Perfeccionismo.

Ou, seu único defeito numa entrevista de emprego… o perfeccionismo comumente é considerado o impulso de querer fazer tudo da melhor forma possível. Pela própria raiz da palavra, uma pessoa perfeccionista deseja a perfeição: a ausência de erro e o sucesso retumbante em tudo o que faz, certo? Bom, talvez essa definição não seja lá muito… perfeita.

Vamos começar destruindo um pouco sua autoestima: eu aposto que a maioria das pessoas que estão lendo este texto em algum momento já se consideraram perfeccionistas. Eu sei que eu já fiz. É o tipo de palavra, que apesar de dar uma travada na língua de tempos em tempos, vive querendo sair pela boca. Vou apostar de novo que o momento mais comum para você se pegar dizendo que é perfeccionista é justamente quando está frustrado por ter feito algo errado, não é mesmo?

Se uma pessoa perfeccionista é uma que precisa fazer tudo muito bem feito e não se contenta com resultados fracos ou mesmo medianos… faz sentido alguém que vive fazendo besteira como eu ou você usar esse nome para se definir? Se vamos tratar o perfeccionista dessa forma, tem lógica acreditar que uma pessoa realmente comprometida com a perfeição não vai parar por nada até alcançar seu objetivo. Custa bem caro ser assim.

E… vamos ser honestos? A maioria de nós não está pagando esse preço todo para viver não. Pode ser uma academia que você fica se prometendo fazer por meses, pode ser um curso para seu desenvolvimento pessoal que parece meio caro ou difícil de fazer, pode ser até mesmo arrumar aquele maldito armário bagunçado que sempre te incomoda pela manhã… o que não vai faltar são provas ao seu redor que se você fosse perfeccionista pela definição de quem só tem paz no coração quando faz tudo da melhor forma possível, você já teria pulado de uma janela em frustração.

Então, se é assim que você quer entender um perfeccionista, menos… bem menos. Pra ser perfeccionista dessa forma falta muito esforço e dedicação. Aliás, talvez esforço e dedicação demais para uma pessoa normal… até as pessoas mais raçudas e disciplinadas que eu conheço reclamam dessa sensação de nunca chegar no padrão de qualidade que queriam para si. Talvez seja uma questão de mudar a definição da palavra.

E se perfeccionismo for a característica da pessoa que acha que nada do que faz está bom? Isso faria as coisas encaixarem bem mais logicamente. Porque se essa for a explicação para o perfeccionista, aí sim as nossas vidas cheias de falhas e fracassos se integrariam com a ideia. Aí sim você não precisaria viver sua vida em função da perfeição e mesmo assim sentir esse incômodo ligado ao perfeccionismo. O meu ponto aqui é que perfeccionismo não depende do que você faz com a sua vida, mas do que você enxerga dela. Os fatos reais, as atitudes que você toma e o esforço que emprega na vida não te tornam mais ou menos perfeccionista. Na verdade, pouco ou nada tem a ver com isso.

Desenvolvendo: é comum se referir a pessoas que alcançam os níveis mais altos de performance e sucesso na nossa sociedade como perfeccionistas. Os atletas com as melhores marcas, os artistas com a obra mais reverenciada, os trabalhadores com os projetos mais premiados… parecem todos obcecados com a perfeição, e por tabela, parece que foi isso que os fez chegar onde chegaram.

Mas, pensemos com mais calma: um atleta perfeccionista encararia anos e anos de treino, resultados pífios no começo da carreira e as frustrações dos erros cometidos (todos ganham e perdem) se estivesse tão obcecados assim com nunca errar? Um artista perfeccionista teria coragem de expor suas criações para completos estranhos se não conseguissem pensar em outra coisa senão os defeitos das suas obras? Um arquiteto com essa característica nunca conseguiria finalizar um projeto, um advogado jamais faria uma defesa… quem se coloca a meta de perfeição está basicamente se impedindo de entregar qualquer coisa para o resto do mundo.

Na verdade, muita gente que faz sucesso faz justamente por ser cara-de-pau, entregando o que pode entregar a cada momento, sem medo de repercussões e críticas. Tem funkeiro ganhando em uma semana o que você ganha em dez anos, não tem? Só vai lá e faz. E se der errado, azar. E se o que ajuda essas pessoas for justamente a imunidade ao perfeccionismo? E se para ter a confiança necessária para fazer as coisas for necessário entender perfeccionismo como um defeito e não uma qualidade? Porque não vamos nos enganar, eu já abro o texto tirando sarro da resposta pronta de entrevista de emprego justamente por saber que na verdade, quando falamos que perfeccionismo é um defeito, falamos com segundas intenções.

Parece chover no molhado, parece o óbvio do óbvio, mas cada vez mais eu entendo como isso fica mal explicado na nossa sociedade: perfeccionismo é o problema que muita gente tem na cabeça para achar que nunca são boas o suficiente. Não é uma qualidade em nenhum ponto. Pessoas que fazem as coisas muito bem feitas e parecem ter energia para fazer dez vezes mais do que a maioria de nós faz na verdade são focadas em excelência. Em fazer bem feito e não ficar pensando de forma obsessiva nos erros que cometem. Porque errar é parte integrante desse processo de excelência. Para cada chute certeiro do jogador de alto nível, ele errou mil no treino. Só alcança excelência quem erra muito e aperfeiçoa o processo. São anti-perfeccionistas.

Digo mais, perfeccionistas passam mais tempo reclamando do que agindo. Desistem mais cedo das tarefas e acabam com uma performance pior do que as pessoas que aparentemente “não tem noção”. Um ciclo maldito de expectativas irreais desembocando em fracassos que só alimentam mais ainda o problema original. Uma coisa alimenta a outra e a pessoa fica perdida ali, sem saber como resolver a situação. Perfeccionismo acaba sendo pior ainda do que não ficar satisfeito com seus resultados, vira o combustível da falha.

Ter noção que pode fazer melhor é uma característica positiva. Autocrítica é essencial para nosso crescimento. Mas, perfeccionismo? Isso é problema de autoestima, e não ajuda ninguém. E quanto mais o tempo passa, mais perigoso é o mundo para quem tem essa característica. A pressão por perfeição numa sociedade tão focada na aparência da rede social e nos resultados profissionais, num mundo onde sempre tem uma câmera por perto e seus erros podem virar meme para o deleite de milhões de pessoas… isso é o inferno para o perfeccionista. Porque a pessoa fica se cobrando por cada errinho e ainda parece que a sociedade toda está de olho, esperando pela perfeição e punindo os que não alcançam.

E muitos dos males psicológicos da atualidade, o estresse, a ansiedade, a depressão e até mesmo a vontade de se matar estão muito ligados com o perfeccionismo. Estamos entupindo as pessoas de remédios ao invés de dizer que não faz bem ficar com essa sensação de que nada está bom o tempo todo. Não faz bem e não faz sentido. Muitas das coisas que você gosta são feitas do jeito que dá, num nível de qualidade minimamente aceitável; todas as pessoas que você ama são cheias de defeitos. O nível de qualidade que nos agrada nas relações pessoais, profissionais e até de consumo não é essa coisa toda não. O perfeccionista frequentemente se cobra um nível imensamente superior do que cobra de outras pessoas.

Seja achar divertido sair para comer um cachorro-quente tosco de esquina, seja escutar uma música bem ruim porque gruda na cabeça, seja querer estar por perto de uma pessoa que eventualmente te deixa puto da vida… temos várias provas também que existe vida no Planeta Imperfeito, e ela é totalmente aceitável. Perfeccionismo é um problema porque atinge a própria pessoa de forma desmedida, a faz acreditar que precisa mover mundos e fundos para conseguir ser admirada ou amada, e que qualquer errinho nesse processo vai ser o fim do mundo!

Dos que se acusaram como perfeccionistas no começo deste texto, quantos aqui tem memórias nítidas de quase todas as falhas e vergonhas que passaram pela vida? Que demoram pra lembrar ou mesmo reconhecer quando fizeram algo de bom e mereceram elogios? Existe um padrão nesse problema dos perfeccionistas: alçar a parte ruim ao estrelato e deixar a parte boa jogada na sarjeta, pedindo esmolas.

O que nos leva a outro problema, esse quase que paradoxal: o perfeccionismo desconecta suas falhas das ações e coloca tudo no que você é. Vira uma desculpa perfeita para ficar parado e não sentir vergonha pelas coisas que queria fazer, mas não consegue. Afinal, se não dá para fazer de forma perfeita, melhor nem fazer, né? Não é preguiça ou incapacidade (tem coisas que não somos bons pra fazer mesmo), é um padrão muito alto de qualidade. Sou da opinião que não existe nenhum comportamento humano que não traga algum benefício (mesmo que torto) para a pessoa: o perfeccionismo causa estragos na vida real, mas no mundinho da imaginação da pessoa, é um escudo contra os problemas inerentes ao fracasso. Quem não tenta não erra.

Eu não estou escrevendo este texto para te motivar a nada, nem mesmo para te dizer que está tudo bem se contentar com pouco, estou apenas querendo olhar para uma palavra de outra forma. Perfeccionismo não está numa zona cinza entre qualidade e defeito, na verdade é um problema muito comum entre as pessoas atualmente. Um problema que pode ser tratado de inúmeras formas, inclusive repensando por alguns minutos na definição da palavra.

E se eu errei algo neste texto, vou achar ruim. Mas, tentar não fazer um escândalo por isso… é um começo.

Para dizer que vem aqui justamente pra não ler esses textos, para dizer que o desfavor é seu cachorro-quente de esquina, ou mesmo para não comentar por achar que não tem nada de bom pra falar: somir@desfavor.com

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Comments (14)

  • Queria ter lido esse texto 10 anos atrás. Já fui acusado várias vezes de ser perfeccionista demais no trabalho, o que me faz ser muito, muito lento… porque fico me preocupando com detalhes que ninguém mais se importa.

    Acontece que trabalho num ramo em que a rapidez é a qualidade mais valorizada, montagem de estandes em feiras e eventos (inclusive tô comentando aqui pela primeira vez via celular porque tô numa viagem a trabalho, Movelsul em Bento Gonçalves). Tive que aprender na marra a entrar num modo mental diferente e sair “atropelando” e deixando pra lá tudo que é detalhe menor, mas se descuidar me pego de novo perdendo tempo com coisas pequenas, tentando fazer tudo certinho, quando o certo é fazer tudo rápido (e sim, é muito comum ter que escolher entre o “rápido” e o “bem feito”).

    Demorei pra me acostumar nesse sistema, mas acho que nunca consegui me adaptar 100%, porque mesmo fazendo as coisas rápido ainda fico pensando “é, ficou razoável, mas o certo era fazer de outro jeito…”

    • Eu conheço a sensação… você percebe horas depois que está com 10% do job perfeito e 90% todo cagado. Estou seguindo essa ideia para o trabalho atualmente:

      Rápido, bom, barato: Escolha dois.

  • Entrevistas de emprego vejo como um caso a parte, são poucos minutos para se “vender”, e, portanto, tentar arrumar alguma forma dos seus defeitos se tornarem qualidades para quem os ouve, e serem aceitos, mesmo que não sejam verdadeiros, o que torna o perfeccionismo um dos mais citados.

    O problema em autodefinir-se ou se autoelogiar, é visto como arrogância pela maioria, e a pessoa se autodepreciando faz o outro o ver de forma inferior, e que mesmo assim, como neste caso esta dita imperfeição (nem tão imperfeita assim), pode se tornar uma qualidade, ficando razoável para ambos.
    Sempre costumo usar uma frase que escutei por aí, eu não sou assim, eu estou assim.

    Tentar se superar é sempre bom, desde que seja uma cobrança sua (sem exageros), e não pelos outros, e claro não havendo comparações com quem quer que seja.

    Inseguros e insatisfeitos, acredito que a maioria seja desta forma, e o perfeccionismo seria somente mais um jeito exagerado de nomear isto.

    Juntamente com as afirmações:
    – Eu sou! Eu tenho certeza disso! Isso está ótimo!
    Logo após sempre haverá uma vozinha na cabeça: – Você é mesmo? Tem certeza mesmo? Está bom mesmo?

    • No entanto, rejeitamos no seguinte: quando o recrutador pergunta a alguém seu principal defeito, ele está mais preocupado em avaliar o defeito em si ou a capacidade de autocrítica do entrevistado? Será que quem já entrevistou centenas de pessoas não consegue identificar uma tentativa de autopromoção “disfarçada” tão comum?

  • Quem ja teve o desprazer de trabalhar com alguém da chamada geração millenial ou dos últimos anos da geração Y deve ter constatado que a vontade de ser perfeccionista (com segundas intenções) está entrando em extinção. Nao querem nada com nada, não se esforçam, não tem disciplina e são mimados pra caramba.

    Obrigada Somir pelo ponto de vista diferente e que faz sentido.

    Sally, sugestão de texto: millenials no trabalho: como lidar?

  • Vejo o brasileiro focado no perfeccionismo como “nunca errar”, o que gera uma expectativa irreal, pois somos humanos. Com o tempo, passam a usar o perfeccionismo como uma tentativa auto-elogiativa, partindo dessa premissa errada.

    Para mim, perfeccionismo está vinculado à jornada, não ao destino final: me esforçar para, naquele momento, dentro das minhas capacidades e possibilidades, fazer o melhor que posso. Se vai dar certo ou não, foda-se. O que vale é o empenho, o esforço, o investimento que fiz.

  • Adoro quando seus textos me fazem pensar e mudar conceitos, Somir!
    Nunca entendi porque o “perfeccionismo” era “O” defeito da entrevista de emprego, porque ia te fazer ser visto como alguém com bom perfil para a vaga. Sempre me incomodou! Agora faz sentido minha inquietação com isso!

    Muito legal, mesmo!

    • Foi a resposta clássica de entrevista que me fez perceber mais como a própria visão do perfeccionismo já está torta, com essa mentalidade, as pessoas nem tem chance de escapar dessa armadilha.

  • “Perfeccionismo é um problema porque atinge a própria pessoa de forma desmedida, a faz acreditar que precisa mover mundos e fundos para conseguir ser admirada ou amada, e que qualquer errinho nesse processo vai ser o fim do mundo!”

    Tá aí uma definição que se aproxima do neurótico (e mais especificamente do narcisista) na psicanálise lacaniana: nessa configuração o sujeito faz de tudo pra que o Outro goste dele, pra que o Outro note ele, pra que o Outro o admire, teça elogios etc. Mas pra isso o faz pelo processo inverso, quer dizer, tenta chamar atenção pra si a partir da desqualificação negativa, como se quisesse dizer pra todo mundo “olha, nada tá bom, mas tu pode me notar? Eu to aqui!”

    De acordo com a definição do texto, posso dizer que sou um tanto perfeccionista, com a diferença de que eu não a uso como desculpa pra não fazer as coisas. Aliás, é curioso a gente analisar como surge isso, como que a gente é criado desde pequeno com uma mentalidade do tipo “eu tenho que ser o melhor em tudo, ou então eu não sou nada, não existe meio termo”.

    • Tem muita cara mesmo de “doença de ego”, a pessoa indo no extremo oposto do incômodo real com a visão alheia criando um mundo alternativo onde ter valor é impossível, não só difícil. Conceitos absolutos resolvem muitos problemas momentâneos…

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