproporcional fatalmente vai cair em brigas sobre atenção.

E tem o tipo de mente também. Bacana ter amigos e amigas que te trazem perspectivas diferentes do mundo, mas em casa, na doce guerra de atrição do dia a dia de um casal? Faz bem ter alguém que te entenda e saiba enxergar o mundo por uma ótica mais “útil” para seus problemas. Sim, muito bacana quando uma pessoa mais artística traz uma solução para uma pessoa mais lógica ou vice versa, mas já pararam pra pensar a quantidade de vezes onde essa mistura dá em nada na média? Existe um motivo para pessoas numa mesma profissão pensarem de forma mais ou menos parecida: porque a mecânica do pensamento delas contribui com mais frequência para a resolução dos problemas encontrados. No dia a dia, um artista plástico mais encheria o saco num escritório de engenharia do que ajudaria, é alguém que simplesmente não entende o básico do trabalho e não está treinado a pensar daquela forma, não tem o conhecimento necessário.

Relacionamentos são sobre repetição, sobre continuar se beneficiando da parceira dia após dia e construir algo maior. Duas pessoas que pensam de forma muito diferente e tem habilidades muito distintas não vão concordar sobre o projeto geral. Quando se contrata uma pessoa com habilidades muito diferentes das habituais para um projeto, ela sempre entra como consultora. Não como peão de obra. É justamente para evitar repetição! Então, pense bem em como você enxerga um relacionamento: como algo mágico que exige novidades constantes e projetos eternamente maleáveis, ou como algo feito para ser sólido e dar base para duas pessoas crescerem juntas.

Mais uma coisa: especialmente nos dias atuais, a esfera do trabalho é um dos grandes pilares da vida. Muita gente inclusive já colocou família e relacionamentos em segundo lugar. Está cada vez mais difícil achar alguém que coloca sua profissão muito atrás do resto. E muita gente nem quer achar alguém assim, afinal, alguém com foco em família ou relacionamento vai te cobrar muito mais do que você escolheu deixar para segundo plano. Se você tem trabalho como prioridade (basicamente todos os homens tem e as mulheres estão alcançando rapidamente), vai querer formar um time forte em casa.

Alguém que conhece sua área pode te dar dicas muito mais valiosas, pode dobrar a capacidade de pesquisa, pode trazer novidades bem relevantes. E vocês podem até trabalhar juntos em projetos do casal. Sempre bom ter algo em comum para cultivar numa relação, se for algo que vai trazer dinheiro para o casal ainda por cima, por que não? Abrir um negócio, tentar uma promoção, conseguir um emprego novo, tudo mais fácil quando se tem uma pessoa que já entende como as coisas funcionam do seu lado.

Quer dizer que é a única forma de um relacionamento moderno funcionar? Claro que não. Mas podendo, pegue todas as vantagens que puder.

Para dizer que eu só digo isso por não ter personalidade, para me chamar de morto por dentro, ou mesmo para dizer que o melhor para tudo é nascer rico: somir@desfavor.com

SALLY

O que é melhor, um parceiro que trabalhe na sua área ou um que seja de uma área totalmente diferente?

Pessoas de uma área diferente são mais enriquecedoras e, de quebra, se evitam comparações, competitividade e monotonia.

Se você presta um mínimo de atenção na pessoa com a qual se relaciona, pode acrescentar muito se relacionar com uma pessoa que tenha uma profissão, atividade ou ofício diferente da sua. Todo mundo tem algo a nos ensinar. Não me entendam mal, se você casou com um cirurgião, não vai poder sair operando pessoas por causa disso, mas certamente o mindset daquela pessoa vai acrescentar coisas a você.

A forma de pensar, a forma de concatenar ideias e até de ver o mundo pode ser muito influenciada pelas atividades que você exerce. Muitas vezes um ponto de vista mais racional, mais emocional ou mais detalhista acrescenta e ajuda a te tornar a outra pessoa mais completa.

Já conversamos muito aqui sobre como quanto mais variado for o input, melhor será o output, ou seja, quanto mais variadas forem as informações às quais você é exposto, mais capacidade criativa e mente aberta você terá, o que é fundamental para solução de problemas e para uma visão ampla da vida. Assim, conviver com uma pessoa que trabalhe em algo diferente daquilo que você faz te ajuda a se tornar uma pessoa mais criativa e inventiva.

Existe também a questão da complementariedade. Diferentes capacidade, aptidões e personalidades (desde que não sejam incompatíveis entre si) tornam a relação mais rica, onde um complementa o outro, um aprende com o outro. É comum que certas funções ou profissões, pela sua exigência, afetem a personalidade dos profissionais: engenheiros costumam ser mais disciplinados do que músicos, pilotos costumam ser mais perfeccionistas do que antropólogos. E certamente uns tem muito a absorver dos outros, para tentar encontrar um ponto de equilíbrio, tornando todos mais saudáveis.

Já vi gente dizendo preferir alguém da mesma área para ter com quem trocar uma ideia. Ora, para conversar sobre o seu trabalho você tem colegas de trabalho, fóruns de discussão, redes sociais específicas, cursos, workshops. Não há necessidade de coabitar ou se relacionar com alguém da mesma área para ter com quem fazer esta troca. Porém, dificilmente você vai fazer um curso ou workshop em outras áreas, assim, no meu entender, acrescenta mais um ponto de vista diferente do que alguém para debater problemas de trabalho.

Aliás, conselho: deixem os problemas de trabalho no trabalho. É uma cilada ficar debatendo isso com o parceiro. Além de ficar monotemático (trabalha o dia todo, chega em casa e continua falando de trabalho?) enche o saco. O casal periga não investir nele ou na afetividade se criar uma rotina de continuar discutindo trabalho em casa. Que seu parceiro ou parceira seja um companheiro para a vida, não um consultor profissional.

Outro porém: é possível que, trabalhando na mesma área, o caminho de vocês se cruze de forma a que um saia prejudicado, como por exemplo, competindo por uma mesma vaga. Situação complicada e difícil de lidar, até mesmo para as pessoas mais bem resolvidas.

Outro porém: um distanciamento profissional faz bem para a relação, até mesmo no que diz respeito à paz de espírito. Quem é médico sabe a putaria que acontece em plantões, talvez não tenha a mesma paz de espírito se seu parceiro(a) tiver que dar um plantão. Um pouco de ignorância protege. Nem sempre é legal ter ciência de tudo, absolutamente tudo, que se passa no local de trabalho do parceiro.

Além disso, trabalhando no mesmo meio, é normal ter muitos amigos em comum. Isso vira uma porta aberta para fofocas e mal entendidos, sem contar que, o casal tende a estar sempre cercado de pessoas que tenham mais ou menos o mesmo mindset que eles, formando um círculo social muito monótono. Grandes chances do casal começar a fechar cada vez mais a sua vida em torno do trabalho e que invista apenas naquilo que o trabalho demanda em matéria de habilidades.

Ainda tem a tentação de se meter a opinar no trabalho do outro quando se tem um alto grau de entendimento do que o outro está fazendo. Isso pode gerar atritos complicados de contornar, o ego é terrível. Também pode gerar mágoas e até decepções, quando você percebe que a pessoa não é tão honesta quando deveria ou que não trabalha tão bem quanto poderia e até mesmo começar a levantar desconfianças sobre a pessoa. De perto, bem de pertinho, nenhum de nós é 100% correto.

E nem quero cogitar a possibilidade de um acabar virando chefe do outro, pois isso é quase certeza de problemas. Já pensou morar com seu chefe? Já pensou seu chefe sabendo que você não está produzindo pois saiu para beber na noite anterior? Já pensou acabar mandando seu chefe tomar no cu como efeito colateral depois de dizer esta frase para o seu marido? Complexo…

Um plus: até para tirar os benefícios que a profissão gera a diversidade é melhor. O leque de conhecidos, de indicações e de benefícios são maiores com a diversidade. Uma esposa professora pode gerar uma bolsa de estudos para os filhos do casal, enquanto que um marido médico pode gerar consultas gratuitas de outros médicos para sua esposa. Não se trata de interesses e sim de um somatório de forças.

Cada vez mais acredito que o caminho é a diversidade e o equilíbrio. Dá para ter ambos mesmo trabalhando na mesma área, porém, acho mais fácil de alcançar se trabalharem em áreas diferentes. Evita alguns problemas e deixa a vida menos monótona e mais rica.

Para dizer que o deixa a vida mais rica é casar com político, para dizer que se conseguir um parceiro já está ótimo ou ainda para dizer que se o parceiro tiver uma profissão já está de bom tamanho: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Casamento não sei, mas peguete de trabalho ninguém merece! Depois tem q ficar fugindo pra não pegar elevador junto, ou vê o carro dele e fica lembrando da existência dele. Afff me arrependo amargamente :(

    • Dani, pior coisa se envolver com alguém do trabalho. Já tem desgraça suficiente no trabalho para acrescentar mais esse obstáculo. Mas se serviu para você aprender e nunca mais fazer, foi válido!

  • Nossa, o Somir tem uma visão tão utilitarista de relacionamento que as vezes chega a assustar. Nota: o Somir é taurino que me lembre? rs

    É um tema interessante a ser debatido, tendo a ficar com a Sally nessa enfatizando o seguinte ponto: equilíbrio. Acredito que tenha que se achar um equilíbrio em relação às profissões distintas, já que algo bem diferente e oposto um do outro talvez possa não dar liga. Tem que ter algum ponto de contato mínimo entre os envolvidos, pelo menos algum assunto em comum.

    Digo isso por que já passei por ambas as quatro experiências: 1) ou o sujeito era da minha área (letras) e a gente dava certo porque justamente conversávamos sobre as mesmas coisas, ou 2) a gente não dava certo justamente porque era chato conversar sempre sobre as mesmas coisas e rolava uma disputa de egos por sermos da mesma área; ou 3) o sujeito era de área diferente da minha, mas tão diferente que até os modos de pensar eram diferentes, não havia contato, não havia diálogo, não tinha como continuar com aquilo, ou 4) o sujeito era de área diferente da minha, mas havia diálogo, havia pontos de contato do qual eu me interessava pela área dele (eu curtia ajudar ele com cálculo e programação por exemplo ) e ele pela minha (ele lia Dostoiévski também, e passávamos horas juntos discutindo literatura).

  • Sinceramente é melhor se envolver com pessoas que sejam de outras profissões, falo por experiência própria. Na universidade tenho dois colegas de trabalho que são casados, é briga toda hora, eles levam para o trabalho problemas de casa, pessoais etc. O clima fica insuportável, além de constrangedor, e o profissionalismo vai pro ralo. Como a Sally disse, fica monótono, chato, e a competitividade e a cobrança são dobrados, o que afeta o relacionamento. Isso realmente desgasta o relacionamento e todas as pessoas ao redor. Um verdadeiro saco!

  • Já casei com pessoa da mesma profissão e olha, foi uma tristeza… Tão mais enriquecedor e menos estressante se relacionar com
    alguém de outra área…

  • Bons argumentos em ambos os textos , mas o q desequilibrou foi o fato de podermos desenvolver um projeto juntos . Pra mim (separada rs) A longo prazo um projeto juntos é um diferencial. Depois de um tempo pagando contas e resolvendo problemas do dia a dia tudo vai ficando sem sentido e chato. Quando se tem um projeto estamos construindo algo o q na minha humilde opinião foi o q faltou ao meu casamento. Então, mesmo q não seja exatamente a mesma profissão o mínimo de compatibilidade e um propósito em comum é importante .

      • Também concordo com isso, viu? Tendo a ver que é isso que “dá liga” pra uma relação duradoura. O curioso é que muita gente hoje parece desinteressada em querer investir numa relação em que haja um projeto, uma causa maior envolvida a longo prazo.

  • Gostei do tema de hoje, inclusive estava pensando em sugeri-lo.
    Tive um professor na faculdade que falava pra gente não casar com pessoas da mesma profissão pois ficaríamos sem assunto em casa, acabaríamos falando das mesmas coisas discutidas no trabalho. E aí citava outras profissões nas quais deveríamos buscar um cônjuge.
    Não me parece interessante, principalmente para quem tem filhos. As crianças tenderão a seguir os passos dos pais. Em vez de procurar seus próprios caminhos vão querer essa facilidade, às vezes até um nepotismo.

    Eu não entendi Sr. Siago Tomir querendo tranquilidade e previsibilidade.

    “É comum que certas funções ou profissões, pela sua exigência, afetem a personalidade dos profissionais”. Mas, Sally, não seria o oposto? As pessoas não escolheriam essas profissões exatamente por possuírem essas características?

    • Leona, acho que em parte a pessoa escolhe a profissão por aptidão sim, mas ela acaba acentuando o que já era uma tendência. Já saiu com um piloto de helicóptero ou avião? Só falta falar “check!” depois de cada atividade.

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