Ruim de escolher.

Ninguém é perfeito, mas espera-se um mínimo de uma pessoa com a qual você escolhe se relacionar. Sally e Somir discutem qual de dois mínimos é o maior dos problemas num namoro ou casamento. Os impopulares relacionam seus motivos.

Tema de hoje: bom(boa) de papo e ruim de cama ou ruim de papo e bom(boa) de cama?

SOMIR

Caso tenha ficado confuso, estamos escolhendo entre dois tipos de pessoas: uma que seja ruim de conversa e boa para fazer sexo OU uma pessoa que seja boa para conversar e ruim de fazer sexo. Eu, obrigado a tomar uma decisão nesse caso, escolheria alguém boa de conversa e ruim de sexo. O que provavelmente é um choque para quem está lendo considerando que sou homem. Homens não deveriam pensar assim, certo?

Antes de achar que eu estou fazendo pose de intelectual ou romântico – ou mesmo que não mereço mais ser chamado de homem – vamos tentar entender a lógica que definiu a minha resposta? Ao invés de só pensar se você gosta mais de sexo ou de conversa (é bem mais profundo que isso), vamos entender o contexto: a escolha é obrigatória. Seja o que sair da sua resposta na pergunta do texto de hoje, você vai ter que ficar com a pessoa.

Como de costume nesta coluna (e depois de dez anos a maioria de vocês ainda não entendeu isso…) estamos gerando uma obrigação de escolha. Analise a situação como se você tivesse que ficar com uma das opções. Esse é o exercício mental que faz tudo isso valer a pena. Eu desconfio que vá passar mais dez anos incomodado com isso, mas se uma pessoa finalmente enxergar isso hoje, uma que seja, já vai ter valido a pena. Numa pergunta totalmente aberta eu diria que não escolheria nenhuma dessas opções porque não é tão impossível assim achar uma combinação melhor. Mas não tem escapatória.

Partindo do princípio que você vai ficar com uma pessoa ruim de cama e boa de papo ou vice-versa, qual a melhor escolha? E é aí que as coisas mudam de figura. Neste livro, tem muito mais capítulos depois do “felizes para sempre”. E com a vida seguindo em frente, gratificação instantânea não é mais tão importante. Sim, poucas coisas na vida trazem tanto prazer como fazer sexo com alguém que saiba o que está fazendo e tenha química com você, mas estamos jogando um jogo longo, o que funciona hoje tem que funcionar amanhã. Digo mais, tem que funcionar melhor ainda. Relacionamentos que não evoluem acabam apodrecendo.

Nada mais comum do que se acostumar com coisa boa. Sexo ótimo com uma pessoa burra acaba se tornando sexo normal com uma pessoa burra. Porque o ótimo que você considerava no começo vira a norma. E do outro lado da cama ainda está uma pessoa com a qual é difícil, frustrante ou chato conversar. E é aí que a verdadeira maldição da pessoa burra ataca: ela é burra porque não teve chance ou fez por onde ser menos burra. Pode ser até uma pessoa burra esforçada, caráter espetacular, coração bom e tudo mais… mas a burrice não a abandona. Ela vai continuar por lá, o papo não vai melhorar.

Sinto que devo me aprofundar nisso: a pessoa tem papo ruim. Cacete, qual o nível de atraso mental de um ser humano para conseguir ter papo ruim? Não precisa ser gênio não, basta ter um mínimo de cultura geral e curiosidade para isso. Não precisa ser extrovertida ou uma excelente contadora de histórias, só precisa acompanhar outro ser humano ao se comunicar. O buraco é muito embaixo, demais para ter uma chance realista de redenção. Você comprou um papo ruim para a vida (da relação, pelo menos).

Agora, se a pessoa for o oposto, tem um papo excelente mas não funciona bem na cama com você… temos sim um problema, mas um problema que pode ser resolvido. Gente que tem um bom papo não chega nesse nível à toa, saber conversar bem sobre uma grande quantidade de temas presume que a pessoa goste de aprender e gaste um bom tempo da sua vida acumulando e aplicando informações. Sexo bom é uma combinação de atração, criatividade e experiência. Sexo ruim normalmente é resultado do inverso.

E esses elementos que tornam o sexo ruim podem ser trabalhados. Especialmente por uma pessoa que tem um mínimo de amor por aprender e se aperfeiçoar. Se o sexo é ruim por falta de atração, dieta e exercícios costumam resolver a maior parte dos problemas. Além disso, existe plástica para peitos, mas não existe plástica para cérebro. Os problemas da atração estão quase que totalmente dentro do campo do tratável. Se o sexo é ruim por falta de criatividade, nada como confiança e curiosidade para soltar a pessoa. Sexo é algo tão instintivo que normalmente só o fato de você perder suas inibições já te torna muito mais compatível com a outra pessoa. E você ainda pode instigar a pessoa a explorar mais esse seu lado. Tem cura para mulher-almofada e homem-britadeira sim. E, se o sexo está ruim por falta de experiência… bom, só continuar treinando.

É o que você quer no momento? Não. No momento o melhor sexo sempre vence. Mas se estamos nisso com o futuro em mente, é possível abdicar de ganhar algo agora para ganhar mais lá na frente. Para gratificação instantânea existe o sexo casual, oras. E como disse antes, relacionamentos tem que evoluir. Uma pessoa que começa ruim de cama já vai te dar um senso de progressão e sucesso enormes quando entrar na média. E como é uma pessoa boa de papo, ela vai continuar melhorando. A base do cérebro está lá. Basta estimular que vai funcionar.

No primeiro mês a pessoa boa de cama vai parecer melhor. No primeiro ano, a pessoa boa de conversa vai ter vencido a disputa sem chance de recuperação para o outro lado. E o papo dela vai estar ainda melhor! Porque na prática vocês vão passar muito mais tempo conversando do que fazendo sexo. Treina os dois lados, gera mais sinergia e conhecimento que podem e vão fazer uma grande diferença na vida sexual.

A vida é agora, mas tem muitos outros agoras depois…

Para me chamar de viado, para dizer que ruindade de cama é incurável, ou mesmo para dizer que vai só fazer pose de fodão(fodona) na cama nos comentários mesmo: somir@desfavor.com

SALLY

Escolha um parceiro: bom de papo e ruim de cama ou ruim de cama e bom de papo? 

Então… sem querer ser grossinha, até porque a senhora minha mãe lê meus textos, mas para bater um papo eu tenho amigos, colegas e vocês.

Vamos combinar que a figura do parceiro está bastante deturpada? As pessoas querem tudo em uma única pessoa: um pai, um melhor amigo, um motorista, um acompanhante para ir ao shopping. Não, por favor não. Parceiro tem que ser uma parcela da sua vida, não se deposita toda a responsabilidade nem todos os seus planos nas costas de um terceiro.

Você tem que ser feliz com você mesmo, é clichê, eu sei, mas é verdadeiro. Tem que ter uma rede de segurança de bons amigos que te amparem quando você precisar, que te aconselhem, que te divirtam. Tem que ter atividades só suas que te façam feliz e te nutram. Parceiro é um plus.

Tem que ter momentos do dia para fazer coisas em prol de você mesmo, se aprimorar como ser humano, melhorar seu corpo, sua mente. Depois que tudo isso estiver funcionando do jeito que você quer, depois que você for uma boa companhia para você mesmo, depois que todas as outras áreas da sua vida estiverem redondinhas, aí sim vem um relacionamento saudável.

E quando todo o resto estiver funcional, você vai colocar o relacionamento no lugar em que ele ocupa: o de relacionamento, não de tapa-buraco, preenche-carência ou coisa do tipo. O que diferencia um amigo de um parceiro? Vamos lá, vocês sabem a resposta: sexo. Em relações convencionais, você pode fazer com um amigo tudo que faz com o seu parceiro, exceto sexo.

Um parceiro com o qual não se faz sexo é só mais um amigo, ou às vezes nem isso, é um mero colega de quarto. Então, a principal diferença entre amigo e parceiro é essa. Se você tira isso, se você enfraquece essa área, está abrindo mão da única coisa que diferencia seu parceiro de um amigo.

Não quero dizer que conversa não seja importante, quero dizer que conversa você pode buscar em outras fontes, sexo não. Então, que tal priorizar aquilo que será monopólio da pessoa?

E, vamos combinar, ninguém é “inconversável”. Todo mundo tem algum assunto sobre o qual pode falar, mesmo que não seja um assunto técnico. Quem não é bom em números pode ser muito bom em percepção de pessoas, quem não é bom de raciocínio logico pode ser excelente de intuição. Mesmo que a conversa não seja lá essas coisas, sempre tem algo que pode ser aproveitado.

Todo mundo tem experiências de vida, coisas para compartilhar e, se você escolheu estar com essa pessoa, é porque algumas coisas vocês devem ter em comum. Todo mundo tem algo a ensinar, é só sair dessa caixinha de valorização intelectual racional.

Uma pessoa que seja preponderantemente boa de cama não implica em um completo débil mental incapaz de conversar. Um mestre da conversa, um senhor dos argumentos, um monstro da cultura geral, você pode ter nos seus amigos, mas um amigo bom de cama, fica um pouco mais complicado de se defender. Então, mesmo ruim de papo, essa área da sua vida não fica desamparada, pois você pode buscar isso em terceiros. Já o inverso…

Além disso, informação é uma coisa que se adquire. Se a pessoa em questão não é mestre das conversas, nada impede que leia, que veja documentários, que se esforce e aporte informações úteis na conversa. Ou, caso não seja possível, que jogue com outros atributos, como humor. Já sexo, meus queridos, sexo é química, ou você tem, ou você não tem. E quanto mais você força um sexo que não dá certo, mais resistência cria a ele.

Além de ser broxante e humilhante tentar ensinar algo ao outro, não se trata de um gesto mecânico que pode ser treinado ou ensaiado. É a dinâmica do casal, são ferormônios, é uma combinação química-psicológica muito mais complexa e difícil de mexer do que ler um livro para ter o que falar.

A maioria de vocês já deve ter experimentado essa sensação de falta em um dos dois quesitos e deve ter percebido que, quando há empenho, é muito mais fácil que uma pessoa se torne boa de conversa do que se torne boa de cama. A formula para ser bom de conversa é estar atualizado, saber escutar, contribuir com falas pertinentes e ser divertido. Diz aí qual é a formula para ser bom de cama… Aliás, faz melhor, se você souber essa fórmula, publica um livro que você fica rico!

Sem pensar em cenários trágicos, onde a pessoa mal sabe falar e erra concordância, uma pessoa com conversa apenas ruim e sexo acima da média me parece muito mais qualificada para ser seu parceiro do que uma pessoa com uma conversa acima da média e sexo ruim. Porra, se eu quero que a pessoa tenha um atributo forte, que seja no ponto onde eu não posso buscar uma fonte subsidiária, não é mesmo?

Se para você sexo é menos importante que conversa, pensa um pouco se não está colocando peso demais no seu relacionamento. Você tem bons amigos, presentes e disponíveis, para sair e conversar? Você mesmo se basta como companhia? Você fica de boa sozinho com você mesmo? Você é capaz de encontrar suas próprias fontes de conhecimento, cultura e lazer sem depender de parceiro para isso? Se é, conversa com o parceiro é apenas algo prazeroso, e não uma necessidade.

Parceiro é só isso: parceiro. Uma pessoa para dividir um projeto de vida e fazer sexo. Não coloque nele o peso de ter que suprir seu social, social a gente faz com amigos, colegas, conhecidos e família.

Para dizer que os textos estão surpreendentemente trocados levando em conta que Somir é homem e eu sou mulher, para dizer que parceiro tem é que ser rico e o resto que se foda ou ainda para dizer que já ficaria muito feliz em arrumar qualquer parceiro: sally@desfavor.com

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Comments (6)

  • “quero dizer que conversa você pode buscar em outras fontes, sexo não”

    Exatamente o que pensei quando li a pergunta!

      • Eu sou do time “conversa”. É mais fácil ensinar o basicão sexual para alguém desajeitado do que manter o interesse por uma pessoa ruim de papo.

        • O problema é que nem sempre é questão de “desajeitado”. Muita gente não gosta, não se empolga, não é participativa (nem tem vontade de ser), sente culpa, tem mil travas muito difíceis de tirar e mil outros motivos.

          Acho muito complicado fazer surgir química onde não tem, fazer surgir empolgação onde não tem. Sei lá, prefiro deixar a conversa pros amigos, se tem uma coisa que eu aprendi é que contar com a possibilidade de formatar uma pessoa é pedir para se frustrar.

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