Física Quântica.

Já falamos em outros textos sobre o assunto, de tempos em tempos ele é citado no cotidiano e até utilizado como aval para propagar uma série de crendices e ignorâncias. A verdade é que o nome virou uma entidade, que todo mundo conhece, mas poucos sabem realmente o que significa. Em nome da ciência, em nome do bom uso e do respeito, vamos esclarecer de uma vez por todas o que é real o que é muleta para aproveitador barato. Desfavor Explica: Física Quântica.

A Física clássica, aquela que aprendemos na escola, engloba tudo que foi estudado até o século XIX e trata de sistemas maiores: por exemplo, objetos (sua massa, sua aceleração, sua força). Até bem pouco tempo era a única forma de ver o mundo. Ela é certeira, precisa e segura.

A Física clássica permite prever eventos com precisão, por exemplo, a velocidade de um corpo, sua aceleração, o tempo que o som levará para se propagar. Não importa quantas vezes você repita o experimento, o resultado será sempre o mesmo, são resultados cientificamente comprovados que nos levaram a ver um mundo previsível e cheio de explicações lógicas, causa e efeito e certezas.

Porém, a partir do século XX tudo mudou. Até então, todo mundo acreditava que a menor partícula que existia era o átomo. Tudo que está à nossa volta era composto, basicamente, de um aglomerado de átomos, a menor porção indivisível da matéria. A coisa começou a degringolar quando perceberam que, na verdade, o átomo era divisível e era composto por partes ainda menores, como prótons, nêutrons e elétrons. Resolveram então estudar essas partículas ainda menores, e para isso, se criou a Física Quântica, para se dedicar a esse povo bem pequenininho.

A Física Quântica estuda, primordialmente, partículas muito pequenas, menores que um átomo (papo técnico: partículas subatômicas), por exemplo, elétrons, prótons, nêutrons e fótons. Só que esses pequenos bastardos não são tão dóceis como se esperava e, quando analisados em separado, se comportam de uma forma totalmente diferente da esperada, até então, praticamente incompreensível para os humanos.

Por isso, na Física Quântica não há certezas como na física convencional, há apenas probabilidades. Ainda não sabemos como as partículas subatômicas reagem, quais suas regras (se é que há), quais seus critérios. Sim, até segunda ordem, as partículas subatômicas são malucas.

Por sinal, a forma como essas partículas se comportam muitas vezes acaba contrariando as próprias leis da física convencional, o que é especialmente intrigante, uma vez que, em última instância, as coisas “maiores” são compostas por um aglomerado dessas partículas.

Logo, quando as partículas estão unidas, formando algo maior, em grupo, elas se comportam de um jeito. Mas quando você analisa as partículas de forma autônoma, o comportamento muda por completo. É como se um ser humano caminhasse quando está em grupo, mas quando está sozinho e não tivesse ninguém por perto, pudesse voar.

Quando temos um comportamento anormal, que não entendemos bem, que não sabemos prever ou padronizar, abre-se espaço para enfiar qualquer explicação que nos agrade naquele comportamenot e fazer disso uma verdade: é a mente humana que provoca, é Deus que torna aleatório, são alienígenas que criam um campo magnético que gera esse resultado, é um unicórnio peidando em outra dimensão que gera a distorção.

Há um vácuo, um gap no conhecimento, coisa que o cérebro humano não suporta, por mecanismos evolutivos. Informação sempre foi importante para sobreviver. Depreender com o que se dispõe é mania humana. É preciso muita sabedoria para não preencher esse “não saber” com aquilo que gostaríamos que fosse a explicação. Tem umas bem simpáticas, chega a dar um calorzinho no peito de vontade de acreditar.

Sim, pode ser a mente humana, pode ser um campo magnético, pode ser até o peido do unicórnio, quem sou eu para bater o martelo? PODE SER. P-O-D-E. Desconfie de quem bate o martelo e te diz que é, pois nem os maiores estudiosos de Física Quântica conseguiram explicar com certeza o que acontece ali, não seria Roberval, morador de Ribeirão Preto, mora com dois hamsters e escuta Paralamas do Sucesso que conseguiria, não é mesmo? Há probabilidades? Sim. Mas… certezas? Ninguém tem.

Isso pode fazer com que a Física Quântica pareça uma grande perda de tempo: se não se tem certeza de nada, apenas probabilidades, se as partículas subatômicas se comportam como loucas e deixam todo mundo estarrecido, qual é o ponto? É nessa hora que a gente respira fundo e tentar se conscientizar que não são apenas certezas absolutas que tem função e validade.

Além disso, não é algo fixo, imutável, não está decretado que nunca entenderemos. É possível que um dia o ser humanos consiga compreender melhor e alcançar certezas no campo das partículas subatômicas, já que a Física Quântica é “recente”, surgiu no século XX. Pense em como estava a medicina quando tinha a mesma idade e você verá que, apesar do crescimento exponencial que experimentamos, ainda tem muito caminho para trilhar.

Enquanto isso, além dos ganhos práticos que essas probabilidades geram no campo da tecnologia, a Física Quântica nos deixa uma bela lição: flexibilidade mental. Aprender a desaprender o que sabíamos e aprender novamente. Perceber que a realidade não é rígida, ela é mutável, construída diariamente. Entender que nem sempre o que vemos corresponde à realidade. Nossa visão e o que realmente está ali são duas coisas muito, muito diferentes.

Na Física Quântica, uma coisa pode ser e não ser ao mesmo tempo. Pode estar e não estar. Pode até estar em dois lugares ao mesmo tempo. Ela pode ser partícula e onda ao mesmo tempo, como no experimento da Dupla Fenda, sobre o qual falamos aqui. Ninguém conseguiu entender o motivo. O observador? A partícula de fato muda ou nós é que a vemos diferentes? É completamente randômico? Não se sabe. Acostume-se com essa resposta: NÃO SE SABE. Ela é a mais honesta, até o momento, quando falamos em física quântica.

Não há certezas, há probabilidade. Quando há apenas probabilidade, é preciso mais parcimônia na hora de usar termos como “cientificamente provado”, Atribuir à Física Quântica o status de “a ciência prova” é de uma ignorância comovente. Não há provas cabais dos comportamentos das partículas subatômicas. Cada um vê a explicação que quer.

Aliás, essa é outra função da Física Quântica: jogar um holofote nos pau no cu, arrogantes e estelionatários intelectuais. Quem usa a Física Quântica para provar algo (especialmente se esse algo não for relacionado com física), merece apanhar com um gato (de Schrodinger) morto até o gato miar. Vejam bem, se nem Richard Feynman, Albert Einstein, Nikola Tesla, Max Planck, Stephen Hawking e Erwin Schrödinger conseguiram provar nada além de probabilidades, não é Fulaninho, autor de capa de livro com uma mandala, que provou algo. Tenha santa paciência.

Então, sempre, sempre, sempre que você escutar “está provado pela Física Quântica”, preste atenção e prepare-se para se retirar da conversa. Não há vida humana inteligente no recinto. Sim, está provado, por exemplo, que partículas podem sofrer um efeito chamado “emaranhamento” e se você cutuca uma aqui, outra que está lá no Polo Norte reage também. Mas o motivo pelo qual isso acontece? Negativo. Há uma constatação de que algo ocorre (e isso sim está provado), mas sem bater o martelo sobre as razões pelas quais acontece. Quem bate esse martelo é imbecil ou mal intencionado.

Não se deixem iludir, como já disse, Física Quântica é probabilidade. Pouco se sabe, pouco se explica, cuidado para não preencher as lacunas com o que você quer ver ou com o que o outro quer que você veja. Palavrinha de ouro: neutralidade. Seja um mero observador, desde a neutralidade, e contemple a única certeza que a Física Quântica pode nos dar: não sabemos porra nenhuma.

A Física Quântica bagunçou tanto as certezas científicas, que é possível dizer que ela não esculhambou apenas com o comportamento da matéria, ela descacetou o próprio conceito de matéria. Inicialmente se pensava que a menor porção divisível da matéria era o átomo, ou seja, tudo que nos cerca era um mero aglomerado de átomos. Só que não. O átomo é divisível. Também esquece aquele papo dual de que ou é partícula ou é onda, pode ser os dois ao mesmo tempo, pode alternar, pode ser um ou outro aleatório.

Pois é, a Física Quântica faz rever nossos conceitos sobre realidade e a própria realidade em si. Um elétron pode ser, ao mesmo tempo, onda e partícula. São dois mundos, duas realidades coexistindo, sem que tenhamos muito controle sobre os motivos que levam uma a predominar. Essa história de que “ou algo é, ou não é”, é conversa da Física convencional. Na Física Quântica algo pode ser e não ser ao mesmo tempo. Algo pode estar em dois lugares ao mesmo tempo. O gato pode estar vivo ou morto ao mesmo tempo.

Isso mexe com a nossa noção de realidade, pois, independente da explicação que se dê, a forma como as partículas subatômicas se comportam é inadmissível se levarmos em conta tudo que se sabia tradicionalmente. Sinal de que a nossa realidade não é exatamente como imaginávamos. Para muitos, como por exemplo Eugene Winger, é a mente do físico que cria toda a realidade, a consciência do homem cria uma confusão quântica. Tem provas? Não.

Roger Penrose disse que é por aí, mas não é bem assim. A mente humana se entrelaça com a realidade, não a cria totalmente, apenas interfere de alguma forma nela: os mecanismos mentais de raciocínio estão sujeitos a flutuações quânticas. E vento que venta lá, venta cá: assim como nós influenciamos daqui, o universo influencia de lá de volta, o que explicaria eventuais inspirações do nada de músicos, artistas, cientistas e quaisquer pessoas que tem insights repentinos. Tem provas? Não.

Boa parte do povo que estuda e trabalha com Física Quântica trabalha também com resiliência: porque sim. Por qual motivo uma hora um elétron é partícula e no outro é onda? Porque sim. Aceita que não tem explicação, ou que você não tem subsídios para sabe-la. Aceita que tudo que te ensinaram como certeza pode não ser verdade. Complicado ter que rever a realidade toda, né? Mais complicado ainda fazer isso sem uma explicação. Mas tem que ser feito.

Tem cientista americano realizando experimentos para provar que o ser humano pode mover matéria com a mente, e, até agora, os resultados não são ruins não. Determinados grupos de pessoas que, supostamente tem poder de concentração maior, desde meditadores experientes até músicos e praticantes de artes marciais, conseguiram desviar partículas de luz usando apenas a mente. Tem cientista brasileiro tentando realizar esse experimento na USP. Meus queridos, a verdade é que hoje tem de tudo no mundo. Como você explica isso?

Percebam que, ao ninguém saber, qualquer explicação passa a ser possível. Desativa o constrangimento das pessoas em falar qualquer bosta que lhes gere conforto. Vale tudo, ninguém tem a resposta. A lógica certamente não tem a resposta, pois estas pequenas partículas trolls fazem questão de desafiá-la. Não se espantem se amanhã descobrirem que partículas subatômicas dançam Macarena quando não tem ninguém olhando.

Então, cuidado. Quando nada é errado, tudo pode virar certo. E nessa muita gente usa a Física Quântica de formas muito equivocadas, partindo de premissas verdadeiras mas gerando conclusões completamente questionáveis, vendidas como certezas absolutas.

Cuidado com falsos gurus que atribuem o comportamento das partículas a uma causa X ou Y. Em matéria de autoconhecimento, de aprimoramento pessoal ou de expansão da consciência a Física Quântica serve para dizer “Ei, o mundo que te ensinaram pode não ser exatamente assim, como você pensava, tem mais coisa aí, sua percepção de mundo pode estar contaminada por uma série de coisas”. Só. Quem for além disso comete, sem querer ou de forma propositada, estelionato intelectual.

A Física Quântica é um bebê, com pouquíssimo tempo de vida. Até pouco tempo nem seque se sabia que seu objeto de estudo (as partículas subatômicas) existiam. É normal que ela não entenda quase nada, não tenha certezas e não tenha respostas. Não é sinal de nada divino, não é sinal de nada sobrenatural, muito menos sinal de algo religioso. É o curso natural das coisas: descobrimos algo novo, estudamos bastante, experimentamos bastante, e só depois podemos compreender.

Não façam mau uso da Física Quântica, por favor, um pouco de respeito.

Para dizer que prefere a opção no unicórnio, para dizer que prefere a física convencional com certezas ou ainda para dizer que não está ligando a mínima para a Física Quântica, só quer saber da punição do Somir: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Obrigada pelo tema, Sally, já devidamente compartilhado nas redes (anti) sociais, esperando as pedras….

    Essas coisas parecem que vem em ondas né? Acho que com o aumento da crise (do país no geral, não apenas econômica), tem muita venda de coach, empreendedorismo (de palco) e alternativas nova era pra resolver a vida das pessoas (de forma mágica, com alto bônus em $$$) e a física quântica é enfiada em um sem número delas.

    Galera dos comentários, valeu pelos links, ajudarão na minha pesquisa. Quando sou confrontada com esse tipo de lixo confesso que gosto de dar uma humilhada, dando nomes aos bois, referências, etc =D

    • A Física Quântica vem sendo difamada, deturpada, usada. A intenção do texto é tentar resgatar sua origem, mostrado o que ela não é. Espero que seja útil.

    • Quer que alguém desenhe ?!

      Porque não diz quais são as supostas piores partes (ou seja, nenhuma) ?

      Ou porque não compara com algo do “New York Times” ou “Le Monde Diplomatique” ?

  • Washington Gonçalves de Sousa

    Uma partícula de foton quando jogada diretamente em um diamante se torna duas. Isso se chama entrelaçamento quântico. Elas funcionam de forma parecida mesmo estando a distâncias de anos luz uma da outra m e existe um outro experimento que se chama dupla fenda . Eles jogam os fótons em uma fenda com dupla entrada e tem horas que ela funciona como partícula deixando o rastro com apenas duas entradas COMO normalmente seria o óbvio. Mais quando não estão olhando essa partícula funciona como onda, deixando um rastro bem superior do que dois . Isso acontece como se fosse uma interação entre as partículas, quando se tem um observador elas agem de forma aleatória.. como se soubesse que está sendo observada .. tirando essas conclusões e com o fato de sempre que estamos observando uma estrela. Na verdade estamos olhando como essa estrela era quando a luz dela começou a percorrer o vaco do espaço. O universo é uma máquina do tempo . Sempre nos mostra o passado da estrela .. de forma que se usarmos a mesma observação quântico no universo .. nós quando olhamos para a luz de uma estrela podemos modificar o jeito que essa estrela seria ou vai ser .. me baseando nos estudos quânticos.. quando um observador observa o brilho de uma estrela que já morreu . De certa forma a estrela ainda está viva para o observador. Aquela estrela e suas informações estão viajando como informação pelo universo, direto para os olhos do observador . Com toda a imensidão do nosso universo oque não vai faltar são observadores

  • Pois é, tema importantíssimo que me deixa tão agradecido !

    Até porque eu já precisei de uma ex-psicóloga com quem tive sessões de orientação profissional e ela tentou me persuadir sobre “O Segredo” (e fui chamado de “radical” depois que senti a falta de pertinência !)…

    …E o “Science Youtuber” de Juiz de Fora – MG já era (quase ?) exemplar desde 2015 ( https://www.youtube.com/watch?v=4rNI2esH1EE ) e vai espalhar mais “frutos” ainda com a próxima websérie ( https://www.catarse.me/fisicaquantica ) !

    Amo “lá” e amo “aqui” !

      • Pois é.
        Desde que comecei com podcasts, por sua influência, scicast é meu companheiro no trânsito.
        Além de quê, faz você parecer esperto entre os amigos.

  • Em guerra infinita, na cena em que o casal de guardiões da galáxia troca confidências e percebe que o Drax estava os observando, e ele diz que estava lá há uma hora(ou algo assim), mas estava invisível por estar fazendo “movimentos lentos”, era a mente dele distorcendo a luz e tornando-o invisível.
    Porém, uma vez que foi identificado, por conta do experimento da dupla fenda, ele não poderia mais permanecer invisível.

    Isso foi extremamente nerd.
    Os meus amigos do e-ogre vão me condenar.

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