Sobrevivendo raios.

O Brasil é o país com maior incidência de raios do mundo. Segundo dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), são quase 70 milhões de raios por ano, a maior parte cai nas regiões Sudeste. O Brasil não se destaca apenas pela quantidade, a qualidade dos nossos raios também é diferente: enquanto 90% dos raios do mundo tem carga negativa, a maior parte dos raios brasileiros tem carga positiva. E, neste caso, “positivo” não é bom, significa que o raio tem mais potencial destrutivo, pois tem mais tempo de “duração” ou incidência.

Raios matam todos os anos mais de cem pessoas no Brasil, não por pura fatalidade, mas por desinformação sobre como se proteger deles.

Antes de mais nada, vamos entender o que é um raio. Raio é uma descarga elétrica que ocorre entre as nuvens e o solo ou entre uma nuvem e outra. Simplificando de uma forma até vergonhosa, os raios se formam da seguinte maneira: dentro de uma nuvem de tempestade (papo técnico: cúmulos-nimbos) a coisa é turbulenta, tem vento, tem agitação, é como se as partículas de água e gelo estivessem dentro de um grande liquidificador, batendo umas com as outras. Este atrito gera cargas elétricas, que vão se acumulando no interior da nuvem.

As partículas mais pesadas (gelo) acabam concentrando uma carga negativa na parte de baixo da nuvem, graças à força da gravidade. As partículas mais leves (água) concentram uma carga positiva no alto da nuvem. Então, é basicamente uma grande pilha: cada vez mais carga positiva na parte de cima, cada vez mais carga negativa na parte de baixo. Isso cria um campo elétrico, que vai acumulando energia, até que esta energia “transborda”, não “cabe” mais na nuvem e é canalizada para fora, algumas vezes em direção à Terra. Quando essa “faísca” se aproxima e chega a 50m do chão, sai da Terra outra faísca em direção à nuvem (papo técnico: descarga conectante). É essa que normalmente atinge seres humanos

Por causa da violenta descarga elétrica que provoca, o raio gera um clarão (relâmpago) e um estrondo (trovão). A temperatura de um relâmpago é de aproximadamente 30 mil graus, ou seja, cinco vezes maior que a temperatura da superfície solar. Imagino que neste ponto você já esteja começando a entender a importância de se proteger contra raios.

Relâmpagos e trovões são assustadores, mas tem uma função importante: eles ajudam a calcular aproximadamente a que distância um raio está de você. Isso é fundamental para entender o risco que se está correndo e o tempo disponível para tentar se proteger. É um cálculo bem simples: conte o tempo em segundos do momento em que ver a luz do relâmpago até escutar o som do trovão. Divida esse número por três e o resultado será aproximadamente a quantos quilômetros o raio caiu.

Se você for como eu, perderá qualquer capacidade matemática diante de uma situação de tensão. Não tem problema, se estiver nervoso e não conseguir equacionar esta conta, eis o que você precisa saber: se o tempo entre clarão (relâmpago) e o barulho (trovoada) for de 30 segundos ou menos, encontre um abrigo imediatamente, pois está perto demais e você pode ser atingido a qualquer momento.

Como de costume, vamos falar sobre prevenção primeiro, pois prevenir é sempre mais fácil que remediar. Por óbvio, já que os raios vêm do céu, a primeira medida para se proteger é conseguir abrigo em um local fechado quando perceber uma tempestade se formando. Não espere a tempestade começar ou os raios começarem a cair perto, procure abrigo ao primeiro sinal de perigo.

A melhor opção são edifícios grandes, que costumam ter para-raios eficientes. Na ausência de um bom prédio, você também pode entrar em um carro, pois se o veículo for atingido por um raio, a eletricidade vai passar pelo carro, não pelo seu corpo. Porém, é importante que, estando dentro do carro, você feche todas as portas e janelas e não encoste em nenhuma estrutura metálica ou condutora, coloque as mãozinhas na sua própria perna e apenas espere.

Uma vez dentro do prédio, feche as janelas e fique longe delas. Encostar nas janelas ou nas proximidades pode acabar fazendo com que o raio te alcance. Também fique longe das portas, nem encoste nas maçanetas, que costumam ser de metal. Não encoste em nada elétrico ou por onde passe eletricidade (eletrônicos, tomadas, etc). Se quer tirar eletrônicos da tomada, faça antes de começar a tempestade, durante nem pensar. É que se você estiver mexendo na tomada e cair um raio, a eletricidade pode ir toda para você. Parece histeria, mas cerca de 15% das mortes por raio ocorrem com pessoas que estavam dentro das suas casas.

Paredes criam uma falsa sensação de proteção. Raios podem entrar na sua casa através de qualquer material que conduza eletricidade e muitas paredes possuem uma malha metálica do lado de dentro. Então, na dúvida, não foque encostado em portas, paredes, janelas ou qualquer outro “caminho” que possa canalizar o raio até você. Uma das principais causas de lesões por raios a pessoas que estavam em suas casas é o telefone (com fio ou que esteja ligado na tomada carregando): as vítimas estavam falando ao telefone, uma raio caiu no prédio e viajou pela fiação até alcançar os infelizes.

Também evite se molhar, seja em chuveiro, banheira ou piscina internos, pois água é condutor de eletricidade e o raio pode acabar chegando até você, mesmo que a piscina seja coberta, pelos canos que levam a água até ela. Evite usar de qualquer forma os encanamentos, até mesmo lavar as mãos, pois normalmente os canos ou parte deles são de metal ou tem peças de metal e podem conduzir a eletricidade do raio até você: o raio cai no prédio, a eletricidade é conduzida pelos canos e pela água. Só pode usar o vaso sanitário, pois a porcelana é um excelente isolante. O resto você deixa para depois.

Sei que parece ridículo, mas seguro, seguro mesmo, é ficar do lado de dentro do prédio ou casa, longe das janelas, sem encostar em nada, nem mesmo na parede. Muitas pessoas fazem isso instintivamente. Uma tempestade com raios não costuma durar muito tempo, é chato, mas ninguém morre por ficar meia horinha de castigo sem encostar em nada. Só para constar, ao contrário do que dizem, espelhos não atraem raios.

Mesmo depois que a tempestade ou os raios tenham aparentemente “acabado”, não saia de casa ou do seu abrigo antes de ter se passado meia hora sem que caia nenhum raio (ou seja, sem relâmpagos e trovões). Isto porque os raios podem não parar de uma hora para a outra, apenas ficarem mais espaçados. Espere meia hora após o último raio e só depois saia.

Agora vamos ser um pouco mais pessimistas: você não conseguiu se abrigar em um prédio ou casa seguros, com para-raios. O que fazer? Entrar em um celeiro? Entrar em uma barraca? Não! Estruturas só te protegem se elas puderem tomar o raio no seu lugar, caso contrário, elas atrairão o raio e ambos serão atingidos. É o caso de árvores, cabines de banheiros químicos e outras pequenas estruturas não equipadas para suportar uma grande descarga elétrica. Essas pequenas casinhas, postes ou árvores só te prejudicam, saia de perto.

O ideal nesses casos é que você fique a céu aberto mesmo, porém vá para a parte mais baixa do local onde você está, nada de ficar no alto de morros. Procure planícies, locais baixos. Você também deve fugir de locais descampados, grandes espaços abertos, onde você seja o ponto mais alto do local, como por exemplo em um campo de futebol. Raios costumam cair no ponto mais alto porque é lá que as cargas positivas tendem a se acumular. Sendo você o ponto mais alto, adivinha onde o raio vai cair?

Feche o guarda-chuva, pois além da maioria conter estrutura de metal, ele ajuda a que você seja o ponto mais alto do local e vire alvo para o raio. Se tiver qualquer calçado com sola de borracha à sua disposição, calce. Não vai te proteger 100%, mas talvez reduza os danos. E nem pense em encarar uma tempestade com raios andando em uma bicicleta, objeto de metal. Desça e se afaste da bicicleta.

Procure por lugares que tenham outros pontos mais altos que você, mas mantenha-se afastado deles. Por exemplo, fique em um locar com um grande poste, mas mantenha-se a pelo menos 100m de distância dele. Em hipótese alguma se abrigue ou fique perto de estruturas metálicas como arquibancadas, cercas, postes e outros.

Importante: nunca fique dentro da água ou muito próximo à água (rios, lagos, enchentes ou qualquer outra variação). Existe uma crença falsa de que se você estiver submerso, um raio não te atinge, mas isso não é verdade. O raio pode atingir a água, ótimo condutor de energia, e chegar até você, mesmo que você esteja bem distante do ponto onde ele caiu. Ficar inconsciente dentro da água não vai ser legal.

Normalmente objetos de metal (relógio, pulseira, etc), não tem tamanho relevante para atrair um raio. Obviamente se for algo grande, como uma mochila de acampamento com grandes canos de metal em sua estrutura, você deve se afastar dela, pelo menos 100m. Se você tem próteses de metal no corpo, não se preocupe, a menos que você seja o Robocop, elas não tem tamanho para atrair um raio.

Atenção, um erro muito comum: se você estiver em grupo, há uma tendência natural a se manterem todos juntos, pelo medo e pela falsa sensação de proteção que isso gera. Quando falamos de raios, um bolinho de gente só aumenta os riscos, pois se uma pessoa for atingida, ela passará a eletricidade do raio para as outras. Afastem-se uns dos outros. Mantenham uma distância entre 50 a 100m uns dos outros, assim, se um raio cair em alguém, ele não afetará o resto.

Uma dica politicamente incorreta: já vimos que carros te protegem de raios. Eu chamaria uma ambulância mesmo que não tenha acontecido nada, dizendo que aconteceu, apenas para que chegue um local seguro onde eu possa me abrigar. Não teria o menor pudor de simular alguma coisa para ter acesso a um lugar que salve minha vida. Fica a critério de vocês.

Agora vamos pensar no pior cenário: não nada que possa te ajudar a se proteger, você está a céu aberto no meio de uma tempestade. Saiba que os locais recordistas de acidentes envolvendo raios são campos de futebol e praias, justamente por serem descampados onde o objeto mais alto costuma ser você. Se está em um destes dois lugares, tente sair o mais rápido possível.

Estando em uma área descampada, sem proteção, suas chances de ser atingido são maiores. Por isso mesmo, vamos ver agora a forma menos pior de ser eventualmente atingido por um raio. Primeira coisa é fazer com que o raio não caia em você, no máximo perto, causando apenas um dano colateral. Para isso, você não pode ser o ponto mais alto do local. Certifique-se disso.

Mantenha a calma, menos de 10% dos incidentes com raios são letais e existem algumas coisas que você pode fazer para minimizar os danos caso de fato seja atingido. A primeira delas é ficar atento, normalmente pessoas “sentem” alguns avisos antes de que caia um raio. Esteja atento a esses avisos para se posicionar da forma correta.

Muitas pessoas relatam que segundos antes do raio cair nas proximidades sentiram seu cabelo e sua pele “arrepiarem”, algum tipo de formigamento ou até uma de suas mãos levantarem. Eletromagnetismo dá sinais. Além disso, objetos de metal podem vibrar, estalar ou até emitir um som/chiado. Quando isto acontece, entenda que vai cair um raio pertinho de você e que você tem poucos segundos para agir.

Abaixe-se o mais próximo do solo que puder, porém com o mínimo de área encostando no chão. Há uma posição específica recomendada chamada “Agachamento contra raios”: com os pés juntos, cabeça encostada no peito ou entre os joelhos e mãos cobrindo as orelhas (o barulho do estrondo pode causar perda auditiva), uma versão sofisticada da posição de cócoras.

É uma posição difícil de manter, mas é importante ficar nela, pois ela permite que raio passe ao longo do seu corpo, ao invés de atravessar de seus órgãos vitais, o que vai gerar lesões muito menores. Fique nela até o raio cair. Se não cair em você, que ótimo. Se cair próximo a você, provavelmente os danos serão pequenos, mas, mesmo assim, procure uma emergência assim que puder, podem haver danos internos.

Se caiu em você, sentiremos muita a sua falta. São poucas as chances de sobreviver se um raio o acertar em cheio, pois a pessoa recebe uma corrente de 30 mil a 40 mil amperes, cerca de mil vezes mais forte que a corrente de um chuveiro. Mas casos assim são raros, o mais comum é que a pessoa seja atingida de forma indireta.

Agora vamos supor que uma pessoa próxima a você foi atingida por um raio. Não se desespere, não é bonito de ver, assusta, você tem a nítida certeza de que a pessoa morreu, mas às vezes não acontece nada muito grave. É muito barulho e muita luz, mas geralmente o raio não atinge a pessoa em cheio, cai perto e a pessoa sofre apenas efeitos colaterais.

Primeira providência é remover a pessoa do local, pois, ao contrário do que dizem, um raio pode sim cair duas vezes no mesmo lugar. Quem é do Rio de Janeiro sabe disso muito bem, frequentemente caem raios no Cristo Redentor. Pode se aproximar da pessoa sem medo, ela não vai reter a eletricidade que recebeu.

Depois de colocar a pessoa em um local seguro, verifique os sinais vitais. Primeiro veja se ela está respirando e se tem batimentos cardíacos. Se não tiver, chame socorro e faça RCP, que já ensinamos em textos anteriores. A pessoa também pode entrar em choque e precisará de atendimento imediato (também já falamos sobre choque em outro texto). Preste os primeiros socorros mas saiba que é imprescindível que a pessoa seja levada o mais rápido possível para um hospital.

Pode ser que a pessoa esteja consciente, mesmo que desorientada. Ainda que a pessoa aparente estar bem, é indispensável que seja levada para um pronto socorro, pois podem existir danos internos que apenas um médico e alguns exames identificarão. Jamais permita que uma pessoa que foi atingida por um raio volte para casa como se nada tivesse acontecido.

Uma pessoa atingida por um raio pode sofrer queimaduras, parada cardíaca, problemas neurológicos, perda de memória,

Por fim, saiba que raios são mais comuns no verão e durante tempestades, mas podem acontecer em outros contextos, como em erupções vulcânicas (quanto mais cinzas, maiores as chances de raios). Podem ainda acontecer antes de começar de fato a chover, ou seja, antes da tempestade. Por isso não espere a chuva cair para buscar um abrigo seguro.

Uma pergunta muito comum: raios podem atingir aviões? Sim, ao contrário do que diz a lenda. Porém, nada acontece com você, é o mesmo princípio do carro. E nada deve acontecer com o avião também, se for uma aeronave com a manutenção em dia, já que turbinas e tanque de combustível devem estar bem protegidos e dificilmente serão alcançados pelo raio.

E, a título de curiosidade, a pessoa que mais foi atingida por raios no mundo foi um infeliz chamado Roy Sullivan, guarda-florestal no estado americano da Virgínia. Ele foi atingido sete vezes. Na primeira, em 1942, ele perdeu a unha de um dedão do pé. Em 1969, 1970, 1972 e 1973 escapou com queimaduras leves. Em 1976, feriu o tornozelo. Em 1977, ficou com o peito e a barriga queimados.

Para dizer que o Brasil é recordista em tudo que há de ruim, para dizer que agora tem medo de tempestades ou ainda para dizer que é melhor não voar Avianca em dia de chuva: sally@desfavor.com

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Comments (7)

  • Legal, como sempre incompleto esses textos né? se acontecer mesmo de eu estar em uma tempestade e risco de raios é claro é legal ou procurar um local aonde tem para raios, mais o local que tem para raios protege as pessoas em que distancia? Resposta: Uma vez e meia a altura dele…. bju

    • Hugo, sua informação está incorreta. O critério é muito mais complexo do que isso, razão pela qual não entrou no texto. Sugiro que pesquise em outras fontes que não informação de internet.

  • Muito obrigada por esse texto, Sally

    Confesso que sempre tive PAVOR de raios e um dos meus maiores medos é ser atingida por um

    Para melhorar estamos em pleno verão onde tem tempestade praticamente todo dia aqui

    Com certeza seu texto vai me ajudar muito

    • Leticia, não tenha medo, raios não atingem pessoas aleatoriamente, como muitos fazem parecer. A pessoa geralmente está se colocando em risco mesmo sem perceber, como por exemplo, jogando futebol na praia com uma tempestade se formando. Tente nunca ser o ponto mais alto do lugar ou não estar perto do ponto mais alto (sem para-raio) e suas chances de ser atingida são praticamente zero.

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