Fake News na História

Quem aqui não escutou um lamento sobre Fake News? Virou moda reclamar das Fake News e colocar a culpa de muita coisa nelas, como se fosse algo novo, recente e incontrolável. Meus queridos, “Fake News” é só um nome moderninho para a velha e boa mentira, propagada por qualquer fonte autorizada a falar sobre o assunto que supostamente tinha alguma credibilidade e a obrigação de se informar melhor. Não é nada novo, acontece desde que o mundo é mundo, só que antes não tinha essa histeria chata.

Fake News não é consequência de redes sociais, o ser humano inventa, aumenta e mente desde sempre de modo a manipular e influenciar na história… e provavelmente sempre será assim. Querem ver? Vamos dar um passeio por algumas Fake News que mudaram o curso da história mesmo sem a possibilidade de serem replicadas pelo whatsapp.

Normalmente, Fake News são para levantar ou para derrubar uma pessoa. Mas já tivemos as duas ao mesmo tempo, vindas da mesma pessoa. No século VI, um historiador bizantino chamado Procópio de Cesárea foi contratado para escrever a história e os grandes feitos do imperador Justiniano. Pagava bem, ele topou.

Procópio teve que escrever uma versão mentirosa, omitindo o que havia de ruim e inventando coisas boas, que se tornou a narrativa oficial sobre os feitos de Justiniano. Mas ele não estava feliz com aquilo. Então, para dar vazão aos sentimentos ruins que começaram a nascer nele, decidiu apimentar um pouco a escrita.

Procópio escreveu uma versão paralela da história oficial, onde detonava Justiniano de uma forma sem precedentes. Não se furtou de inventar diversas atrocidades mescladas com verdades, de modo a que as pessoas pudessem constatar algumas verdades e presumir que tudo que ele falava era real. Assim, ele arruinou completamente a reputação de Justiniano.

O nível da Fake News era tamanho que ele chegou a convencer as pessoas que Justiniano era a encarnação do demônio na Terra. Se vocês tiverem a curiosidade de ler Procópio escrotizando Justiniano, procurem por esta belíssima obra de Fake News: “Anedokta”.

No século XVI, Pietro Arentino, algo próximo de um jornalista freela, escrevia poemas e sonetos, sem muito sucesso. Um dia, ele se emputeceu e decidiu causar. Começou a fazer poemas ofensivos e colá-los sempre na mesma estátua de uma praça romana. Cada dia ele difamava um dos cardeais que eram candidatos a virar Papa e, graças à tonelada de mentiras escabrosas que ele deixava, prejudicava horrores a candidatura de cada um deles. Um homem, um pedaço de papel e muito veneno mudaram o curso da eleição do Papa.

O sucesso foi tanto, que Pietro decidiu se dedicar full time a difamar as pessoas. Sua bela iniciativa ganhou até nome: “Pasquinadas”. Em pouco tempo ele começou a difamar todas as pessoas públicas em forma de poesia, sempre colando suas obras repletas de mentiras pesadas em locais públicos. Em pouco tempo ele estava queimando o mais alto escalão do Império Romano. A coisa tomou tal proporção que as figuras públicas pagavam um mensalinho para que Pietro não escreva sobre eles. Ficou rico na base da Fake News Poética.

E nem precisa envolver gente famosa. Fake News atraía atenção mesmo nos assuntos mais mundanos. Em 1780, jornais europeus publicaram uma notícia falsa com a intenção de atrair a curiosidade das pessoas e vender mais exemplares, dizendo que uma criatura simular a um dragão havia sido capturada na América do Sul, na região onde hoje seria o Chile. Disseram que em breve o dragão seria levado à Europa, em um navio, dando detalhes que conferiram veracidade à informação.

Conclusão: durante meses, cada vez que chegava um navio vindo daquela região, todo mundo ia para o porto para ver o dragão em primeira mão. Pessoas chegavam a sair de seus trabalhos, mães iam com seus filhos, uma tremenda comoção. Obviamente, o dragão nunca chegou, mas com uma mentirinha que turbinou as vendas, mobilizaram pessoas crédulas por anos a esperar por uma mentira.

Sua Fake News mata. Mesmo que seja involuntária. É isso mesmo, em 1938 rádios americanas noticiavam que alienígenas estavam invadindo o planeta e que havia começado uma guerra. Diziam que foram percebidas explosões em Marte, que uma nave alienígena havia caído em Nova Jersey matando 15 mil pessoas e que dela foram vistos aliens, saindo com armas de laser nas mãos. Ao escutar isso, pessoas saíram desesperadas às ruas, muitos, apavorados, se jogaram de prédios ou se mataram.

Acontece que era apenas uma adaptação do livro “Guerra dos Mundos” para o rádio. A adaptação foi tão convincente que causou histeria e pânico em massa. Milhões de ligações para os bombeiros, hospitais e a polícia acabaram disseminando a notícia falsa como verdadeira e chegou num ponto onde todos realmente se perguntaram se o planeta não estava sendo invadido. Deu trabalho para desmentir e mesmo quando conseguiram, era tarde demais, muitos estragos já estavam feitos.

Em 1990 os EUA estavam estressados com Saddam Hussein, mas a opinião pública ainda era contra a guerra. Foi o depoimento de uma menininha que ajudou a mudar isso: Nayirah, uma menina kuwaitiana de 15 anos, deu um depoimento no Congresso americano que denunciava atrocidades cometidas por invasores iraquianos em seu país. Coisas como retirar os bebês das incubadoras nos hospitais, jogá-los no chão e deixá-los morrer. Seu depoimento foi tão impactante, que foi repercutido pela mídia à exaustão e a opinião pública acabou sendo favorável à invasão do Kwait, para retirar as tropas matadoras de prematuros de Saddam Hussein dali.

Só que era uma tremenda lorota. Na verdade, seu depoimento havia sido preparado por uma agência de relações públicas nos Estados Unidos ligada à monarquia do Kuwait, segundo revelou uma investigação conjunta da Anistia Internacional, da Human Rights Watch e de jornalistas independentes. A menina teve que decorar o discurso e ensaiar várias vezes a forma como o contaria. Para piorar a mentira, Nayirah, a menina que havia testemunhado, era filha de Saud Nasir al Sabah, o embaixador do Kuwait em Washington. Vejam vocês, Fake News causa até guerra.

Por sinal, boa parte das guerras se fundou em Fake News. Neguinho já queria tretar por questões financeiras, econômicas ou de pura ambição, mas precisava de um motivo, então jurava de pé junto alguma mentira, como por exemplo, que o Iraque tinha armas nucleares. Ou que foi atacado primeiro… Foi assim que começou a Guerra do Vietnã.

O chamado “Incidente do Golfo de Tonkin”, onde barcos vietnamitas teriam disparado contra navios americanos, nunca aconteceu, apesar de ter sido massivamente divulgado pela mídia. Ninguém atirou em ninguém. Como atacar primeiro pega mal, os EUA espalharam a Fake News que estavam apenas revidando, mas na verdade, foram os primeiros a atirar.

Por sinal, toda a Guerra do Vietnã foi um aglomerado de Fake News. Enquanto os americanos levavam um pau histórico, a imprensa vendia um ótimo desempenho, como se eles estivessem ganhando a guerra. Foi uma Fake News de longa duração e a verdade só veio à tona muito tempo depois, quando se tornou insustentável continuar morrendo feito moscas.

E quando a Fake News é declaradamente uma Fake News e os animaizinhos que leem não percebem? Aconteceu com a gente, no texto onde “comprovamos” que cigarro não faz mal à saúde, em 2009, feito justamente para provar que as pessoas acreditam basicamente em qualquer merda que querem acreditar, portanto, é preciso sempre desconfiar do que se lê. Até hoje pessoas deixam comentários neste texto aplaudindo nossa inciativa de falar “a verdade”. Aconteceu também com a revista Veja, que divulgou como verdadeira uma notícia explicitamente falsa.

A revista americana New Scientist publicou uma nota no dia 1º de abril de 1983, dia da mentira, data em que tradicionalmente publicam uma notícia gritantemente falsa, como piada. A nota dizia que cientistas alemães haviam cruzado células de tomate com células bovinas: o boimate. E não é que a porra da Veja me pega o caso do boimate e publica como se fosse sério?

E quando a Fake News vem de canais educativos? Em 2011, canais como Nat Geo e Discovery exibiram um documentário chamado “Mermaid, the Body Found” (“Sereias, o corpo encontrado”) onde se comprovava a existência de sereias por diversos vídeos e por um corpo encontrado em uma praia, que seria metade humano, metade peixe. O documentário causou furor na época, mas logo depois descobriu-se que era falso.

Quando a notícia de que era falso se consolidou, os responsáveis por criar e exibir o documentário vieram a público dar uma de João Sem Braço: “Ah, vocês não sabiam que era falso não? Era ficcional…”. Em momento algum o documentário indica ser ficcional. As pessoas ficaram putaças e isso fez com que os canais revejam a forma como apresentam conteúdo para o público. Hoje invariavelmente colocam um aviso dizendo se tratar de uma obra de ficção, graças à fúria dos espectadores, que promoveram um belo boicote ao se sentirem enganados por esse “documentário”.

Se você parar para pensar, vai se lembrar de muitas Fake News. Algumas eram apenas invenções malucas, mas outras prejudicaram de forma injusta muita gente: vai desde o caso do bebê-diabo nascido no ABC Paulista até o caso da Escola Base, onde os donos eram acusados de estuprar crianças, amplamente divulgado pela imprensa e nunca provado. Sempre existiu, só não tinha esse nome.

Quando não havia redes sociais, quando não estávamos todos conectados, a imprensa ou pessoas públicas podiam disseminar Fake News com facilidade, pois não tínhamos como apurar os fatos. Havia monopólio da informação, o que, a meu ver, é ainda mais perigoso que a vovó da família replicando notícia falsa no whatsapp. Havia monopólio não apenas da informação, mas também da mentira.

Com as redes sociais, ao estarmos todos conectados e com toneladas de informação online disponível, ficou mais complicado que a imprensa ou pequenos grupos disseminem Fake News sem que ninguém perceba. Porém, o efeito colateral é que qualquer um de nós pode espalhar Fake News.

Mas, pensem comigo, por mais que notícias falsas sejam nocivas, melhor que sejam espalhadas pelo Seu Zé de Pindamonhangaba do que pela CBB e pela BBC. Com certeza a mentira do Seu Zé vai ser de menor alcance e mais fácil de descobrir. Prefiro ser bombardeada com mais mentiras mas, em contraponto, ter mais subsídios para desmascará-las.

Então, Fake News fazem parte da história da humanidade, porque, sabem como é, o ser humano mente. Não tem jeito, sempre existiram e sempre existirão. Façam as pazes com elas e busquem conhecimento, pois agora todos nós temos as ferramentas para apurar se são verdadeiras ou não.

Hora de aceitar que as Fake News sempre existirão e não podem ser evitadas. Se você quer combate-las, a solução não está em impedir que sejam disseminadas. Faça sua parte e investigue a informação, assim saberá exatamente no que acreditar. Uma busca rápida no Google pelo tema já te dá uma clara noção da veracidade. Além disso, existem sites especializados em desmentir em tempo real as principais Fake News do momento, como por exemplo o site e-farsas.

É assim que se combate: com informação, não com censura. Vai por mim, eu vivi as duas realidades, é melhor agora, com amplo acesso à informação. Sejam gratos em vez de reclamar.

Para dizer que a história do Brasil é uma grande Fake News, para dizer que prefere o termo “pós-verdade” ou ainda para espalhar Fake News nos comentários: sally@desfavor.com

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Comments (23)

  • E a fake news da Escola Base? E a parada do Ibsen, que dizem também ser uma fake news? E a da Grávida de Taubaté, que era uma fake news óbvia, mas os gênios que acompanham a Record não notaram que a barriga (jargão para fake news no jornalismo) era falsa?
    São tantos casos pra contar, né?

  • Minha Fake News favorita foi o boato de que o Justin Bieber estava com câncer e um monte de maluca raspou a cabeça e postou foto com a tag #BaldForBieber
    tempos de ouro da internet…

  • “Quando não havia redes sociais, quando não estávamos todos conectados, a imprensa ou pessoas públicas podiam disseminar Fake News com facilidade, pois não tínhamos como apurar os fatos.”

    Gugu Liberato foi um que nadou de braçada na época em que a imprensa podia disseminar Fake News à vontade sem ser descoberta. Hoje eu dou risada de ter acreditado numa bobeira daquelas, mas quando teve aquela historinha toda do chupa-cabras faltava eu ter um ataque de pânico quando falavam dessa criatura na TV.

  • Saudades do tempo em que era possível 5 minutos de diálogo sem a outra pessoa fazer uma referência política.
    Fanático por política e políticos sempre existiu, mas na última década aumentou significativamente até afeta pessoas normais. Se fosse pra realmente questionar políticos e evoluir o mundo, ok. Mas é só a necessidade de ter uma religião, notem que muita gente dita “politizada” se diz ateu e supostamente não precisa de Deus.
    Fica até minha sugestão pra um de vocês escreverem um texto sobre genética/ciência e religião.

    • Brasil tem aproximadamente 8% da população se ateus. Garanto que tem muito mais “politizados”, não acho que tenha relação de ateísmo com política.

  • Hoje eu tô feliz, hoje eu tô contente

    Aproveitando o momento…
    Não sei se é fake news, nem me dei ao trabalho de pesquisar, mas parece que o Carnaval não vai mais ser financiado pelo governo. Agora, eu vi vantagem no governo do Pocket. Chega de sustentar bicheiro!!!

    • Tomara que seja verdade, se vagabundo quer encher a cara, passar glitter pelo corpo todo, se vestir de forma indigna e ficar batucando, que pague do seu bolso!

  • Escreveu tudo o que venho falando para as pessoas próximas a mim. As mentiras replicadas indefinidamente pela tia Maria são chatas, mas daí a culpá-las por todos os males da humanidade vai um abismo.

      • Mentira, boataria e moagem de reputações existem desde que o mundo é mundo. O que mudou ao longo do tempo foi apenas a forma como isso é feito….

        • Pois é, se hoje é divulgado com mais agilidade, tem o outro lado da moeda: todos nós podemos investigar, o que, na minha opinião, é ótimo. Mas vagabundo é preguiçoso, não quer investigar nem correr atrás da verdade, quer uma garantia de que tudo que é dito seja verdadeiro, assim não precisam cansar seus neurônios e fazer juízo de valor.

  • Uma das fake news mais bem sucedidas da história foi aquela dos navios brasileiros afundados por submarinos “alemães” e “italianos”, tanto que é contada até hoje como verdade nos livros didáticos de história, mas quem conhece mesmo da área sabe que foi uma operação de bandeira falsa com a conivência das forças armadas daqui, na qual os submarinos aliados (sim, EUA e Grã Bretanha mantiveram bases militares em território brasileiro na época) torpedearam e afundaram navios lá na costa norte do país.
    Nos tempos do getulismo, havia uma grande preocupação de que uma eventual vitória do eixo abrisse espaço para que os colonos provenientes justo de lá abrissem espaço para rebeliões e colocassem a “unidade nacional” (muito conveniente aos latifundiários então donos de grande parte das propriedades agrárias aqui) em xeque.
    Toda a preocupação com a questão educacional por parte de tal governo (que na época fez a reforma mais abrangente nesse campo) tinha justamente isso como pano de fundo. Sem contar que americanos e britânicos eram os principais compradores do café brasileiro.

  • Sobre “hoje colocam um aviso dizendo se tratar de uma obra de ficção”, isso me lembrou uma discussão que estávamos tendo outro dia no meu grupo de pesquisa no doutorado, sobre a tal da “vigilância epistêmica”.

    Esse conceito – partindo de um viés pelos estudos cognitivos e neurociência (aliás, não sei se tu sabe, esses tipos de estudos relacionados à literatura tem crescido no exterior de um tempo pra cá!) – diz respeito à capacidade “inata” que nós seres humanos temos de saber abstrair o que é, de fato, realidade, e o que é ficção.

    O problema é que, justamente, algumas pessoas não são capazes totalmente de fazer essa separação, e acabam achando que determinada obra literária – ou mesmo outra produção cultural do tipo filme, série – retrate exatamente a realidade tal como ela é, ou, dando um exemplo mais próximo: achar que o narrador de uma obra literária é exatamente o autor quem fala/escreve.

    Isso implica dizer, em outro sentido, que para algumas pessoas há uma falha cognitiva no processamento da mensagem. Acho que dá pra linkar isso com as tais fake news: as pessoas simplesmente são burrinhas, são incapazes de discernimento, há uma falha cognitiva enorme pra poder saber separar o que é, de fato, verdade ou não. O que me intriga é pensar que isso ocorra em sentido amplo, generalizado. Então o problema está no que? Na alimentação das pessoas, é isso?

    • Mas já reparou que é uma falha seletiva?

      Quando inventam uma noticia sobre alguem que ela desgosta, a pessoa imediatamente acredita. Mas quando é sobre alguem que ela gosta, desacredita.

    • Nesse caso não vejo como uma falha cognitiva “seletiva”, e sim como processo consciente ou ao menos infra consciente, no sentido de ser automático e a pessoa nem perceber. É a tendência a se proteger, vestir uma máscara com um discurso camuflado, e não sair da sua zona de conforto, já que uma opinião diferente lhe afeta, lhe desestrutura de alguma maneira e ela não sabe bem lidar com isso. Nesse caso sim, é um fenômeno coletivo doentio. Uma pena.

  • Minha Fake News favorita foi aquele boato de que as notas de real iriam ser alteradas pra ter a cara do Pabllo Vittar.

  • não bastasse a breguice que é usar palavras em inglês que possuem tradução, quem mais usa esse termo é justamente quem o trump teve a intenção de criticar ao falar isso. assim como outros aqui no desfavor, me pergunto se a massificação da internet foi mesmo uma boa ideia. vai ser cada vez mais difícil achar algo de qualidade.

    • Fake News virou algo tão indiscriminado que hoje é sinônimo de mentira, pouco importa se veio de uma notícia ou não. Acho que muita gente que usa o termo nem sabe o que significa, se soubesse, perceberia que existe desde sempre.

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