Mas que dia…

Era para ser uma homenagem ao Dia da Mulher, celebrado nesta quinta-feira. O McDonald’s deixou que 20 restaurantes do país fossem operados 100% por mulheres neste 8 de março. Nas redes sociais, muitos usuários entenderam que a rede de fast food usou uma forma equivocada de homenagear as mulheres: dando folga para os homens. LINK


Esse foi só um exemplo da forma no mínimo confusa como a publicidade lidou com o dia da mulher. Lacrar e pensar não coabitam o mesmo espaço mental: desfavor da semana.

SALLY

Quando sentamos para discutir o que postaríamos no dia da mulher no Desfavor tínhamos uma certeza: nas grandes mídias e redes sociais seria um festival de lacre, pois pega bem ostentar o lacre. Por mais que, na essência, produto algum seja feito para os Zé Lacrinho, que são esmagadora minoria da sociedade abertamente desconsiderada pelo mercado, ostentar um lacre de leve (sem coloca-lo em prática) virou tendência. É uma versão das cotas: não faz diferença no funcionamento do mercado, mas você coloca ali para parecer bacaninha.

Lacrar é fácil, você não precisa ser criativo, pensar em algo inédito, ousar ou se arriscar. É só pegar o discurso vigente de determinado grupo e reforça-lo. Depois basta jogar no meio desse grupo, para que ele te divulgue. Bem, foi isso que achamos. Mas pelo visto, a incompetência nacional dá as caras até mesmo na hora de fazer o óbvio: marcas grandes tentaram lacrar neste dia da mulher e se foderam de verde e amarelo. Sim, estamos rindo, mas também conseguimos ver o desfavor que desdobra daí.

Grandes empresas não contratam Zé Lacrinho, pelos mais diversos motivos. Você pode ter certeza que campanhas publicitárias de grandes marcas não são feitas por esse tipo de gente. São feitas, em sua esmagadora maioria, por homem hetero e branco muito bem remunerado. Então, quando querem tentar parecer descoladas, as cabeças pensantes por trás dessas marcas tem que emular um comportamento que não lhes é natural. Não parece difícil, certo? Sobretudo quando falamos de um comportamento tão clichê e padronizado. Mas ainda assim, fizeram uma tonelada de bosta.

Algo básico, muito básico, não conseguiu ser colocado em prática: reforçar um discurso mais do que estereotipado. Isso desdobra em dois desfavores: a incompetência dos profissionais brasileiros e a burrice do público que entende isso como um “deslize” e não como “a publicidade é feita por pessoas que não lacram tentando fingir que lacram, é tudo uma grande mentira, nunca mais acredito em nada do que uma propaganda me diz”.

Era fácil. Era muito fácil. É quase que uma receita de bolo agradar ao povo de Lacreland. Nos EUA, por exemplo, o Mc Donald´s inverteu aquele M que é o símbolo da marca em suas lojas, para que vire um W, em homenagem a Woman (mulher em inglês). Bacana, simples, divertido. Não acrescenta em nada, mas o lacre nunca acrescenta em nada mesmo, portanto, agradou. Já no Brasil…

Os gênios que defecaram esta campanha acharam bacana colocar um cartaz em diversas lojas avisando que, em homenagem ao dia da mulher, toda a equipe daquela loja seria feminina. Não é muito óbvia a mensagem que isso passa? Homens de folga em casa enquanto mulheres fritam batata. Talvez tenha sido proposital, para conseguir mídia. Se foi, outro erro medíocre, uma empresa desse porte pode conseguir mídia de forma muito melhor, não jogando seu nome na lama: foram criticados pela turma do lacre pelo politicamente incorreto e pelas pessoas normais pela burrice. Em resumo, conseguiram desagradar a todo mundo.

A empresa esclareceu que não deu folga para os funcionários homens, apenas remanejou os funcionários entre suas lojas, para assegurar que algumas fiquem só com funcionárias mulheres. Continua sendo desfavor. Mulheres que trabalhavam em unidades próximas às suas casas tiveram que se deslocar para unidades mais distantes. Equipes que trabalhavam em perfeita sintonia tiveram que se ajustar a novos membros temporários. Ainda passa uma imagem polarizada muito deprimente de que para homenagear mulher tem que tirar homem de cena. Um desastre. Quando uma marca grande, que paga uma fortuna para publicitários, passa uma vergonha massiva como essa em redes sociais, é hora de trocar de agência.

Gringo também deu vexame, em menor quantidade, mas deu. Falemos da Mattel, fabricante da boneca Barbie, que acordou com vontade de lacrar e lançou uma homenagem às mulheres que a marca considerou empoderadas, com o slogan “Mulheres que inspiram”. Só esqueceram de combinar com os responsáveis pela imagem destas mulheres… Por exemplo, a família da pintora Frida Kahlo está tiririca da vida e jura que a imagem dela está sendo explorada sem autorização.

E a polêmica vai além dos direitos de imagem. A sobrinha-neta de Frida, que é a detentora de seus direitos de imagem, disse que “Gostaria que a boneca tivesse mais os traços de Frida, ou seja, que não saísse uma boneca com olhos claros, que tivesse monocelha, que representasse tudo o que representava minha tia: a força… Que represente o México, que seja uma Frida, um estandarte do que é o México”. Lá lá lá lá lá… foi lacrar e se fodeu Mattel!

Para quem ainda desconfia que empresa quer publicidade, ainda que negativa, vamos falar de um caso que não veio de uma empresa, veio do Poder Público. Em Curitiba, acharam que seria oportuno pegar dinheiro público e colocar cílios nos semáforos. Isso mesmo que você leu, pareciam ciclopes com conjuntivite (era no da luz vermelha). Tanta coisa útil poderia ser feita com esse dinheiro para ajudar mulheres… Mas esse misto de incompetência com falta de bom senso que brasileiro tem não sai nem com reza braba.

Confesso que no final das contas, estou torcendo pelos cílios, pois apareceu uma socióloga para problematiza-los, dizendo que “É um cílio estilizado. Um olhar feminino maquiado e sensualizado. Como se a mulher tivesse obrigação de, além de dar conta de uma infinidade de coisas cotidianas, ainda tivesse que estar bela e maquiada, dentro de uma norma”. Pronto, me fez torcer pelos cílios. Ou seja, tem filho da puta lacrando errado e filho da puta criticando o lacre errado pelos motivos errados. Tão Brasil…

Não é como se a padaria da esquina tivesse errado a mão no cartaz que anuncia uma promoção. Agências brasileiras renomadas, com profissionais contratados a peso de ouro fizeram uma tsunami de bosta neste dia das mulheres. Isso me leva a uma reflexão: ou os melhores profissionais do país são uma bosta ou os profissionais que alcançam o topo do mercado não são os melhores do país e sim os que tem melhores contatos. Em ambos os casos, um tremendo desfavor.

E não estamos falando só do publicitário infeliz que fez estas campanhas merdas, estamos falando de uma infinidade de pessoas pelas quais este material passou antes de ser jogado ao público e que não tiveram a sensatez de falar “vai dar merda, tá escroto, tá cagado”. Isso me leva a crer que além de faltar competência, falta um mínimo de bom senso em pessoas que detém cargos importantes e de poder. Uma coisa é você querer ousar remando contra a maré, perder a mão e tomar um pau, como aconteceu comigo no texto sobre o lado negro da gravidez, outra é você levar um pau nacional quando estava tentando remar a favor da maré. Tão de parabéns por esta proeza!

E, para terminar, não vi uma única marca tentando remar contra a maré. A maioria não tentou lacrar nem tentou ousar, ficou ali, naquela paumolescência de sempre, em uma zona de segurança medíocre. É menos grave do que os Imbecis Master que conseguiram a proeza do lacre sair pela culatra, mas, ainda assim, desfavor.

Na boa? Lacrar é fácil e nem isso estão conseguindo. Quem dirá fazer uma quebra de paradigma, ter culhões e botar seu cu na reta trazendo ao público algo completamente oposto ao que vem sendo oferecido… nem tão cedo. Os agentes de transformações sociais tem que ser corajosos, ousados e destemidos. Não vejo gente assim neste país, senta que lá vem décadas de estagnação social, pois ninguém tem coragem nem de abrir portas, quem dirá derrubar uma porta na porrada.

Para dizer que está rindo dos lacre-fails, para dizer que, assim como o sabão em pó Omo, vão aprender sua lição e nunca mais tentarão lacrar ou ainda para dizer que você consumiria um produto com publicidade sincerona: sally@desfavor.com

SOMIR

Na posição de alguém que tem que decidir como várias empresas se portam no dia das mulheres e em tantas outras datas comemorativas de cunho mais politizado, desenvolvi um desgosto profundo pelo conceito. A primeira pergunta que me vem à cabeça é: essa empresa faz alguma coisa no resto do ano para bancar essa atitude? Porque se não faz, eu não quero as pessoas ligando a imagem da empresa e a imagem do dia das mulheres no mesmo pensamento. É forçação de barra e até um risco desnecessário.

Vejam bem, uma empresa existe para dar lucro, tirar mais dinheiro do mundo que coloca. Empresas normais podem agir de formas admiráveis e ajudar muitas pessoas, mas nenhuma delas existe com esse propósito. Tem que gastar 1 e ganhar 2 no final das contas. Se não fizer, demite todo mundo e fecha as portas. E quanto maior a estrutura da sua empresa, maiores as chances dela ter pisado na cabeça de alguém para chegar onde chegou. Pagar de bonzinho quando se está tentando vender algum produto e serviço incorre em diversos riscos. Escutar elogios de um vendedor não tem o mesmo peso de escutar elogios honestos, não?

Então, eu tento seguir a seguinte lógica: se a empresa fez por onde e merece tirar uma casquinha de uma data como o dia das mulheres, vá em frente. Se você só lembrou disso uma semana antes e pediu para a agência criar uma arte para a data, esqueça. Vai errar a mão ou mesmo só gastar dinheiro de divulgação com algo que não vai mudar nada pra você. Estamos usando a polêmica que o McDonalds criou com suas placas de equipe 100% feminina no dia da mulher, mas eles acertaram muito com um material que soltaram na rede social no dia anterior: uma arte dizendo que o dia da mulher seria um dia comum para eles, porque já tem igualdade de empregados e salários entre homens e mulheres em sua rede. Se fosse só isso, teriam mandado uma mensagem poderosa e ganhado muito respeito das pessoas que realmente pensam sobre o assunto. Justamente o que eu disse antes de “merecer” fazer pose na data por algo que trabalharam o ano todo para conseguir.

Mas, não tem como só fazer algo bem pensado na era do lacre. Tinham que fazer algo só para fazer barulho, vazio em significado e confuso na entrega, como é de costume da cultura do lacre. Cada vez que você tenta falar com esse povo do politicamente correto de rede social, você entra numa roleta russa de humores de pessoas com problemas sérios de autoestima e ignorância severa da realidade. Não existe agradar lacrador, porque lacrador fica feliz quando reclama, quando aponta o dedo e culpa o outro. É o modo como suas cabeças operam, e não adianta ficar teimando.

A única felicidade que o McDonalds deu para os lacradores foi no segundo que eles perceberam que poderia reclamar daquela placa. E eu nem estou discutindo a burrice estrutural da ação de marketing (porque foi isso), estou falando que não importa quão bem pensada ela fosse, só agradaria as feminazis e similares SE elas pudessem se vitimizar e criticar os outros. A gente fez várias piadas que pareciam infantis no nosso vídeo do dia da mulher, mas tem algo muito mais profundo ali: aquele povo está ficando cada vez mais feio, repulsivo e raivoso acreditando que lacrar é sua identidade. Isso deixa as pessoas presas nesse ciclo de rebeldia superficial contra a sociedade, e cada vez mais infelizes e ressentidas.

Sabe aquela pessoa mal-humorada num canto que não importa o quanto você tente animar, sempre reclama mais e põe defeito no que você diz? Esse é o estado do lacre atual. Se você tem uma empresa e quer vender coisas, não adianta ir falar com eles. Só vai apanhar, só vai se arrepender. E mesmo se acertar a mão, vai acabar lidando com um público que é essencialmente egoísta e não costuma ter dinheiro para consumir. De repente, a nossa sociedade cismou que uma minoria deslocada tem voz só porque berram mais alto que o resto (que tem mais o que fazer). E as empresas (e por sua vez a publicidade) caíram nesse conto.

Por isso que eu digo que não vale a pena tentar agradar esse público. O que não impede que uma empresa tente ser mais igualitária e esteja atenta às causas sociais, porque isso pode ser excelente para os negócios se bem administrado. Mas, desde que seja feito de uma forma inteligente e que chegue aos ouvidos certos: os de pessoas que não se odeiam tanto ao ponto de viver a vida em função de reclamar dos outros. O McDonalds tinha acertado no alvo com a campanha do dia anterior, mas não se aguentou e foi tentar dar algo para os lacradores. Porque são os lacradores que adoram a ideia de separar homens e mulheres para evitar problemas com assédio sexual e opressão em geral. Lacradores e muçulmanos, isso é, mas acho que o Mc estava mais focado no primeiro.

Empresas tentando demonstrar personalidade e opiniões muito claras sobre questões sociais são peixes fora d’água, pois tem que chamar muita atenção para o que fazem e por tabela viram alvos fáceis. Sem contar que ninguém esquece que elas estão lá para ganhar dinheiro. Mas, a tentação de finalmente acertar a mão com os lacradores parece nunca abandonar departamentos de marketing e agências de publicidade… nos vemos ano que vem, quando fizerem as mesmas bobagens.

Para dizer que adora quando dá errado e a empresa tem que se explicar, para dizer que quem anda com perdedor perde, ou mesmo para dizer que começou a pensar em como a vida dos lacradores deve ser péssima: somir@desfavor.com

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Comments (13)

  • Essa dos cílios nos semáforos aqui em Curitiba foi de lascar mesmo! Coisa inútil! Aliás, eu acho que já comentei isso uma vez aqui no desfavor: o que mais irrita, a meu ver, na “causa” feminista é que distorcem a teoria base (se pensarmos em Butler, Cristeva e afins…) e o movimento não é nada unificado. Tem as histéricas, as radfem, as mais lights, e sempre alguém reclama de algo diferente e ninguém nunca está satisfeito com nada. Fica difícil desse jeito!

    • Nunca vem nada de útil, né? Essas lunáticas raivosas nunca abrem um centro para ajudar mulheres vítimas de alguma coisa ou arrecadam fundos para elas. É sempre raiva, xingamento, sempre do contra.

  • E devemos nos dar por muito satisfeitos que não tenha aparecido um(a) filho(a) da puta arrombado(a) sarnento(a) problematizando pra cima da campanha gringa! Afinal, com o “M” invertido, teríamos WacDonald’s e, por uma forçação de barra monstro (já que essa corja adorar procurar pêlo em ovo – e acham!), o(a) referido(a) corno(a) poderia dizer que isso remete a “wack”, dentre cujos diversos significados temos “maluco”, “excêntrico”, “inferior” e “ruim”! Pronto! A campanha do Dia da Mulher do MacCancer’s diz que a mulher é ruim, é excêntrica, louca, inferior! Que absurdo! :-(

  • Isso me lembra a burrada que a Skol fez com a sua publicidade, rasgando as propagandas anteriores e inventando essas coisas nojentas do “comentário redondo” e do “comentário quadrado”. A cerveja já é fraquinha, mas vendia porque era divertido ver as analogias entre o descer redondo e o descer quadrado, num tempo (não muito distante) em que a cerveja era um pretexto para conhecer gente, de ambos os sexos.

    Hoje tudo virou ideologia – mas as pessoas continuam fugindo da discussão séria e reflexiva, porque não dá para ficar sendo objeto de doutrinação o tempo todo. Os lacradores, contudo, não perceberam isso, e continuam enchendo o saco de gente normal – e queimando o dinheiro de empresas que investem neles.

    Uma pena – para as empresas.

    • Ah, as empresas sabem que lacre não dá lucro. Tanto é que a esmagadora maioria não tem interesse em se meter nesse vespeiro. Vira e mexe um que outro publiciotário modernoso que acha que sua bolha social é o mundo dá uma cagada dessas, mas rapidamente o mercado se encarrega de lhe retirar voz.

  • Como diz o ditado: “Lacre não dá lucro”. Não sei de onde que essas empresas tiraram que fazer média com esse povinho é garantia de alguma coisa. Tentar agradar “lacradô” é algo impossível. O prazer desses FDPs é justamente reclamar e apontar o dedo. Não importa o quão “desconstruída” seja uma propaganda, sempre vão caçar algo pra dar piti.

    Um dia desses eu li uma entrevista em que o Washington Olivetto criticava justamente esse conceito de “empoderamento feminino” na publicidade. Virou mais um clichê, uma coisa “pobre”, algo que todo mundo faz. Talvez seja por isso que a maioria dos anúncios voltados pro publico feminino sejam tão chatos e previsíveis.

    No mais, empresa que tenta agradar esse pessoal tem mais é que tomar pau mesmo. Não tenho um pingo de dó.

    • Conversando com um publicitário conhecido aqui do Rio ele levantou a seguinte teoria: hoje em dia as pessoas vivem em suas bolhas, escolhem quem seguir em redes sociais, que linha editorial querem ler em notícias, etc. Isso cria uma falsa realidade e a pessoa acaba achando que o país todo pensa como ela. Aí vai e paga de Zé Lacrinho com a empresa dos outros e dá tiro no pé. Em resumo, é falta de noção de realidade…

  • “Mas esse misto de incompetência com falta de bom senso que brasileiro tem não sai nem com reza braba.”

    algumas linhas que resumem o país inteiro… e se for no Rio de Janeiro, pode multiplicar por dez em qualquer setor

    • Certamente, acho que o Rio é hoje o pior lugar para se morar de todo o Brasil (e olha que eu já morei em Salvador).

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