Começar um namoro não é só alegria, na verdade, pode ser bem difícil acertar os ponteiros com outra pessoa numa relação significativa como essa. Sally e Somir discordam sobre o quanto já ser próximo da pessoa simplifica o processo. Os impopulares relacionam as ideias.

Tema de hoje: é mais fácil ou mais difícil se relacionar com alguém que já foi seu amigo(a)?

SOMIR

Mais difícil. Vejam bem, não estou dizendo que é uma péssima ideia ou que vai dar errado, longe disso. Estou dizendo que é um grau de dificuldade um pouco mais alto adaptar uma relação de base racional para uma de base irracional do que já enfiar o pé na lama da passionalidade de uma só vez. Ter noção dessa complexidade e agir de acordo com ela vai te ajudar a enfrentar melhor os obstáculos e melhorar suas chances de fazer isso dar certo.

E por que eu falo de base racional para base irracional? Uma amizade é uma relação muito mais bem pensada, tanto na escolha da pessoa quanto na manutenção dela. Amizades são das relações mais resistentes que alguém vai ter na vida justamente por permitirem que seus participantes pensem mais no que vão fazer a cada momento e não ter um grau de exigência tão alto para ser mantida. Tudo isso com um bônus de carinho e tolerância com os erros alheios pra garantir que exista um gás extra para carregar a relação pelos momentos mais difíceis.

Já num relacionamento amoroso, o irracional entra com força. Especialmente no começo de tudo, não deixa de ser um salto no escuro iniciar uma relação tão próxima com outra pessoa sem saber como ela vai ser quando o emocional tomar conta. Passionalidade, possessividade, ciúmes, carências… tudo isso começa a aparecer, e frequentemente fora do controle de qualquer uma das pessoas envolvidas. O que vem do emocional costuma vir sem freios, independentemente da característica da pessoa: quem é mais expansivo coloca tudo pra fora imediatamente, quem é mais introspectivo começa a acumular a pressão internamente até que ela escape direta ou indiretamente.

Não estou dizendo que namoros são maluquice pura, existe sim o fator racional, mas ele não está mais no controle como estava numa amizade. E aí, fazer a transição é mais perigoso do que só começar vendo a outra pessoa com o emocional tão aceso. Aquela pessoa que já era próxima de você com o lado mais sereno e resistente da sua personalidade agora vai começar a mudar a forma de agir, porque é meio impossível não mudar. Sexo é um imenso atalho para o que há de mais passional dentro de nós, e quando a relação ganha esse novo fator, é um caminho sem volta.

Complicado manter serenidade quando tem tanto hormônio agindo. E complicado também remontar sua visão da pessoa com esse passar do tempo. Amizades podem ser muito próximas, mas nunca tão próximas quanto um namoro, com a convivência diária, o lado difícil da outra pessoa aparece com força. Claro que esse problema acontece se a pessoa era ou não sua amiga antes, mas quando era amiga… você tem uma base de comparação. De repente, aquela pessoa que era fácil de lidar e você achava que conhecia com a palma da sua mão começa a mostrar novos contornos.

E aí pode surgir uma dúvida: a pessoa sempre foi assim ou é algo que está acontecendo só agora? Será que foi algo que você fez? Se uma das características que você gostava na outra pessoa vai se desfazendo, mesmo que só nessa fase mais difícil de adaptação, fica mais difícil aceitar. Já era algo que você gostava por causa daquela racionalidade maior da relação, só que não parece compatível com a nova relação. Coisas como serenidade, habilidade de te dar espaço, sinceridade… tudo isso fica mais cinza quando os sentimentos entram em campo com força.

E falando em sinceridade: passado de mulher e cozinha de restaurante chinês… se você souber como é, não come. Essa piada que provavelmente vai enfurecer muita mulher (chata) tem seu fundo de verdade para ambos os sexos. Ninguém chega zerado de passado numa relação, todos passamos por outras antes, todos já fizemos coisas meio (ou muito) erradas. E quem costuma saber de tudo isso com os detalhes mais terríveis? Seus amigos.

O problema dessa transição é que a pessoa provavelmente vai saber de vários de seus podres, vai conhecer seus ex-namorados(as) e possivelmente tudo o que deu de errado nessas relações enquanto vocês mantinham contato. Como eu disse, todo mundo tem algum esqueleto no armário em suas relações prévias, sabemos que não existem santos por aí. Uma das maiores vantagens de começar um namoro com quem você também está conhecendo é ser protegido dos detalhes sórdidos de seu passado.

Traições, baixarias, sacanagens honestíssimas em geral… é comum que amigos ouçam a verdade sobre isso. E é humano levar isso em consideração ao lidar com uma nova relação. Se você sabe o que a pessoa fez, pode presumir o que é capaz de fazer com você. Existe uma certa inocência autoimposta sobre a personalidade da outra pessoa no começo da relação que nos protege de pensar muita bobagem. E isso é positivo: ficar pensando nas coisas que podem dar errado costuma ser uma forma de “profetizar” as coisas dando errado. Paranoia faz muito mal em qualquer relação.

Sem contar que de uma amiga você ouve algumas coisas que jamais ouviria de uma namorada, tanto em nojeiras e podrices em geral que estragam um pouco a imagem de uma pessoa sexualmente atraente quanto os interesses dela em outros homens (às vezes de forma bem explícita), o que é totalmente inofensivo numa amizade, mas dá um gosto ruim quando é um namoro. O que é ouvido não pode ser retirado. Você vai saber muito mais coisas sobre o que uma namorada jamais te contaria do que o saudável.

Repito: não é sentença de morte da relação. Mas complica as coisas. Tem que entrar numa dessas sabendo disso e pronto para gastar mais energia que o habitual para fazer essa transição. Com certeza é algo que não se faz só para quebrar um galho ou num desespero de carência… até porque se der errado, tem uma outra transição bem complicada de volta para amizade, SE a amizade ainda for possível depois de um término. Faça isso mal feito e você perde amiga e namorada na mesma pancada.

Para dizer que o melhor é não estragar amizade por nada, para dizer que não existe amizade entre homem e mulher, ou mesmo para dizer que primeiro precisa ter amizades: somir@desfavor.com

SALLY

É mais fácil ou mais difícil se relacionar com alguém que já foi seu amigo?

Tem prós e contras, mas, no saldo final, acho que fica mais fácil.

Uma pessoa que já era sua amiga antes te conhece. E se você vê justamente nisso o problema, bem, talvez você seja uma pessoa horrível, que precisa de alguém que não te conhece, para simular ser uma pessoa melhor e só assim conseguir emplacar um relacionamento.

Falo de camarote, namoro com amigo é a especialidade da casa. Eventualmente algumas informações excessivas podem causar um mal estar? Sim, acontece. Mas, considerando os extremos, prefiro isso. Melhor sobrar informação do que faltar.

Há duas pessoas em uma quando se começa um relacionamento: a pessoa que seu namorado aparenta ser no primeiro ano de namoro e a pessoa que seu namorado realmente é e vaza depois de muito tempo de convivência. É normal, as pessoas se esforçam para mostrar seu melhor no começo de qualquer relacionamento, mas não é possível manter este alto rendimento por muito tempo. Então, acho bacana poupar tempo de todo mundo e já entrar sabendo bem direitinho o que diabos tem ali.

O mesmo vale para mim. Acreditem, eu tenho zero filtro com amigos, um amigo meu que se arrisca a namorar comigo tem plena noção do que eu sou (e muito pouco discernimento… hahaha). Talvez seja a idade, mas eu estou permanentemente sem saco para conhecer pessoas novas, ter aqueles encontros estilo “entrevista de emprego”: o que você gosta de fazer nas horas vagas? Tem algum hobbie? O que tem lido? Ah, vá pra porra. Vem quem já conhece, que é mais fácil.

Ter uma amizade prévia dá um belo panorama do que a pessoa tem de compatível e incompatível com você. Já se entra sabendo exatamente para o que aquela pessoa presta: tem gente que é ótima para conversa, tem gente que é melhor na ação, tem gente que vai te ajudar a evoluir como ser humano, tem gente que tem barriga de tanquinho. Tem de tudo nesse mundinho cagado que a gente vive, e quando pescamos um amigo, o prato vem com a descrição já no menu, não precisa degustar para saber o que tem lá.

Se o elemento é meu amigo, supõe-se que alguma afinidade a gente tem. E olha, em se tratando da minha pessoa “alguma afinidade” é uma puta vitória, visto meu total desalinhamento com esses homens bichas-biscoiteiras da atualidade. A pessoa já sabe que pode e o que não pode esperar e está minimamente acostumada com meu jeito… errr… direto de falar. Um jeitinho peculiar que, segundo o Somir, se assemelha a um traficante carioca.

Ser amigo da pessoa é uma pré-peneira que facilita muito a vida nessas horas. É como assistir a um filme quando você já leu o livro antes: pode ter uma ou duas novidades que você não esperava no meio do conjunto, mas o básico você já conhece.

Sei que isso não é um argumento que valha para vocês mas… talvez vocês tenham um equivalente na vida de vocês que possam utilizar: namorar um amigo significa não ter que ter “A Conversa”.

Por sua vez, “A Conversa” significa sentar e dizer “olá, escrevo um blog que provavelmente vai te ofender em algum ponto, que me toma tempo pra caralho e que, pra completar, escrevo com meu ex-namorado, o que nos obriga a um contato diário”. Já passei por isso, não é agradável. Todo o primeiro momento “cool”, bem resolvidão do “sem problemas, confio em você” muda, em questão de meses, quando a pessoa vê meu grau de proximidade que isso me gera com o Somir e logo a coisa represa. Depois de uns meses transborda para uma constante de reclamações e teorias conspiratórias. Quero não…

Outro lado bom que facilita a vida é que você tem uma noção da história de vida de um amigo, do que o incomoda, do que o agrada, do que ele não tolera. Isso é importante, porque na maior parte das vezes, as próprias pessoas não se conhecem e não sabem te dizer ao certo o que querem ou não. Mas, quando você conhece a história de vida delas pode depreender: “Hmmm, Fulano foi estuprado por um Urso aos 12 anos, melhor não chamar ele para ver o filme do Pooh”.

Não parece, mas evitar o desgaste de aprendizado por “tentativa e erro” é um grande passo para que um relacionamento funcione. Tem mais “créditos” para emerdalhar tudo no futuro, quando a cabeça de um dos dois desgraçar do nada. Sim, a cabeça das pessoas sofrem desgraçamentos inexplicáveis que as deixam insuportáveis por alguns períodos. É bom ter créditos para essas horas. É bom não precisar pisar em uma mina e ela explodir na sua perna para saber onde não pisar.

Mas, o que talvez seja o principal ganho: amigo já vem com intimidade no pacote. Nada mais escroto do que aquele período inicial, onde pessoas fingem uma finesse que não tem, seguram o palavrão, sondam sutilmente quando querem saber algo. Tenebrosa essa fase onde todos se comportam como se estivessem no Palácio de Buckingham. Por favor, um relacionamento realmente começa quando você está usando uma camiseta do seu namorado, de meias, no sofá da casa dele, de rabo de cavalo, comendo pizza com a mão e rindo do quanto estava desconfortável no primeiro encontro. Antes disso é apenas o aquecimento.

Eu sempre disse aqui que gente deveria vir com manual de instruções. Pois bem, o mais próximo que eu consigo vislumbrar disso é se relacionar com alguém que antes foi seu amigo. O básico do funcionamento tá ali, é só dar uma dissecadinha em pontos que antes não te diziam respeito por não ter cruzado a linha da amizade.

Pois é, eu não sou essa pessoa que adora a fase de conhecimentos e descobertas, que gosta quando tudo é novo e desconhecido. Tô velha e quero evitar a fadiga.

Para perguntar se eu era amiga dos meus gatos antes de compra-los já que vou morrer sozinha com eles, para dizer que amizade entre homem e mulher não existe ou ainda para dizer que quem sobrou como amigo nesta altura do campeonato são apenas os muito feios: sally@desfavor.com

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Comments (10)

  • A depender do grau de amizade, outras etapas podem ser queimadas. Por exemplo, já saber de antemão como é e como pensa a família da pessoa. Se optar por namorar amigo é como se deparar com um prato que já vem com descrição do menu, conhecer a família é saber da procedência da mercadoria: se é orgânica ou foi regada com esgoto mesmo…

  • Mas Sally, e quando acabar? Aí você perde o amigo E o namorado.
    E espera aí… sem saco para conhecer gente para namorar mas com saco para conhecer gente para amizade?
    Olhem aí leitores: “alguma afinidade”! hahaha!

    Sei lá, eu acho que seria mais difícil… eu veria a pessoa como um irmão…

    • Quem disse que perco? Olha Somir e eu aí, fazendo blog e tudo juntos. Meus términos são civilizados.

      Nem tenho muito saco para conhecer amigos não, é que tenho vários amigos “já feitos”. Amizade geralmente nasce de forma espontânea, não tem essa coisa forma de alguém te chamar para um jantar, dar primeiro beijo, etc.

  • Olha estou com a Sally nesse , se relacionar com amigo é muito mais fácil. Nunca tive saco pra essa porcaria de ficar “impressionando” a outra pessoa, muito plastico. Acho que antes de serem parceiros as pessoas tem que ser amigos.

    • É um puta facilitador… Não estou dizendo que é a única forma de dar certo, mas que fica muito mais fácil, isso fica.

  • Bah , a maioria dos meus namorados sempre foram amigos antes (E, incrivelmente, eu chorava as mágoas com eles. Parece até “karma”).
    O ruim é manter amigos depois do namoro, especialmente se você terminou por uma bela duma cagada da outra pessoa.

    • Aí tem que ver o quanto a pessoa te preza.

      Fico besta com esses casais que eram amigos, que tinham uma coisa importante, e um deles faz uma puta cagada no final, cobrindo tudo de merda. Eu sempre tomei o maior cuidado quando a pessoa era importante para mim, de terminar com respeito, com carinho.

  • Pois é, Sally! Também não tenho paciência pra esses começos, descobertas e fase de “pisar em ovos”. Prefiro os que já eram amigos antes (aliás, devo estar no mesmo camarote que vc! Hahaha).

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