Planeta Nove.

A imensa maioria de nós aprendeu na escola que o Sistema Solar era composto de nove planetas. Mercúrio, Vênus, Terra, Marte, Júpiter, Saturno, Urano, Netuno e Plutão. Mas há mais de uma década as crianças estão aprendendo isso de forma diferente: Plutão foi demovido à categoria de planeta-anão e oficialmente a vizinhança é constituída de oito planetas. Ou… não?

Mas primeiro falemos sobre Plutão. Somos as primeiras pessoas na história da humanidade a ver como o planeta é, com a já famosa mancha em formato de coração, mas também tivemos que mudar a informação que tínhamos sobre ele. O problema não era manter o primo distante dentro da família, e sim todo mundo que vinha junto com ele caso mantivéssemos o título. Para um planeta ser planeta, precisa de massa o suficiente para ser o elemento dominante na sua esfera de atuação gravitacional, ou seja, o ponto central onde as coisas orbitam na sua área.

Plutão não conseguiu se manter como planeta quando estudamos melhor os outros corpos celestes presentes no Sistema Solar. A principal lua de Plutão, Charon, é grande o suficiente para disputar, ela mesma, o título de planeta na designação antiga. E como a humanidade foi encontrando mais e mais objetos de tamanho condizente naquela área, ou Plutão perdia o título, ou as crianças teriam que aprender algumas dezenas ou mesmo centenas de outros nomes. Não era prático, e precisávamos traçar a linha em algum lugar.

Oito planetas e vários planetas anões e luas. Mas ainda estamos no lucro, até o século XVIII, a humanidade só conhecia seis. Os que são facilmente vistos a olho nu nos céus. De Mercúrio a Júpiter, a quantidade de luz refletida do sol é grande o suficiente para confundirmos com estrelas, mas como na realidade estão muito mais perto do que estrelas, seus movimentos no céu chamam atenção. Como a Terra gira ao redor do Sol, podemos ver sua órbita aparente enrolada como uma mola, girando pelo céu noite após noite. Nem mesmo nos melhores dias dá para ver os detalhes de Vênus ou Marte com o olho nu, então a descoberta dos planetas foi essencialmente presumida pelos seus movimentos.

Até que em 1781, com a ajuda de um telescópio, o ser humano finalmente avista Urano. O ponto no céu sempre esteve lá, mas era tão fraco que nunca tinham tentado mesmo reconhecer como um planeta. Com ajuda da tecnologia, foi confirmada sua presença e ficamos com sete planetas. A comunidade científica ficou pra lá de animada, começando a fazer todos os cálculos sobre sua órbita baseados na Teoria da Gravidade definida por Newton, que também conseguia prever como os planetas orbitavam ao redor do Sol.

O problema é que Urano não estava obedecendo a lei, da gravidade, no caso. O que os cálculos diziam e a posição onde era observado dia após dia não entravam em acordo. Cálculos foram feitos, refeitos e revisados. Continuava não dando certo. Até que surge a ideia maluca que se tivesse mais um planeta ainda depois de Urano com um tamanho parecido, os cálculos dariam certo. Um planeta nunca percebido antes, escondido dos nossos olhos? Durante muito tempo, a hipótese ficou em espera, refinada por mais e mais matemática, prevendo até mesmo onde esse novo planeta estaria no céu a cada momento. Ou existia um planeta novo, ou Newton estava errado. E historicamente nunca foi uma boa ideia presumir que Newton estava errado.

E, em 1846, logo após receberam os últimos cálculos sobre a posição do novo planeta, astrônomos franceses decidiram procurar por ele. E, com uma margem de precisão absurda, lá estava o novo planeta. Nomeado Netuno, explicava a órbita de Urano perfeitamente e tudo estava certo com a astronomia novamente. Oito planetas. Com o rápido avanço da tecnologia, não demorou tanto assim para acharem Plutão em 1930, nove. O status de planeta durou até 2006, quando voltamos para a configuração atual.

Mas, de forma similar ao que aconteceu com a descoberta de Netuno, alguns cientistas começaram a desconfiar de um novo planeta no Sistema Solar. Não por terem visto alguma coisa, mas pelos resultados estranhos que suas observações estavam encontrando. Nos confins do Sistema Solar, existem diversos outros planetas-anões, chamados atualmente de objetos trans-netunianos. Ninguém merece ser planeta, mas pelos seus tamanhos, conseguimos observá-los mais facilmente. E essa turma toda tem algo em comum além da posição: órbitas alongadas e estranhas em relação aos outros planetas, indo para distâncias imensas do Sol durante seu trajeto.

Quem está mais perto do Sol goza de alguma estabilidade orbital, a força exercida pela estrela é tanta que fica todo mundo mais comportado, girando ao redor mais ou menos sempre na mesma distância. Mas lá na periferia do Sistema Solar as leis são menos rígidas. É mais fácil que um corpo celeste faça uma aproximação do Sol, ganhe muita velocidade e volte no sentido oposto sem nada para controlá-lo. Diferentemente dos planetas aqui da vizinhança, eles pegam e perdem muita velocidade em suas órbitas. E como o Sol emana seu poderio gravitacional para todos os lados ao mesmo tempo, era de se prever que depois de Netuno, cada planeta teria uma órbita mais maluca que a outra, indo para qualquer lado que “desse na telha”.

O problema é que por motivos não muito bem explicados, esses objetos trans-netunianos tem uma preferência pronunciada para fazer a parte mais longa da sua órbita sempre para o mesmo lado. O que não é impossível, mas é extremamente improvável. Sem uma força muito clara controlando a situação, as coisas tendem a ser bem caóticas no espaço. Qualquer lado é tão válido quanto o outro. Quem costuma criar padrões é a gravidade. Por isso a teoria do nono planeta começou a ganhar força.

Não estou falando do Planeta X ou Nibiru, isso é conversa fiada de gente que acredita num planeta apocalíptico que vem bater na Terra ou chacoalhar o Sistema Solar interno seja lá pelo motivo estritamente emocional que definiram. Para a ciência, não havia indicação alguma disso antes dessa hipótese levantada pelos astrônomos. E mesmo que esse planeta exista e seja tão grande como se presume pela força que exerceria ao influenciar as órbitas estranhas que vemos, o ponto mais próximo dele do Sol ainda sim seria longe demais para causar um apocalipse por aqui.

Se você, como eu, torceu o nariz para a ideia de nunca termos visto sinal dele até hoje, talvez a mesma explicação resolva: é muito difícil enxergar qualquer coisa que não esteja diretamente iluminada por uma estrela. Mesmo as coisas mais distantes que observamos no universo atualmente tem isso em comum, a luz que bateu nela e chegou aqui. Um objeto tão distante de uma estrela como esse suposto planeta quase não recebe luz. Sem essa possibilidade, somos basicamente cegos no espaço. Tem gente procurando sim, mas é procurar uma agulha num universo palheiro. A estimativa é que já tenham analisado uns 5% dos dados coletados específicos desde que se levantou a possibilidade do nono planeta. Como o astrônomo que achou Netuno bem sabia: enquanto você não sabe para onde olhar, é basicamente impossível identificar.

O nono planeta pode ser um gasoso gelado como Urano e Netuno, ou até mesmo um planeta sólido gigante, desde que tenha força gravitacional suficiente para causar essas variações nas órbitas dos objetos nos confins do Sistema Solar. Pode ser que sejamos a primeira geração a saber de sua existência, pode ser que não. Porque se ele faz uma órbita longa o suficiente para não termos visto até agora, é provável que esteja muito longe e a alguns milhares de anos do ponto mais próximo do Sol.

Pode ser também – e não se esqueçam que ciência não é sobre o mais divertido, e sim sobre o mais real – que não tenha nono planeta coisa alguma e que seja só uma coincidência rara ou mesmo que tenha outra coisa criando esse padrão de órbitas. Não sabemos. Só sabemos que já existe um precedente: entre o Newton estar errado e algo novo nos céus, aposte em algo novo nos céus.

Para dizer que vamos todos morrer, para dizer que só acredita no que seus cálculos veem, ou mesmo para dizer que Newton errou na peruca: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: , ,

Comments (7)

  • Com o “rebaixamento” de Plutão à categoria de planeta-anão em 2006, infelizmente não foi mais possível usar aquela frase que aprendi no Beakman para decorar o nome e a ordem dos planetas do Sistema Solar: “Meu Velho Tio Mandou Júnior Saborear Umas Nove Pizzas”. Vejam: “Meu (Mercúrio) Velho (Vênus) Tio (Terra) Mandou (Marte) Júnior (Júpiter) Saborear (Saturno) Umas(Urano) Nove (Netuno) Pizzas (Plutão)“.

  • Para dizer que isso é preconceito: “trans-netunianos. Ninguém merece ser planeta”
    E sendo chatinha: porque você não chamou os satélites naturais de satélites e sim de luas?

    Agora falando sério: aqui no hemisfério sul não dá pra ver quase nada né? Eclipse, constelações, tudo no hemisfério norte.

    • Você é Saturno e eu sou retrógrado? Não chamei de satélites porque poderia gerar confusão com os artificiais num texto leigo desses.

      O céu é bem democrático, tanto que os melhores telescópios do mundo tendem a estar aqui do lado no Chile. Acho que falta mesmo é gente interessada aqui no Sul mesmo.

      • Também acho !

        (…Aliás, vide “sufoco territorial” para ter-se mantido o Planetário da Gávea…)

        Agora falando sério : “O céu é bem democrático” serve até de tipo “Cadê o seu deus ?”, né ? hahahahaha

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: