Antiga forma.

Há duas semanas, mencionamos uma notícia sobre Harmony, uma boneca sexual “hiper-realista” cujo perfil no Tinder gerou 56% de aprovação dos usuários do aplicativo num experimento de um jornalista que fazia um documentário sobre o tema. Melhor que muita mulher de carne e osso. Seria a falência das relações humanas? Bom, eu tenho uma teoria…

E como de costume, essa teoria vai começar meio longe do aparente cerne da questão. Não faz tanto tempo assim que pessoas muito gordas eram atração de circo, se voltarmos um século no passado, a imensa maioria das pessoas estava mais ou menos dentro da faixa de peso considerada saudável nos dias atuais. Pessoas redondas eram uma combinação rara de fatores ambientais e sociais, dignas de pagar ingresso para ver. A abundância de calorias com a qual vivemos hoje em dia simplesmente não existia, e o mundo estava configurado de uma forma a desestimular o sedentarismo.

A oferta de alimentos baratos e hipercalóricos com a qual nos acostumamos é um fenômeno recente, só perguntar para seus pais e/ou avós qual era a dieta habitual deles lá pela metade do século passado e você vai perceber que a quantidade de opções era tão mais limitada que era praticamente inevitável depender dos alimentos mais saudáveis para matar a fome. Mais vegetais e menos carnes, açúcar e alimentos industrializados em geral. E tudo isso em porções menores, sair do básico custava bem mais caro do que custa agora.

Além disso, com menos opções de transporte e muito menos mecanização, a rotina diária do cidadão nesses tempos compunha uma saudável dose de exercício físico. Andava-se mais, passava-se menos tempo sentado, não havia uma tela que resolvia a maioria dos seus problemas bem diante dos seus olhos onde quer que estivesse. O resultado dessa combinação de fatores era um mundo bem mais magro do que o qual nos acostumamos nos arredores da virada do milênio. E se voltarmos mais alguns séculos, nossos avós eram gordos e preguiçosos em comparação ao cidadão médio pré-industrialização.

Não é nem um juízo de valor sobre qual era é melhor para o ser humano, é só uma constatação de como o ambiente impacta algo tão básico da natureza humana como a saúde e a alimentação. Porque essas gerações que eram mais magras que as atuais não tinham uma fração do conhecimento sobre o tema que está disponível para qualquer um de nós hoje em dia. Não é como se a pessoa comum vivendo em 1918 estivesse muito preocupada com uma alimentação equilibrada e exercícios, a própria medicina ainda engatinhava no conhecimento da fisiologia humana.

Tanto que assim que as calorias começaram a fluir livremente para uma boa parcela da população mundial, uma pessoa cujo peso a faria ser tratada como aberração há 100 anos atrás hoje tem assentos especiais disponíveis em aviões comerciais e cinemas. O ser humano é programado biologicamente para consumir o máximo de comida possível e guardar gordura para dias mais difíceis. Como eles não chegam mais para boa parte dos nossos atuais 7 bilhões de companheiros de espécie, a banha acumula. Era uma questão de demanda represada. Queríamos ser muito gordos há milênios, mas a oportunidade só chegou da metade do século passado para cá.

E é aqui que eu volto para a boneca sexual. Pode-se argumentar que estamos vivendo numa era de fracasso das relações entre os sexos para que um monte de silicone moldado na forma de uma mulher desperte o desejo (às vezes até mais do que puramente sexual) de homens. Mas, será que não é o caso de outra demanda represada? Homens historicamente tem uma atração bem pronunciada pelas formas do corpo feminino, não necessariamente pela mulher de carne e osso, mas pelo “design” mesmo. Muitas das primeiras representações de corpos humanos encontradas por arqueólogos são de corpos femininos, em pinturas e esculturas focadas na forma dos seios e quadris.

Apesar do ser humano em geral ter uma habilidade incrível de reconhecer rostos em qualquer lugar e depreender muito do outro através de expressões faciais, o foco dessas primeiras artes não estava ali. Estava em peitos e bundas. Homens estavam gastando tempo precioso que poderiam estar comendo ou dormindo para ter mais representações do corpo feminino ao seu dispor. Não estou dizendo que as vênus de barro eram a pornografia dos homens das cavernas, até porque nem fazia muito sentido naquela era.

E com o passar dos anos, a tendência se manteve: a maior parte dos artistas desenhou nus femininos de uma forma ou de outra durante sua carreira. Muitas das obras de arte mais famosas da nossa história mostram as curvas da mulher em destaque, explicitando essa foco visual masculino na combinação de seios e quadris, “criando” mulheres apenas numa tela, usando as reais como inspiração, mas não necessariamente representando uma pessoa específica. Seja lá o motivo, o fato é que a maioria dos artistas da antiguidade eram homens, e havia um motivador muito grande para representar o corpo feminino descontextualizado, puramente pela forma.

Percebam que eu nem estou dizendo que homens não ligam para a personalidade das mulheres, estou dizendo que existe um componente de interesse pelo formato de seus corpos que vive em paralelo na mente de cada um deles. Um desenho tosco de uma mulher já consegue gerar interesse num homem, por mais impensável que isso seja para uma mulher de verdade. O cérebro parece programado para buscar essa imagem e entregar uma recompensa química quando encontrada. E se faltar alguma coisa naquela representação, a mente completa para dar um efeito maior.

Tanto que pornografia em todas suas formas, desde rabiscos até filmes com produção milionária ainda são mais populares entre homens. O elemento visual basta muito mais para quem tem o cromossomo Y. Se mulheres tem a mesma compulsão, ainda não sabemos, podem ter pelas tendências que vemos no aumento do consumo de material erótico/pornográfico por parte delas, mas existem algumas diferenças no que é popular entre os gêneros que sugerem algo fundamentalmente separado nesse aspecto. Homens tendem a morrer de tédio com coisas como 50 Tons de Cinza, por exemplo. Mas já estou perdendo o foco aqui. O ponto é que parece um fato consolidado que a atração sexual do homem está intimamente ligada com as formas do corpo feminino, mesmo que não exista uma mulher real ali. A impressão é que não é uma atração despersonificada por não querer lidar com uma mulher de verdade, e sim que essa característica masculina é mais antiga até mesmo do que personalidades complexas nos seres humanos.

Quando surge a capacidade de arte, desenham mulheres que consideram atraentes. Quando surge a escrita, criam falas pra lá de irreais vindas delas. Quando temos fotos e vídeos, o nível de abstração da pessoa que é aquela mulher vai aos limites. É uma espécie de anti-empatia masculina: ao invés de pensar no outro ser humano, cria-se uma versão idealizada por função. Talvez seja só mais um desenrolar no foco masculino em coisas ao invés de pessoas. Como se fosse inevitável que a linha entre seres humanos e objetos fosse um pouco mais borrada para homens.

Então, começa a parecer óbvio até que bonecas sexuais façam sucesso entre homens. Quando eram apenas balões ridículos, uma minoria desesperada fazia uso delas, quando começaram a aparecer vaginas de silicone realistas, o mercado aumentou. As primeiras bonecas realistas já alcançaram um público diferenciado, alguns até “casando” com elas. Não sei se vocês estão acompanhando a lógica, mas voltando ao exemplo da comida: as calorias disponíveis aumentaram. Ficou mais fácil ficar gordo. Não precisava mudar muito a mentalidade do homem para que bonecas sexuais hiper-realistas começassem a fazer sucesso, precisava da oportunidade.

Muitos homens dos dias atuais consomem primariamente pornografia desenhada mesmo, não é um salto tão inimaginável. Você pode e até deve argumentar que tem algo de errado com quem abandona mulheres de verdade para correr atrás de desenhos e silicone, mas desde que entenda a verdadeira questão aqui: o problema não é um homem sentir atração pela forma feminina mesmo sem ter uma pessoa dentro dessa forma, isso muito provavelmente é genética, e se bem expressado, gera belas obras de arte em todos os meios. Até mesmo os homens que tem muita disponibilidade de atenção do sexo oposto (seja lá o motivo) tem essa tendência, mas o ambiente no qual vivem não gera os comportamentos problemáticos.

O problema real é, mais uma vez voltando ao exemplo inicial, a obesidade. O que nesse caso é a fuga da relação humana em troca da imagem idealizada de peitos e bundas. Quando nem o homem entende essa atração poderosa da mente, ele tende a seguir por esse caminho de isolamento caso o ambiente seja favorável. Como no mundo moderno nunca foi tão fácil se isolar (assim como nunca foi tão fácil comer milhares de calorias por dia), uma tendência que nem precisaria ser danosa para a sociedade acaba tomando proporções assustadoras.

Acho importante ter isso em mente para não cair na armadilha que as pessoas mudaram do nada. O ser humano é muito consistente na sua mentalidade há milênios, o que acontece é o acúmulo de pequenas mudanças no mundo físico ao nosso redor. Pelos mesmos motivos de nossos antepassados mais antigos, fomos moldando a realidade para saciar desejos primais, seja por calorias, seja pelo acesso fácil às formas do corpo feminino. Como sempre, é questão de dose. O ser humano do futuro vai ser basicamente o mesmo de milênios atrás, mas com mais ferramentas para conseguir o que quer. Mesmo que o que queira não seja saudável.

Para dizer que eu só estou arranjando desculpa para comprar uma boneca dessas, para dizer que não adianta entender essa gente, ou mesmo para dizer que o futuro é das bonecas sexuais gordas: somir@desfavor.com

Se você encontrou algum erro na postagem, selecione o pedaço e digite Ctrl+Enter para nos avisar.

Etiquetas: ,

Comments (16)

  • Mulher de verdade dá muito mais trabalho, sem dúvida. A da fantasia + visualização é menos custosa. Mas é uma preguiça que prende o cara na adolescência. Então o recado pros incel: se tem gente transando com mulher, você é que está fazendo errado.

    • Se tem gente transando é com alfas, em que 20% dos homens no mundo estão com as fêmeas. E acho que não adianta mudar para se tornar um alfa, isso é genético, a não ser que você fique milionário…

      • HAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHAHA

        Além de tudo, não tem qualquer noção de matemática. Faz as contas: se 20% dos homens do mundo pegassem as mulheres, quantas mulheres cada um teria que pegar…

        Sério, Somir, você tem que escrever este tipo de texto como eu escrevi o meu sobre nerds: cacetando. Caso contrário isso aqui vira palco de Incels. Veja bem o público que você está atraindo para o desfavor! (e olha que esta crítica vem de quem atualmente está atraindo gente que gosta da Fazenda).

  • Uma constante é em todo texto do Somir sobre relacionamentos/sexo aparecer caras comentando como todas as mulheres são malvadas, complicadas e difíceis de conquistar. Por que não admitem logo que são apenas socialmente preguiçosos?

    • Por que não admitem logo que são apenas socialmente preguiçosos? Se me permitem um palpite: talvez porque isso daria – muito – trabalho e exigiria uma capacidade de autocrítica sem complacência e de olhar pra dentro de si mesmo que, creio, a maioria desses caras não têm.

      • Larga de ser cavaleiro branco, ô mangina! O que ganha defendendo mulheres? A culpa é delas sim, graças a esse mundo atual e politicamente correto que premia os alfas e esculacha o homem de bem trabalhador. Mas nem vou discutir com mangina que não vale a pena!

  • Com a sociedade atual formada por mulheres que batem no peito pra dizer com orgulho que são vadias mas ao mesmo tempo que acham que qualquer coisa é assédio não é de se admirar que isso ocorra. As fêmeas cada vez mais exigentes, em que uma mediana ou mesmo uma feiosa se acha no direito de escolher um homem acima de seu nível, seja físico ou social e até mesmo homens marginais que as tratam mal. E os homens cada vez mais frouxos e submissos aceitam ficar com qualquer mulher por mais sem qualidades que seja, além de apoiar a devassidão e a histeria da mulher moderna. Aí o homem beta vendo-se sem perspectivas de um relacionamento com uma boa mulher de carne e osso se sujeita a esse humilhante comportamento de arrumar uma boneca inflável de luxo…

  • Sorte da humanidade que as mulheres não costumam ter o mesmo apetite sexual que os homens, senão o mundo seria uma aberração onde todos dedicariam a maior parte da vida apenas ao sexo, igual bonobos, e não teria muito espaço de tempo pra evoluirmos.
    Outro motivo pra essa moda não pegar entre minhas “manas” é porque marido de verdade é status, namorar um boneco seria o equivalente a criar gatos. Mas, sinceramente, do jeito que anda essa histeria de assédio sexual, se eu fosse homem nem dava aperto de mão em mulher hoje em dia. Boneca, prostituta, trans e pornô tão aí.

    E sobre essas estatuetas de Venus, tem uma teoria interessante de que na verdade teriam sido esculpidas por mulheres como um autorretrato, após olhar para o próprio corpo, o que explicaria as deformações bizonhas:
    https://steemit.com/science/@deeallen/self-portraits-of-fertility-symbols-venus-figurines-of-upper-paleolithic-eurasia-nudity

  • É bem isso mesmo, 50% pegaria e eu até preferiria a máquina do que mulher humana. Pode me chamar de débil mental, eu e mais 50% e meus amigos acham a mesma coisa.

    • Mas é óbvio: se você é um débil mental, fatalmente, só anda com débil mental. Ou você já viu uma pessoa centrada, inteligente e emocionalmente madura andando com débil mental?

Deixe um comentário para Satori Gomi Cancelar resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado.

Relatório de erros de ortografia

O texto a seguir será enviado para nossos editores: