Fazendo a diferença.

Num texto recente eu falei sobre Q.I. e duas formas bem diferentes de analisar inteligência: a fluída e a consolidada. Num resumo bem simples, a fluída mede sua capacidade de aprender e a consolidada de reter a informação para uso futuro. Também falamos sobre a falta de base científica sobre supostas outras formas de inteligência como a emocional. Hoje eu quero estender o tema e falar da parte mais opressiva da história: com exceção de extrema pobreza, nada é mais devastador na vida de uma pessoa que baixa capacidade intelectual.

Se não leu o texto anterior ou não se lembra, acho bom fazer antes de continuar. Vou continuar pressupondo que você entende que eu não estou dizendo que inteligência é só saber fazer contas, e que ao tratar inteligência emocional como papo furado, não estou dizendo que saber lidar com outros seres humanos seja dispensável, muito pelo contrário. E que no caso do cérebro, a capacidade geral de aprender e reter informação vale muito mais do que qualquer interesse específico.

Por exemplo: entre dois dançarinos de funk, o com o Q.I. mais alto tende a ter mais sucesso na vida, mesmo que suas habilidades de dança sejam similares ao do colega menos favorecido. A mesma coisa acontece com pedreiros, advogados, atendentes de telemarketing, médicos e físicos. Se há algum padrão na humanidade, é que pessoas com maior capacidade intelectual conseguem vantagens sobre seus pares com imensa frequência. Vantagens que passam por dinheiro, sexo e reconhecimento social, mas podem ser tão pessoais como o senso de realização interno. Quem vai para a guerra com um exército maior e mais bem equipado tende a vencer.

Sally falou dos nerds algum tempo atrás, e eu só discordei dela no nome que ela deu ao grupo de pessoas que sim, fazem tudo o que ela descreve. Eu diria que nos dias atuais, essas pessoas se chamam incels e feminazis, mas vá lá, o importante é a ideia, não um nome que se dá para o grupo. E mesmo concordando com basicamente tudo, acho muito importante separar as coisas: não é um alto Q.I. que leva alguém a ter os comportamentos terríveis que ela descreveu. Na verdade, é provável que seja até o contrário.

Explico: para cada pessoa com Q.I. altíssimo enlouquecendo dentro de um quarto, separada e ressentida do resto da humanidade, existem outras dez no topo de grandes empresas, instituições ou mesmo extremamente famosas. Quando se analisa as pessoas mais bem-sucedidas em virtualmente qualquer campo, inteligência acima da média é uma característica comum. Da produção de foguetes à música popular. Ou vocês acham que uma pessoa feito a Anitta é intelectualmente mediana? Fama muitos podem ter aleatoriamente, rios de dinheiro e uma carreira bem gerenciada nem tanto. E via de regra, as pessoas que perdem todo o dinheiro que veio com a fama são mesmo bem limitadas, especialmente as que se afundam em vícios. A base da coisa é cruelmente desequilibrada para inteligência.

Cruelmente mesmo. Uma boa parte da “elasticidade” do seu cérebro é desenvolvida na primeira infância. Estímulos e nutrição. Não precisa de bobagens como tocar Mozart para a criança, precisa só entregar um básico e torcer para o ambiente dar os empurrões certos nessa direção. Ninguém nasce gênio, só tem uma predisposição maior por genética ou condição social. E, da mesma forma, ninguém nasce burro, mas pode ter as probabilidades voltadas contra si em combinações negativas. Dito isso, não é como se fosse impossível treinar o cérebro para chegar nesse ponto mais vantajoso da média intelectual. E que não tem nada de bom em negar a intelectualidade.

Precisamos entender aqui que é um mito que pessoas inteligentes são mais problemáticas, como de costume, todos podem ser problemáticos, mas os inteligentes são melhores nisso. De todas as pessoas complicadas que você conhece na sua vida, as que tem problemas de relacionamento, trabalho, estabilidade… todas são muito inteligentes? Não se joga uma pedra para cima sem cair numa pessoa que faz muita besteira na vida. Evidente que essa imensa dificuldade da vida atingiria as pessoas com Q.I.s altos também. É a mesma coisa que dizer que porque alguns ricos são infelizes, dinheiro não ajuda alguém ser feliz. Oras, chega dessa falácia.

Uma pessoa burra problemática pode agir de forma irresponsável e se meter em confusões mais “gráficas” e imediatas, enquanto uma pessoa muito inteligente problemática pode acabar escrevendo livros de filosofia que influenciam gerações. Ambos são um terror para quem convive de perto, mas pra não variar, o impacto que a pessoa inteligente pode alcançar no mundo é muito maior. Ninguém lembra daquela prima imbecil que ficou grávida de um traficante, mas todo mundo lembra de uma grande artista que só fez besteira na vida, mas deixou uma coleção de pinturas impressionantes sobre seu sofrimento. Isso gera uma falsa confirmação que pessoas burras são menos problemáticas da cabeça, não, elas são problemáticas e burras. Por isso ninguém lembra delas.

Pessoas inteligentes, sejam seus interesses eruditos ou não, conseguem aprender mais, reter mais informação e cativar melhor outras pessoas. Claro que não precisa desenvolver foguetes ou escrever poemas para demonstrar um Q.I. alto, basta manter a mente ativa e aprender com o mundo ao seu redor. E aí, pode fazer o que bem entender, porque inteligência sempre melhora as coisas. Homens mais inteligentes são melhores para pegar mulher, isso é, desde que estejam em condição de competir nos outros aspectos. Sozinha, a capacidade mental não faz nada, mas se for aplicada, é talvez o maior diferencial possível num ser humano para o sucesso: até mesmo entre pessoas que nascem muito ricas, as mais inteligentes conseguem fazer mais com seu dinheiro do que as menos.

Se você entende todas as variáveis adicionadas aqui, vai concordar comigo que um Q.I. maior é sim regra universal de sucesso. Toma-se decisões melhores, aprende-se mais rápido, entende-se os outros mais profundamente… é sempre melhor. Sempre. Como disse em textos anteriores, não sou fã do intelectualismo pelo intelectualismo, mas que isso jamais corra para o lado oposto e vire anti-intelectualismo. Glorificar burrice é sintoma de burrice. Temos que lutar pela saúde do intelecto diariamente, porque é muito provável que o desdém por ele seja diretamente responsável pela maioria dos problemas que você vive. Eu sei que é cruel, mas a verdade costuma ser dolorida. Existem sim problemas que não podemos evitar, mas até neles, sair do buraco é mais fácil para quem tem mais ferramentas dentro da cabeça.

Você pode até querer dar uma resposta sarcástica como “vou estudar física quântica para resolver meus problemas amorosos então”, mas de uma certa forma, até mesmo algo tão desconectado contribui para isso. Não no curto prazo, mas como o cérebro é pra lá de treinável, a cada vez que você expande um pouco a capacidade dele, tem mais poder de fogo para lidar com os problemas da vida em geral. Neurônios precisam de estímulo, afinal, a máquina que é o corpo humano não gasta energia que não precisa gastar. O cérebro é uma espécie de músculo honorário: quanto mais você usa, mais força ele tem.

O que me leva a alguns pontos que normalmente são ignorados, como as formas diferentes nas quais pode-se exercitar um cérebro. Não é só lendo um livro de um assunto muito aprofundado… isso é um dos fatores. E, francamente, parece uma desculpa esfarrapada de quem está com preguiça, como se não houvesse meio termo entre memes de internet e teses sobre matemática avançada. Com a ilusão que a barreira de entrada é tão grande assim, fica fácil desistir. A verdade é que não é. Aumentar sua inteligência de forma progressiva e divertida é até trivial nos dias atuais.

Mas não é acompanhando um feed de notícias de rede social que você vai ter bons resultados. E não é só o problema de ficar sempre com os mesmos temas e análises por causa dos algorítimos de confirmação tão comuns atualmente, é também a questão da informação inútil. É importante estar atualizado e saber o que acontece, mas a mera descrição de fatos e disposição de opiniões sobre os fatos não é suficiente para gerar novidades no cérebro. Como disse antes, ele não gasta energia que não precisa. Se você passa seis horas seguidas acompanhando as notícias, eu te garanto que no dia seguinte você vai lembrar de uma ou duas no máximo. Evidente: a memória humana não tem espaço pra tanta coisa, e vai cortar fora tudo o que não se conectou com alguma outra ideia importante já estabelecida por lá.

Porque a inteligência humana é associativa. Quase como um Candy Crush de ideias: se tem algo parecido lá dentro, gruda e marca pontos. Se não, só ocupa espaço. Se você recebe uma torrente de informações desconectadas que não se conversam com o que já existe na sua mente, é como se estivesse comendo terra: enche a barriga, mas te mata de fome do mesmo jeito. Percebam até como eu estou escrevendo esse parágrafo, para que as ideias que eu trago tenham alguma chance de serem guardadas, faço analogias com outras informações que provavelmente já estão bem estabelecidas na cabeça da maioria das pessoas. Bem mais fácil.

Se fatos por si só não acrescentam tanto assim, opiniões podem ser ainda piores, pelo motivo oposto: é extremamente comum que consideremos inteligentes as pessoas que concordem conosco. Não é só vaidade, é que elas tem um atalho garantido para a retenção de suas ideias pois já pensam como pensamos, e além disso, guardar mais do mesmo é intelectualmente econômico. Não precisa fazer um salão novo de memórias, basta jogar no mesmo lugar das outras. A forma como o conteúdo chega nos dias atuais reforça demais esses problemas.

Até por isso eu sempre tive a preocupação de nunca descambar demais para o lado de mera apresentação de fatos ou de opiniões puras aqui no desfavor. Nunca precisei combinar isso com a Sally, sempre foi natural, até porque nós dois sempre gostamos muito de aprender. Até por isso, muito do nosso conteúdo entra em duas outras categorias de passar informações: a explicação e a ficção. Explicar algo não é só repassar uma notícia, é conectar fatos de forma que eles gerem uma teia de relações entre si que facilita o processo de absorção da informação. Em vez de dizer que algo é como é, tentamos dizer por que é, muitas vezes com analogias com outros conteúdos mais bem conhecidos pela média. E não somos só nós que fazemos isso, é a base de virtualmente qualquer produtor de conteúdo que se interessa em disseminar informações. É a melhor fórmula, tudo o que eu consumo de conteúdo que posso trazer para cá veio nesse formato explicativo. Não dá para quebrar o ciclo só com fatos e opiniões e ainda esperar que funcione.

A outra forma que funciona muito bem é a ficção, o lúdico em geral. É uma versão turbinada da lógica das analogias. Quando as informações chegam num pacote diferente do que a mente já está acostumada, pelos olhos de personagens diferentes ou dentro de realidades paralelas, a mente tem que ligar um modo de associação emergencial para absorver o contexto fictício, e nesse processo, ficamos mais abertos a receber novas informações. E nem precisam ser explícitas: compreender um universo novo (por mais parecido que seja com sua realidade) com pessoas novas é uma espécie de rave nos neurônios, tentando encaixar o que é descrito com o que já conhecemos sob o risco de perdermos totalmente a capacidade de compreender a história contada. Nesse processo, podemos analisar as relações entre os fatos da ficção e da realidade. As histórias mais poderosas da ficção tratam do que já sentimos e vivemos com nova roupagem. É um atalho para a absorção de informação usado há milênios, e não demonstra nenhum sinal de cansaço nos dias atuais. Pessoas escapistas usam ficção para fugir da realidade, mas é um absurdo dizer que só gosta de ficção quem é escapista.

Informação explicada e/ou passada pelo lado lúdico da mente te dá muito mais chances de fazer as conexões necessárias para expandir a capacidade intelectual. E num efeito em cadeia, torna tudo o que você lê ou ouve depois mais fácil de ser digerido. E aí, você tem mais material para usar com outras pessoas. E adivinha só? Quando você demonstra mais conhecimento para quem está ao seu redor, consegue atrair mais gente com o mesmo tipo de desenvolvimento. Ter conversas mais profundas, discutir com gente que sabe discutir (essas pessoas existem, e se você não acha NENHUMA, olhe para dentro e reflita agora) e ir coletando ainda mais informações úteis para continuar seu processo. Quanto mais você faz, melhor você fica. Quanto melhor você fica, mais e mais oportunidades se abrem no seu caminho.

Tudo isso estabelecido, tenho a segurança que posso dizer o que eu queria dizer desde o começo do texto sem passar a impressão errada de raiva, e sim como uma preocupação honesta minha (falo só por mim aqui): eu acho que negar a semana temática foi burrice. Feliz dia do Nerd!

Para dizer que nem leu, para dizer que dar escolha e reclamar dela é esquizofrenia (o desfavor continua normalmente, não tem consequência nenhuma, é só uma análise bem explicada), ou mesmo para levar para o lado pessoal sem motivo algum: somir@desfavor.com

  • BÔNUS (clique para abrir)

    “Quer dizer que eu sou burro por não querer ler sua história?”

    Ninguém escreveria mais de duas mil palavras só pra te chamar de burro.

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas:

Comments (10)

    • QI é uma ferramenta válida.

      Porém, quanto maior o QI, mais poderosa é uma mente. Se não houver um equilíbrio, um controle emocional, o QI alto de volta contra a pessoa. É como ter um poodle e um pitbull, ambos indisciplinados e ambos fugindo da coleira. Qual vai fazer mais estrago?

      Por isso eu defendo que antes de louvar a sagrada inteligência lógica, é preciso trabalhar a mente, para que ela não te engula e não te sabote.

    • QI é uma burrice

      O alento é que pelo menos você nunca vai perceber o que está perdendo. No final das contas, as coisas se equilibram.

      • Olha … o adevogado do Lula aqui .
        “Não dá pra meter o pau na produção nem tirar sarro do amadorismo dessa vez, todos os envolvidos nessa empreitada sabiam muito bem o que estavam fazendo. O que me leva a crer que Anitta realmente está assessorada por gente com cérebro. Se eu tivesse que apostar, apostaria que o maior envolvimento dela com todo o processo tenha sido aparecer no dia para fazer as gravações.”

        Sem mais …

    • Com acesso à internet. Já tem muita coisa boa em português, nem que seja canal de nerdice no YouTube. Se você aprender outra língua então (o que dá pra fazer de graça também na internet, com um Duolingo da vida), sua gama de conteúdos aumenta exponencialmente. Inglês é a mais óbvia pela universalidade, mas espanhol e francês também abrem muitas portas.

      • E vc poderia, por favor, indicar algo que considere relevante para iniciantes? Aliás, Sally tb poderia indicar os podcast que tem ouvido ultimamente?

        • Lela, antes de mais nada quero deixar claro que eu discordo de cada palavra que o Somir disse aqui, ok? Acho QI uma parte bem pequena do que faz uma pessoa bem sucedida ou com chances de ser. Para mim a chave está no controle da mente, do emocional. Isso um analfabeto pode ter melhor do que eu. QI quando a tua mente te domina vale zero. Primeiro você aprende a dominar sua mente (a não o contrário), depois se pensa em QI.

          Dito isso, se quiser investir em conhecimento para aprimoramento profissional, eu te recomendo o Murilo Gun e sua escola (Keep Learning School) ou a Perestroika, uma escola de atividades criativas muito boa, bem como o livro de um de seus fundadores, o Tiago Mattos, chamado “Vai lá e faz”. Dá uma olhada, se você se identificar te passo mais coisas nessa linha.

Deixe um comentário para Sally Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: