A ciência do café.

Já temos um texto, por sinal, um Desfavor Convidado, muito bom sobre café aqui. Hoje retomamos o assunto, mas não para falar do café em si, e sim do café à luz da ciência. Você já parou para analisar este maravilhoso grão, seu preparo e os efeitos que ele causa no corpo com um olhar científico?

Geralmente quem gosta de café ama, e quem não gosta, não liga a mínima. Preferência pessoal? Talvez. Mas há indícios que nossa genética também influencie. Um gene chamado PDSS2 seria o responsável por uma pessoa ter ou não a propensão de ficar viciada em cafeína.

Quanto mais PDSS2 você tiver, menos você bebe café. Quando menos você tiver, mais você precisa dele. Isso acontece porque o gene faz com que o corpo metabolize a cafeína de forma mais lenta, então, alguém com mais PDSS2 no corpo consegue ficar acordado e energizado com uma xícara, enquanto quem não o tem precisa de mais doses para atingir os mesmos níveis. Então, até sua genética acaba contribuindo para a apreciação.

Da mesma forma, preparar um bom café não é um ato meramente mecânico, existem sutilezas físicas e químicas que podem interferir no resultado final. Isso explica porque o mesmo pó de café vira um café delicioso nas mãos de algumas pessoas e uma água suja nas mãos de outras.

O principal fator que influencia no sabor do café é a temperatura da água com a qual ele é preparado: quanto mais quente a água estiver, mais substâncias serão extraídas do grão. Aí você pode pensar “que legal, vou botar água fervendo, para extrair o máximo possível!”. Não é assim tão simples, o esquema é mais ou menos como o uso de sal na comida: na medida certa realça o sabor, em excesso, estraga tudo.

Cientistas analisaram a evolução no sabor conforme a temperatura do preparo subia e, em quase todos os tipos de café, os melhores resultados apareciam quando a água estava a 70°C (em alguns casos pode ser 60°C). Então, em princípio, 70°C é quente o suficiente para extrair as melhores substâncias dos grãos, mas não tanto para liberar compostos que prejudicam o sabor. Importante: não é para deixar a água ferver e depois esfriar até 70°C, é para esquentar a água até 70°C. Sim, faz diferença.

O tipo de grão também influencia no sabor, mas neste caso, não há consenso nem verdades absolutas, tudo depende do gosto de quem toma. Existem tipos que são muito valorizados e considerados os “melhores do mundo”, como é o caso do Kopi Luwak (ou Café Civeta), um café de origem curiosa. Quem faz a seleção dos grãos é um felino herbívoro, a Civeta, que mais parece um quati. Ele se alimenta dos grãos de café, e o bicho tem um baita bom gosto, sabe escolher os melhores.

O felino come os melhores grãos, mas só a polpa é digerida, e a semente passa intacta pelo sistema digestivo. Durante a digestão as bactérias e enzimas do Civeta fazem com que os grãos fiquem com um sabor especial. Então, esses grãos de café são catados do cocô do gato, higienizados e vendido pela bagatela de 500 dólares o quilo. No Brasil existe uma versão nacional, o café Jacu, onde os grãos saem do fiofó de um passarinho com este nome. Café Jacu é uma delícia.

A forma como o grão é moído também influencia no sabor. Quando o grão é moído e se transforma em pó, os grãozinhos acabam ficando de tamanhos desiguais. A água usada na preparação da bebida reage de maneira diferente, dependendo do tamanho das partículas de café: as menores tendem a ficar mais azedas, enquanto as maiores ficam com um gostinho amargo. Isso pode criar uma desarmonia no sabor.

Existe uma forma de evitar essa diferença de tamanho entre grãozinhos moídos: deixando as partículas todas com o mesmo tamanho. Cientistas descobriram que se você congelar os grãos antes de moê-los, a água fica sólida, assim, o produto da moagem fica uniforme. O resultado é uma bebida com um gosto mais homogêneo, preservando o sabor original do grão. Mas, cuidado, se você resolver congelar grão em casa, é bom mantê-los em uma embalagem hermética para evitar mofo e umidade.

O preparo deve observar algumas dicas além da temperatura da água para obter o melhor do sabor. A primeira dica é dobrar a costura do filtro de papel, tanto a de baixo, como a lateral, sempre para dentro. Pode parecer uma mera questão de praticidade, mas há quem defenda que ao melhorar o encaixe do filtro a água escoa de forma mais adequada pelo pó, uniformizando o sabor.

Outra dica importante é que se molhe o filtro com água quente antes de colocar o café. Isto porque, por mais que se esforcem para fazer um filtro que não influencie no sabor, é inevitável que ele acabe liberando algumas substâncias quando molhado, que, adivinha… acabam interferindo no sabor. Então, que as libere antes do café, assim o sabor fica mais puro quando de fato ele for coar o pó. Joga uma água quente no filtro vazio, sem nada, descarta essa água inicial e só depois coloca o pó e prepara o café.

A proporção café x água também pode influenciar no sabor. O ideal é que seja 10g (equivalente a duas colheres de sopa) de café para cada 100ml de água. E, depois que colocar o pó, não saia jogando a água de forma contínua. Você vai pegar a água, a 70°C, e jogar um pouco, o suficiente para cobrir todo o pó que está na parte de cima, e esperar alguns segundos. É o que os baristas chamam de “saturar” o café moído, é como se fosse um “preparo”, um start nas reações químicas que vão garantir o melhor sabor. Depois você pode colocar o restante da água de forma contínua.

E nunca, jamais, em tempo algum adoce o café colocando açúcar no pó ou na água. Isso bagunça todo o processo para obter o melhor sabor. Açúcar ou adoçante é direto na xícara. Sei que soa grotesco dar esse aviso, mas muita gente adoça no pó ou na água. Apenas parem.

Seguindo estes passos, você conseguiu o melhor rendimento que aquele pó de café poderia te dar. É hora de beber e provocar uma revolução dentro do seu corpo. Bebeu sua xícara de café. Tem ideia do que esteja acontecendo dentro de você?

Após a ingestão, o café é absorvido rapidamente pelo corpo. A cafeína, principal componente do café, entra na sua corrente sanguínea e faz uma pequena viagem até o seu cérebro.

Chegando lá, elas desempenham um papel crucial: impedem que a substância responsável pela sensação de sono (papo técnico: adenosina) seja absorvida. Isso acontece porque o formato das moléculas de cafeína é muito parecido com o formato das moléculas de adenosina, então, elas se encaixam com perfeição nos seus receptores, impedindo que a adenosina o faça. É como se estacionassem um carro na vaga de outra pessoa, impedindo que ela pare ali.

Por isso você tem a sensação de “acordar”, aumento de foco e mais energia. Por mais que o corpo esteja mandando vários avisos de que você está morrendo de sono, os avisos nunca chegam, nunca são percebidos. Entenda, o café não tira seu sono, ele tira apenas sua percepção de sono.

A cafeína também aumenta o fluxo sanguíneo do cérebro. Isso gera um efeito analgésico tão potente que muitas vezes basta para acabar com uma dor de cabeça. Aliás, se você reparar, muitos remédios para dor de cabeça contém cafeína.

Como nosso organismo está todo interligado, dificilmente você mexe com o cérebro sem que isso reverbere em outras partes do corpo. Ao comando de um cérebro mais alerta, a glândula supra renal entende que há um bom motivo para estar alerta e estimula a produção de adrenalina.

Adrenalina é um upgrade natural e momentâneo que nosso corpo dá quando acha que precisamos enfrentar alguma situação de risco. Este hormônia dilata as vias respiratórias, dá mais energia e aumenta o fluxo de sangue nos músculos, tudo isso para nos preparar para uma luta ou uma fuga. É um mecanismo de sobrevivência que você pode usar a seu favor.

Uma forma de usar a seu favor é tomando um café antes de se exercitar ajuda a aumentar o rendimento, melhorando assim sua massa muscular condição cardiorrespiratória e garantindo uma vida mais ativa. Também pode ajudar a melhorar sintomas da asma e outras doenças respiratórias, uma vez que dilata as vias aéreas. Para finalizar, café também é rico em antioxidantes, que ajudam a prevenir inflamações e doenças do coração.

Porém, tudo tem seu preço. Café também tem efeitos indesejáveis, como por exemplo, ser diurético (aumentando a eliminação de líquidos), estimular a produção de ácido gástrico no estômago (o que pode ser um desconforto para quem já está com o estômago sensível). E levar à exaustão, pois o corpo pede descanso e você apaga esse alerta com café, até que chega em um ponto onde ele não aguenta mais e colapsa.

A cafeína também pode mexer com os níveis de estrogênio da mulher a ponto de causar a redução do tamanho dos seus seios. E não estamos falando de quantidades monstruosas não, três xícaras de café por dia já são o suficiente para o efeito ser notado (não, não estou inventando, é um estudo da Universidade de Lund, na Suécia). Nos homens, o efeito é contrário: o consumo frequente de cafeína pode aumentar a região mamária masculina.

Café também pode prejudicar seu sono. Demora cerca de 15 minutos para que a cafeína entre no seu corpo, mas a saída não é assim tão rápida: cerca de seis horas bloqueando a adenosina e estimulando adrenalina podem gerar uma bela de uma insônia, dependendo da hora da última xícara de café. E, mesmo que você durma, a qualidade do seu sono fica comprometida, tendo mais dificuldade para chegar na fase REM ou ficando menos tempo nela.

Além de não tomar antes de dormir, também não se deve tomar café de estômago vazio. Primeiro, por aquela questão do aumento na produção de suco gástrico, que pode danificar as paredes do estômago se ele estiver vazio. Segundo porque altera todo o ciclo circardiano (relógio biológico) do corpo. O relógio biológico deixa de funcionar de forma regrada e fica todo bagunçado, devido à alteração nos níveis de um hormônio que mantém o corpo alerta e com energia (papo técnico: cortisol). Sempre coma algo antes de tomar café.

E, o pior dos efeitos, café pode fazer seu intestino entrar em fúria. Ao aumentar a produção de ácido no estômago, o corpo entende que tá vindo muito comida por aí e coloca o intestino para trabalhar a todo vapor. Para piorar há estudos que indicam que café também pode aumentar a produção de um hormônio que estimula o cólon, ou seja, dependendo da sensibilidade da pessoa e da quantidade de café ingerida, pode ocorrer uma hecatombe intestinal.

Sabendo usar, o café é um grande aliado. Aproveite cada xícara do seu cafezinho, estudos indicam que as mudanças climáticas do planeta vão reduzir a área de cultivo do café em quase 50% até o ano de 2050, o que vai tornar o café uma iguaria muito rara e cara. Temos 30 anos para enriquecer, caso contrário, adeus cafezinho.

Para dizer que você só deve ter uma molécula de PDSS2 no corpo, para dizer que sacrifica seu estômago em nome do bem estar que o café gera ou ainda para dizer que este texto te deixou com vontade de tomar café: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Algumas coisas nesse texto eu já sabia desde pequeno, como por exemplo, colocar pouca água no coador pra preparar um bom café e esperar alguns segundos. Nos workshops de café que já participei os baristas também comentavam sobre o “coeficiente de saturação” do pó. Agora, um negócio intrigante é esse que as vezes me pego refletindo, porque diachos o café faz o efeito contrário, ao invés de despertar. Já me ocorreu de tomar café pela manhã e me dar mais sono e moleza ainda.

    • Ge, já li de fontes que não confio 100% que às vezes, quando a pessoa é viciada em cafeína, o fato de ingeri-la dá um alívio tão grande ao corpo por saciar o vício que relaxa em vez de despertar, mas não ponho minha mão no fogo por essa informação… O mesmo acontece se você beber mate ou coca-cola?

      • Olha, coca-cola eu evito, assim como outros refrigerantes, então… Mate, o que eu percebo é que desperta também, mas o efeito parece ser lento, bem mais lento que o café. Se eu tomo café eu desperto logo logo, em questão de minutos já tenho outros ares, fico animado, pra cima, meu humor muda, chego a ficar elétrico! Agora, se tomo mate, eu sinto que fico ligado, mas não no sentido de elétrico como quando tomo café, mas apenas “funcionando” por um longo tempo, sabe?

        Quando tomo café em doses exageradas tende a acontecer uma das duas coisas: ou eu tendo a ficar elétrico, mas tão elétrico que chega a me dar tremura de tanta agitação, ou faz o efeito contrário.

        Ahh e por efeito contrário, no comentário anterior, não me refiro a relaxamento, mas sim àquela sensação de peso no estômago e aquele sono terrível que tu não controla, sabe? Tentando desenhar aqui: sabe quando tu acorda cedo, e lá pelas 11hs da manhã bate aquele sono que te faz bocejar e ficar com as pálpebras pesadas e tu não consegue se concentrar? Pois é!
        É isso que eu acho estranho e já tentei achar resposta, mas não consegui: porque diachos as vezes acontece de eu tomar café e ficar pesado, lento e sonolento, ao invés de despertar? Será que é só porque tomei/comi demais?

  • Eu tenho transtorno de ansiedade generalizada. Primeira coisa que minha psiquiatra mandou: reduzir o café, se não conseguir cortar. Tudo bem que falhei em seguir isso, mas…

    Doses elevadas de cafeína podem desencadear crises nervosas ou mesmo de pânico em indivíduos com essa predisposição. Se você é ansioso, depressivo ou tem algum tipo de parafuso a menos, é bom regular muito o consumo, e se pá vai de encontro com seu medicamento e os dois vão te foder. E é foda que você vai tomar mais café pra ‘aliviar’ essa ansiedade – mesma lógica que cigarro.

    Ah, e na época que eu estava no ensino médio, todo dia, estudando no período da manhã, eu tomava uma xícara de café. Os dias que eu não tomava, eu me sentia menos ativa, menos disposta.

  • Minha vida é uma mentira, to preparando o café errado e não sabia. Agora vai. Obrigada Sally! Para mim, a maior inconveniência do café é simplesmente a vontade de cagar depois. No mais, amo.

    • Pois é, menina. Café provoca uma tabela no intestino, é preciso utilizar com cuidado quando estamos fora de casa!

  • Civeta não é felino não. Eu pensava que era um mustelídeo, mas dei uma pesquisada melhor e vi que o bicho pertence a uma família chamada viverridae.

  • Ah… reduzir lá pra 2050 nem me abalou. Já passei dos 40 e se tiver vivo, vou tá tão decrépito, que nem fazer café vou mais poder!

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