Resgate na Tailândia.

Em 23 de junho um grupo de 12 meninos e seu treinador buscaram abrigo contra o mau tempo dentro de uma caverna em Tham Luang, na Tailândia. Aparentemente, não havia perigo, já que, como a própria placa na entrada dizia, o período de monções (fortes chuvas que causam alagamentos) ocorreria de julho a novembro. Mas algo deu errado.

O que deveria ser um abrigo temporário por causa de uma chuva forte, virou uma armadilha. A água invadiu rapidamente a caverna, fechando a saída e enchendo vários compartimentos, obrigando-os a ir cada vez mais para o fundo, mais precisamente, 3 quilômetros caverna adentro. A chuva continuou, inundando várias áreas, criando piscinas de isolamento, até deixa-los sem ter como sair. Começa um drama que dura até hoje.

“Mas Sally, mal começou o texto e eu já estou salivando, porque merdas eu sou uma pessoa tão mórbida que se interessa por isso?”

Este é um caso que desperta a mesma reação de curiosidade e torcida pelo mundo todo, independente de cultura. Primeiro por envolver crianças, cuja morte é sempre anti-natural. Depois por envolver superação, pessoas que foram vítimas de uma aleatoriedade que, no nosso entendimento rasteiro é completamente “injusta” e poderia acontecer com qualquer um, estão lutando por suas vidas.

Nosso cérebro está programado para se interessar por histórias de pessoas lutando por suas vidas, pois são informações que podem nos ajudar a sobreviver um dia. Por isso, histórias como essa ou a do acidente dos Andes ou dos Mineiros do Chile deixam o mundo todo fascinado. É uma oportunidade de ouro: aprender como sobreviver sem precisar passar pelo perrengue. O ser humano tem uns mecanismos evolutivos estranhos. Você não é mórbido, o mundo todo tá acompanhando o caso e torcendo por eles.

“Mas Sally, quem são essas pessoas?”

Você deve ter lido sobre essa história de forma genérica, como “as vítimas da Tailândia” ou “os meninos da caverna”, nesse grande “corta cola” que é o jornalismo atual. A melhor parte ficou de fora, o aspecto humano.

Os garotos tem entre 11 e 16 anos e seu técnico 25 anos de idade. Eles têm um time amador de futebol chamado “Javali Selvagem”. Uma figura, que eu acredito ser determinante para o final feliz ao qual a história se dirige, merece um minuto da nossa atenção.

Ekkapol Chantawong é o treinador dos meninos, mas pode chamar de Aek. É um treinador atencioso e cauteloso, que os acompanha já faz bastante tempo. É visto por muitos deles como uma segunda figura paterna. Mas, além de ser um sujeito legal, ele tem uma história de vida muito bacana, que merece ser compartilhada.

Quando tinha dez anos de idade, Aek perdeu sua família toda, em razão de uma doença. Primeiro seu irmão mais novo, de sete anos, depois sua mãe e um ano depois, seu pai. Ao ficar órfão, ele foi levado para um monastério budista, onde cresceu e aprendeu, em suas próprias palavras, a ser “física e mentalmente forte”.

Se meus filhos tivessem que passar por uma danação dessas, eu não poderia escolher pessoa melhor: alguém que sabe a dor de perder um ente querido e que foi criado educando corpo e mente. Certeza de Aek é um dos principais responsáveis por esses meninos ainda estarem vivos. E a cena que a equipe de resgate encontrou quando chegaram ao local só corrobora com essa teoria.

Quando os mergulhadores chegaram, a primeira coisa que viram foi Aek meditando com os meninos. No período em que ficaram presos, ele ensinou as crianças a meditar. Tem muito marmanjo que, no lugar dele, começaria a griar “vamos todos morrer!”, correr em círculos e teria que ser consolado pelas crianças.

As crianças contaram à equipe de resgate que Aek lhes ensinou como meditar e também lhes explicou o motivo: para preservar a energia no de seus corpos diante da falta de comida. Não é um querido? Os familiares, que estão na porta da caverna desesperados por informações, disseram muitas coisas em entrevistas, mas com um denominador comum: todos frisaram que viam um consolo no fato das crianças estarem com Aek, pois ele as manteria calmas e faria de tudo para salvá-las.

E de fato fez. Estas crianças passaram dez dias sem comer, sem saber se seriam encontradas, sem saber se era dia ou noite, em um completo escuro literalmente falando e quando finalmente foram localizadas, não tinham nada muito além de erupções cutâneas.

Crianças entre 11 e 16 anos, longe dos pais, da família, presas no escuro e sem comida. Estavam bem quando encontradas. Aek, eu te saúdo! Estavam mais fracas, claro, como qualquer ser humano estaria depois de tanto tempo sem comer, mas o saldo final surpreendeu até mesmo os socorristas.

“Mas Sally, como foi que sobreviveram por tanto tempo?”

Não foi fácil encontra-los, a caverna tem, ao todo, dez quilômetros de extensão em um grande labirinto parcialmente inundado. Especialistas de vários países ofereceram ajuda e trabalharam em conjunto para tentar localizá-los ainda com vida. No dia 2 de julho, ou seja, quase dez dias depois, descobriram onde eles estavam e no dia 3 julho a equipe de resgate conseguiu efetivamente chegar até eles, levando comida e atendimento médico.

O vídeo onde a equipe de resgate finalmente encontra os meninos é comovente, se estiver em um bom dia, veja aqui. Uma das primeiras frases que eles disseram foi “temos fome”. Pudera, quase dez dias sem comer, sobrevivendo apenas bebendo a água que pingava das paredes.

Para nós, que nos alimentamos diariamente, soa um verdadeiro milagre ficar quase dez dias sem comer. Porém a privação de comida não é tão grave quanto parece. Uma pessoa pode ficar muitos dias sem comer e sobreviver, via de regra, o corpo tem um sistema de emergência para essa situação, buscando energia na gordura e nos músculos. Mais grave é a privação de água e de sono, então, se um dia você se encontrar em alguma situação de desgraçamento, bota tuas energias em beber e dormir.

Psicólogos acreditam que o fato dos meninos formarem um time, treinarem juntos, tenha ajudado a sobreviver. Há uma sensação de grupo, de pertinência, que deixa a todos mais fortes. Eles não estavam se sentindo sozinhos ali. Fatores ambientais também colaboraram, como por exemplo, a temperatura no interior da caverna. Na maior parte do tempo, eles ficaram em uma média de 26°, que é uma temperatura camarada, que nem te desidrata, nem te mata de hipotermia.

O fato de estarem com seu treinador também contribuiu, uma figura de liderança na qual eles confiam deixa a todos mais tranquilos, se é que se pode falar em algum grau de tranquilidade nesse tipo de evento. E nem falo em se manter calmo na versão padrão, e sim de uma calma interna, algo maior. Com seu treinador lá é mais fácil conseguir dormir, que, para muitos cientistas, é o ponto chave entre a sobrevivência e o total colapsamento do organismo. Ter a serenidade para pegar no sono pode ser a diferença entre a vida e a morte.

Outro ponto tido como fator que contribuiu para que eles sejam encontrados vivos é o fato de serem crianças. Fisicamente isso nem é tão bom, pois crianças têm reservas energéticas menores, não conseguem ficar tanto tempo sem comida como adultos, porém, emocionalmente tem seu aspecto positivo: criança tem menos travas para chorar, expressar sentimentos e mostrar fragilidade.

Não comprimir, não represar, não implodir esse tipo de sentimento, colocar tudo para fora, pode ter sido crucial para a sobrevivência. Pois é, quando mais crescemos, menos saudáveis emocionalmente ficamos. Camadas de máscaras, de rótulos, de preocupações em não demonstrar medo e fraqueza minam não apenas nosso emocional, como o físico também, a ponto de reduzir nossas chances de sobrevivência diante de uma tragédia.

“Mas Sally, porque merdas ainda não tiraram eles de lá?”

A inundação foi de tal porte que, para chegar ao local onde eles estão, mergulhadores de elite da marinha, experientes e treinados para esse tipo de situação complicada, demoram cerca de seis horas. Isso acontece graças a passagens estreitas demais, muita água e pouca visibilidade. É preciso, literalmente, conhecer o caminho de cor. Ficar preso ou pegar uma direção errada pode significar a morte.

Maravilhoso que estejam vivos, que estejam bem, mas encontra-los ainda não resolve todos os problemas. A saída está entre três a quatro quilômetros de distância do local onde eles estão agora e, para chegar lá, é preciso passar por um grande labirinto inundado e escuro. É fato, eles terão que continuar presos ali mais um pouco, pois o resgate será mais complicado do que se esperava.

O plano inicial é fornecer mantimentos para os próximos quatro meses, montando uma base de atendimento médico no local e revezando pessoas que estejam permanentemente acompanhando o grupo, entre eles, psicólogos. Quatro meses é uma previsão pessimista, há esperança de que eles sejam resgatados antes disso.

O plano de resgate está dividido em várias partes. Primeiro é preciso recuperar a saúde deles, dando comida gradualmente (quando se fica muito tempo sem comer, você pode até morrer se sair comendo tudo que quer) e tratando de pequenos problemas que tiveram, coisas simples como erupções cutâneas.

Depois, será necessário estabelecer uma rotina: cinco refeições por dia, realizar atividades, criar uma noção de “dia e noite” com horas para estar acordado e horas para dormir. Também pretendem introduzir algum contato com a família, afinal, amor move montanhas. Querer reencontrar as pessoas amadas já fez o ser humano se superar de forma surpreendente muitas vezes. Já estão trabalhando no plano de passar um fio de telefone até chegar neles.

Em paralelo, vinte bombas de drenagem tentarão sugar ao menos parte da água que está bloqueando o caminho de saída e, enquanto isso, os meninos receberão aulas de mergulho para tentar sair caso toda a água não possa ser removida. É que as chuvas podem continuar, então, é possível que drenar a água seja como enxugar gelo. Resgatá-los a nado é a forma menos segura, mas é possível que seja a única.

“Mas Sally, qual é a dificuldade em botar eles pra fora nadando no mesmo dia?”

Aula de mergulho não é algo que se possa ensinar do dia para a noite, principalmente para crianças. No caso dessas, é especialmente complicado, pois sequer sabem nadar. Primeiro terão aulas de nado, depois de mergulho. E não basta ensinar técnicas básicas. Estamos falando de uma água lamacenta quase que sem visibilidade. Estamos falando de uma travessia de seis horas.

É preciso ser muito bom no negócio para completar a jornada. Há trechos que são estreitos demais para se usar tanque de oxigênio ou para que mais de uma pessoa por vez consiga passar, então, esses meninos sozinhos, apenas com seus pulmões, terão que nadar no escuro trechos apertados cheiros de rochas. Para alguns trechos é necessário o uso até de equipamento de alpinismo.

“Eita porra, Sally, não tem outro jeito?”

Imagine isso vivido por crianças, que já estão assustadas e estressadas. “Eita porra” define. É uma missão bastante dura, por isso alguns Planos B já estão sendo cogitados, caso não seja viável dar às crianças a técnica que elas precisam para sair dali por baixo da água.

A melhor opção seria encontrar aberturas naturais próximas ao local onde estão os sobreviventes. Aí seria só escavar (a parede ou o solo) com o devido cuidado e puxar eles para fora. Os riscos são eventuais desabamentos, mas, se feito com perícia e cautela, tem tudo para dar certo. Chegaram até e a encontrar uma abertura, no meio da mata fechada, que poderia ser uma opção para isso, porém ainda estão estudando o local.

O resgate vai depender de uma série de fatores, muitos deles aleatórios, que variam desde sorte até o clima. Os responsáveis pelo resgate já deixaram bem claro que se houver o menor risco, não vão retirá-los. Estão certos. Hoje o grupo está permanentemente acompanhado, com acesso a médicos, enfermeiros, psicólogos e militares. Uma equipe de mais de mil pessoas, inclusive de especialistas de outros países que se voluntariaram, se reveza para dar ao grupo as melhores condições possíveis.

“Mas Sally, como está a situação deles agora?”

Mais de 120 milhões de litros de água já forma removidos pelas bombas, o que significa um centímetro por hora. Não é ruim, se pensarmos no tamanho gigantesco da caverna, mas é uma corrida contra o tempo, já que em julho (vulgo “agora”) começa a temporada de monções. O desejo de todos é que a água seja drenada a tempo de tirar os meninos dali andando, antes da próxima chuva, mas, para isso, é meio que necessário que não chova.

Ontem (04/07) os meninos tiveram sua primeira aula de mergulho. Foi divulgado um novo vídeo, onde os meninos fazem uma saudação e dizem que estão bem de saúde, porém, um dos meninos e o Aek não aparecem no vídeo, ninguém explicou os motivos.

É isso, estão cientes do ocorrido, daqui pra frente vocês acompanham na mídia. Estamos na torcida.

Para dizer que é desperdício esse tipo de mega evento durante uma Copa do Mundo, para dizer que já já aparece alguma marca oportunista patrocinando esses coitados ou ainda para dizer que você também confia no Aek: sally@desfavor.com

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