Profissão perigo.

No mercado de trabalho, algumas profissões recebem um estigma que contamina a visão que temos sobre as pessoas que as exercem. Sally e Somir representam ou já representaram duas das mais odiadas. Eles discutem quem merece esse estigma e os impopulares respondem ao anúncio.

Tema de hoje: quem é pior, publicitário ou advogado?

SOMIR

Pior é ser desempregado, seu bando de hippies imundos… mas, falando (mais) sério: por mais que os advogados levem mais fama, eu ainda acredito que publicitários tem muito mais potencial destrutivo para a humanidade. Talvez a mídia tenha te enganado ao ponto de você achar que advogados são esses monstros devoradores de decência e justiça, mas adivinha quem controla a mídia?

Advogados podem sim infernizar sua vida, sejam eles bons ou ruins no que fazem. Sally vai ter vários exemplos disso no texto dela, tenho certeza. Mas uma coisa que faz muita diferença nesse caso é o escopo no qual cada uma das profissões trabalha: advogados tendem a arruinar vidas diretamente. Publicitários arruínam gerações. Advogados trabalham caso a caso, e quando são uma força negativa nesse mundo, causam danos para uma pessoa por vez. Quando publicitários agem contra a humanidade, são possivelmente milhões de pessoas por ataque.

É mais ou menos como comparar uma pistola muito eficiente com um ataque de arma química. Sim, o advogado vai ser mais eficiente na hora de pegar uma pessoa específica, mas no quadro geral, é o publicitário que faz o maior estrago para o bem comum, além de deixar sequelas para várias gerações. Normal achar que advogados fazem mais mal, até porque eles não tem controle da narrativa social da mesma forma como a indústria da informação tem. Você pode até estar achando que eu estou confundindo publicidade com mídia/imprensa, mas… quanto mais você conhece a relação entre as duas áreas, mais percebe como a publicidade molda a informação que recebemos.

Antigamente publicidade era só avisar o público que um produto ou serviço existia, dizer que ele era bom e/ou barato. Mas ficamos melhores (e por melhores eu quero dizer mais escrotos) nisso com o passar dos anos. Desde o século passado, a publicidade começou a enxergar seu verdadeiro poder: influenciar hábitos e opiniões do público antes de tentar vender algo. Como vender desodorante para quem não acha que fede? Como vender um carrão para quem não se importa com status?

O caso que inicia o que se considera a era moderna da publicidade vem dos Estados Unidos do começo do século XX: para vender mais cigarros para mulheres, um psicólogo pra lá de inescrupuloso monta a estratégia de pagar para as revistas e os filmes da época para colocar mulheres cada vez mais magras em destaque, sugerindo um padrão de beleza mais esguio do que o vigente na época (tendência que se manteve). Ao mesmo tempo, lançam propagandas dizendo que cigarros ajudam a emagrecer (é de onde vem essa informação falsa), inclusive com suporte de inúmeros médicos que se venderam na cara dura. Funcionou como mágica: as mulheres começaram a se sentir gordas eventualmente e as vendas de cigarros para elas aumentaram imensamente.

Sem contar que isso lançou duas ideias que nunca mais saíram da mente da população média não só dos EUA como do mundo, até hoje. Alguns anos depois, um publicitário chamado Goebbels monta uma campanha enorme para dividir a população enquanto um certo Hitler vai ganhando mais e mais tração política na nação. Ao invés de vender o partido nazista como algo bom, vendem os judeus como algo ruim. Vender o negativo atravessa algumas barreiras de proteção natural que temos contra promessas alheias e fala com um lado da nossa cabeça que normalmente age de forma desinibida: o preconceito contra o diferente.

Não, publicitários não entram na sua vida e mexem com alguma coisa específica para te fazer mal, quando aprontam eles colocam ideias descaradamente estúpidas na cabeça de milhares ou milhões de pessoas que acabam moldando a forma como enxergamos a realidade. É mais fácil do que você imagina colocar uma ideia na sua cabeça se repetirmos o suficiente. Claro que na média a maioria dos publicitários não tem sequer poder para fazer uma campanha nessa escala, mas nessa mesma lógica, nenhum advogado tem esse tipo de alcance.

Na mídia, advogados (principalmente os de filme e série americanas) são fodões e dobram o sistema ao seu bel prazer. Na realidade, ganha quem tem mais dinheiro. Advogados podem ser excelentes no que fazem, mas se forem honestos estão presos pelos limites da lei e se forem desonestos por quanto dinheiro podem usar para subornar ou coagir outras pessoas. Tem sujeira no mundo da publicidade? Claro que tem. Mas as coisas funcionam, não tem um corrupto aleatório no meio do caminho para quebrar seus planos. Ainda mais no Brasil, advogados só podem te fazer mal se eles ou seus clientes tiverem mais dinheiro que você. Um publicitário merda de fim de mundo pode perpetuar algum estereotipo ou reforçar uma mensagem errada e ainda sim enganar qualquer um que não esteja preparado para lidar com ela. É fácil e relativamente barato comprar a imprensa em nome de uma marca, partido ou ideologia.

Porque tem isso também: o advogado chega até você com as próprias pernas, se você desconfiar dele, não vai poder te pegar de surpresa. O publicitário chega de forma mais sutil, disfarçado de informação ou entretenimento, em momentos que você não está com a mente em modo defensivo. Advogados são um animal peçonhento claramente demarcado pelas suas cores, publicitários são pombos que cagam doenças no seu reservatório de água. Sim, dá mais medo direto do primeiro, mas pelo menos da cobra dá para desviar.

E se você quiser continuar acreditando que advogados são piores, não tem problema, era o plano.

Para dizer que a pior profissão é jornalista, para dizer que a pior profissão é político ou mesmo para dizer que a pior profissão é ser puta: somir@desfavor.com

SALLY

Quem é pior: advogado ou publicitário?

Meus amores… publicitário é um anjo de luz perto de advogado.

Começa pelo público alvo, que ajuda a moldar cada profissional. O publicitário lida com todo tipo de pessoa que precisa de divulgação, geralmente empreendedores ou empresas. O que a pessoa busca é divulgação, ela está em um momento de vida bacana, querendo dar certo em algum negócio. Uma energia boa. Já advogado…

Geralmente quem procura um advogado não está em um bom momento de vida. Ou cometeu um crime, ou está se separando, ou está disputando algo com alguém. Você vê a escuridão no semblante das pessoas que estão na recepção de um grande escritório de advocacia. A pessoa está puta de estar ali e mais puta ainda de dar seu dinheiro para um advogado. Aquilo é um transtorno, não um investimento para a vida da pessoa. O dinheiro que ela vai pagar ao advogado não se reverte em nada promissor para a pessoa, apenas evita uma danação que poderia acontecer na sua vida.

O bom publicitário conversa com o cliente, para conhecê-lo melhor e tentar fazer um trabalho que tenha o perfil desse cliente. Cria laços, usa sua criatividade para gerar algo bacana para seu cliente, pode fazer a diferença na vida da pessoa, que deixa de ser uma birosca na esquina e passa a ser uma rede de franquias lucrativa. O advogado mal olha para a cara do cliente e está pouco se fodendo para como ele está se sentindo, ele é o mestre do juridiquês e vai fazer o que ele quiser, o cliente não opina.

O advogado é arrogante, é o dono da razão e faz o que é melhor para si. Se o cliente vai ganhar ou perder? Olha, o advogado recebe do mesmo jeito no final. Não há estatísticas contabilizando as derrotas ou vitórias dos advogados nos tribunais. Se uma causa é perdida, a culpa pode ser do juiz, de uma testemunha ou de quem se quiser culpar, afinal, é tudo tão esculhambado que resultados teratológicos são sempre uma possibilidade.

O publicitário tem que merecer o cliente. Se ele faz um trabalho ruim, o negócio do cliente não prospera e, se o negócio do cliente não prospera, o cliente fica sem dinheiro para pagar por publicidade. Pela essência do negócio, o publicitário precisa agradar ao cliente e gerar resultado. Não que sejam boas pessoas, geralmente não são, mas isso os obriga a socializar, ter um mínimo de empatia e se esforçar ao máximo para que seu trabalho renda bons frutos para o outro.

O advogado se esconde atrás do juridiquês, o cliente mal entende o que seu advogado está dizendo ou fazendo. Isso dá liberdade para que o advogado cometa todo tipo de abusos, desleixos e até sacanagens com o cliente. Ninguém o fiscaliza, nem mesmo a OAB, órgão corporativista que dificilmente pune quem paga sua extorsiva anuidade. O cliente fica vendido na mão do advogado, muitas vezes nem sabe o que se passa por baixo dos panos no seu processo.

O publicitário tem menos possibilidades de passar a perna no cliente, pois o que ele faz é mais explícito e mais compreensível. Seu trabalho fica exposto para o mundo. Um comercial, logo ou outdoor são vistos por todos, inclusive por outros publicitários, e podem ser avaliados constantemente. O resultado só depende dele: uma boa campanha gera mais lucro para seu cliente. Não tem juiz, promotor ou desembargador para ele colocar a culpa se der merda. Isso o obriga a ser mais correto e esforçado.

É preciso levar em conta também a hostilidade natural que já existe com advogados. Não é à toa que advogado tem fama de filho da puta. O cliente já vai desconfiado, puto, dificilmente se estabelece uma boa relação. Quem procura um advogado não o faz por opção, está sendo obrigado a isso. Dificilmente sai uma boa troca nesse cenário: pessoa puta, sendo obrigada a contratar os serviços de um grupo que notoriamente tem um enorme percentual de filhos da puta.

Publicidade, qualquer um pode fazer. Fica uma merda? Fica, fica uma bosta. Mas a pessoa nunca acha que o que ela produziu é uma bosta, logo, ela só procura um publicitário se quiser. O fato de não estar ali obrigada já faz a relação nascer mais saudável. O publicitário não pode fazer o que quiser, sambar na cabeça do cliente, pois se der na telha, o cliente vai embora, copia uma imagem do Google e faz seu próprio logo (cagado, mas faz). Esse respeito (ainda que forçado) do profissional pelo cliente os obriga a serem pessoas menos escrotas.

Além disso, pela natureza da profissão, o publicitário tem muito menos poder para prejudicar alguém. Fez um trabalho ruim? Bom, em breve o cliente vai sentir os efeitos graduais disso, pressionar e, se não tiver o resultado esperado, troca de profissional. Já o cliente do advogado, descobre que o trabalho foi mal feito quando seu filho vai parar na prisão ou quando ele perde seu imóvel. Não dá tempo de reação e as consequências são muito mais graves.

Esse manto que encobre o trabalho do advogado faz com que ele abuse, ele sabe que o cliente só vai descobrir que seu trabalho foi mal feito lá no final do processo, anos depois, com a sentença. Ele pode pedir dinheiro para gastos, taxas e coisas que não existem, o cliente vai dar. Falta de fiscalização gera abuso, desde sempre.

E, para finalizar, o publicitário tem uma ultimate trava que é: se tudo mais der errado e seu cliente o processar, pode dar muita merda e dor de cabeça. Adivinha se o advogado tem medo disso? Advogado é uma raça que faz o que quer, tem licença para ser escroto.

Vai por mim, trabalhei com advogados por 15 anos e hoje trabalho com publicitários. Publicitários são filhotes de Coala perto da corja jurídica.

Para dizer que pior de tudo é médico, para dizer que já já vem um Leôncio me xingar ou ainda para dizer que felizmente nunca precisou da prestação de serviço de nenhum dos dois: sally@desfavor.com

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Comments (22)

  • Eu sou advogada, posso dizer que o ambiente de trabalho dentro de um escritório não é dos melhores. A sensação que eu tenho é que o advogado é forjado no berço para ser como é. Logo no primeiro semestre de faculdade, é possível perceber um comportamento diferenciado: muitos narizes em pé, a pretensão de serem os donos da verdade e a certeza absoluta que o outro falou uma grande bosta, sobretudo se o outro não for do meio. De lá até conseguir passar num concurso público bom é ladeira abaixo. É claro que existem as exceções, mas no geral o meio é podre. :(

  • Se tivesse uma terceira opção, com certeza eu botaria Jornalista aí (principalmente se escreve pra grandes portais de notícias) e por motivos mais do que óbvios.

  • Um argumento invertido que pode ajudar na discussão. Ok, um mau advogado e um mau publicitario são péssimos e podem fazer muito mal. Mas, qual é o benefício de um bom advogado e de um bom publicitario? Para o indivíduo e para a sociedade? Como publicitarios são de forma geral inúteis para a sociedade, trazendo benefícios única e exclusivamente para o seu cliente, e advogados podem trazer um bem limitado a alguém que possa estar sofrendo algum tipo de injustiça, minha balança pesa levemente para o lado do Somir nessa discussão. Claro que os dois continuam dando ótimos adubos. E ainda bem que sou um cientista, que é uma profissão que ninguém liga e que pode continuar se achando a salvadora da humanidade nos momentos difíceis.

    • Um bom publicitário pode mudar vidas: convencer pais a vacinarem seus filhos, por exemplo. Quando o cliente é o Poder Público, as campanhas tem muito alcance.

      • Pela qualidade geral das campanhas do Poder Público, e pelo uso que se dá às verbas publicitárias por aqui (alô mensalão?), esse benefício é meio duvidoso…mas o ponto é válido. Precisamos de publicitários para lembrar as pessoas de como não morrer.

  • Nossa, isso é raro, mas hoje estou em cima do muro! Acho que individualmente o advogado é pior mesmo… pelo potencial de abuso contra o cliente mesmo. Mas o argumento do Somir me convenceu (olha aí o publicitário)… então não consegui me decidir hoje!

    Mas pior mesmo é atendente de telemarketing!

  • Forçada essa. Publicitários são uns artistas! Promover marcas e alavancar vendas não é pra qualquer um. No caso de advogados, a culpa é mais das leis brasileiras que fazem o crime compensar, do que deles próprios.

  • Se formos incluir na corja os promotores, juízes, procuradores, etc, não vejo qualquer ato de publicitário superar algo como: (a) alguém bancado por nossos impostos usar dos conhecimentos e segredos do Estado para vender-se ao mercado, como fez Marcelo Miller com a JBS (b) pior, fazer a mesma coisa, sem deixar de ser servidor, ou (c) algum adEvogado virar membro de (supremo) tribunal por facilidades como o quinto constitucional ou nomeação política, sem ter qualificação mínima para ter a prerrogativa sobre assuntos com implicações muito além da sua capacidade cognitiva, oferecendo a alma em troca para perpetuar privilégios gerações afora.

    • Pois é, mas esse grau de psicopatia só conhece quem está de dentro. Quem não é do meio sequer cogita que seja capaz um grau tão baixo de maldade e escrotidão. Não é imaginável, só vivenciando para saber o quão negro é esse mundo.

  • O mundo só será livre quando o último advogado for enforcado nas tripas do último publicitário.
    (frase atribuída a Voltaire)

  • Entendo o ponto de vista do Somir, porém… sofro com advogado paunocuzando praticamente todo dia, então… Advogados são piores.

    • É, eu também entendo o ponto do Somir, publicitários podem fazer muito, tem muito poder para mudar as coisas, etc. Mas isso seria lá um ponto positivo, no caso. Advogados são piores mesmo se a gente considerar o ônus e o bônus dos malefícios.

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