O pior do verão.

Como é de praxe por aqui: estamos no verão, Sally e Somir reclamam do verão. Mas também para seguir a tradição, não entram em acordo sobre onde está o foco da reclamação. Os impopulares esquentam a polêmica.

Tema de hoje: além do calor, qual a pior parte do verão?

SOMIR

O efeito negativo que tem em pessoas mais inteligentes. Vou traçar um paralelo aqui: quem já teve um carro mais simples e um mais moderno sabe que ambos podem quebrar, mas que um deles dá muito mais dor de cabeça quando o faz. Um carro mais antigo e barato é construído de forma mais básica, com materiais mais em conta. Quando dá problema, não só é mais fácil achar as peças, como mais mecânicos são capazes de fazer o trabalho. Já o carro moderno e cheio de tecnologia tende a falhar de forma bem mais dispendiosa: nem todo mundo consegue resolver o problema, porque falta mão de obra especializada e os materiais são mais raros. Pudera, mais gente tem o carro simples e barato. Enquanto funciona, o carro mais complexo é melhor, mas quando algo dá errado, a complexidade cobra um preço maior.

Com pessoas, as coisas são parecidas: quanto mais complexa sua mente, mais ela depende de uma situação ideal para funcionar. Além disso, é mais dispendioso resolver os seus problemas. O calor está historicamente ligado com civilizações que não precisavam pensar tanto assim: a maior parte dos povos do calor não precisava se planejar para o inverno, nem mesmo formar estruturas sociais muito complexas para se proteger dos elementos. Nem é uma crítica: o ser humano não pode se planejar para um problema que nunca acontece mesmo. Mas, há uma correlação entre temperatura e pressão seletiva para o aumento da inteligência.

O calor costuma colocar a mente humana num modo de atenção momentâneo, reduzindo a capacidade de pensamento no longo prazo e focando mais no concreto do que no abstrato (vulgo o futuro). Via de regra, é mais simples sobreviver ao calor do que ao frio, e no calor não precisamos criar muita coisa para combater seus efeitos mais incômodos: basta água fresca e sombra para lidar. Muito diferente de buscar isolamento térmico com roupas e produzir fogo para se proteger do frio. Com tudo isso explicado, proponho que mentes mais complexas são mais afetadas pelo calor do que as mais simples. O conjunto de ferramentas desenvolvido pela necessidade de sobrevivência ao frio perde o valor nas temperaturas elevadas, e o que quebra nessas mentes custa mais caro para consertar, sempre.

O calor parece desacelerar o cérebro, tornando o pensamento mais cansativo e o trabalho puramente intelectual menos válido. O corpo entra num modo de luta contra os elementos e vai desligando as funções menos essenciais: e como lutar contra o calor não exige tanto planejamento quanto tomada de decisões rápidas (“busque sombra e líquidos” ao invés de “produza calor”), todo o pacote da inteligência mais elevada vira função secundária da mente, punindo com mais severidade as pessoas mais desenvolvidas nesse aspecto. O burro está no seu habitat natural, a terra das decisões imediatistas. O inteligente mudou de planeta…

E o mundo sempre perde quando são as pessoas mais simplórias que estão mais confortáveis. Isso significa estagnação. A impulsividade necessária no calor surge de forma mais natural para quem não precisa batalhar contra o conteúdo da mente, fazendo com que essas pessoas consigam economizar no seu funcionamento diário. Já quem depende mais do pensamento abstrato para existir agora lida com um cérebro rebelde num corpo cada vez menos afeito a gastar seus líquidos com o uso de energia cerebral.

Concentração vem mais difícil no calor, abstração custa mais caro para um corpo que está sem energia para mais nada. Calor é um ambiente propício para a burrice, e quem já vive dessa forma o tempo todo não sofre tanto assim. Mais do mesmo. Para algumas dessas mentes mais simples, é até válido buscar ainda mais contato direto com o sol nos dias mais quentes. Sobra tanta disponibilidade por causa da mente vazia que se bronzeiam despreocupados enquanto os outros estão sentindo falta da acuidade mental que sempre tiveram.

Na média, é melhor ter um cérebro mais complexo, mas assim como na analogia do carro, quando a situação é de quebra, é melhor ter menos o que consertar. Verão quebra cérebros. E toda vez que uma população passa por uma situação dessas, a qualidade de vida geral cai um pouco. Menos gente para avisar sobre problemas não imediatos, menos planejamento, menos inovação. No calor, normalmente os problemas são sempre do mesmo tamanho e não exigem muita criatividade para serem resolvidos: a cerveja gelada que funcionou vinte anos atrás funciona agora. Não há necessidade de estar mais bem preparado para o próximo verão, não é um funil populacional como um inverno rigoroso.

Quem depende mais do pensamento complexo para tocar sua vida é punido de forma desproporcional, é o custo que sistemas mais avançados sempre tem. A pior parte do verão não são as pessoas que se adaptam bem a ele, porque elas são mais ou menos iguais o tempo todo, só parecem diferentes no calor porque quem está do outro lado do espectro de inteligência está chocado com a facilidade que eles se adaptam ao clima. Como sempre, o pior está no lado de quem perde mais: o calor é hostil ao desenvolvimento intelectual, e isso é um desastre para uma parcela pequena, mas importante em qualquer lugar do mundo.

Eu aposto que escreveria este texto bem mais bom no inverno.

Para dizer que perceberia as implicações terríveis deste texto se não estivesse morrendo de calor, para dizer que fica é com inveja mesmo de quem se dá bem nesse clima, ou mesmo para dizer que já fugiu desse forno fedendo a secreções humanas do Brasil e nem lembra mais desses problemas: somir@desfavor.com

SALLY

Além do calor, qual é a pior parte do verão? As pessoas que gostam do verão. Olha, quando vocês me perguntarem qual é a pior coisa em um leque de opções que envolva pessoas, provavelmente eu sempre vou responder que o pior são as pessoas, porque, francamente, eu odeio pessoas.

Salvo honrosas exceções, as pessoas que gostam do verão se transtornam quando a estação chega. Ficam excessivamente alegres, barulhentas e até promíscuas. Essa gente bronzeada mostrando seu valor é simplesmente insuportável. É feio, é brega, é inconveniente.

As consequências do calor no corpo humano podem ser mitigadas de diversas formas. Mais de uma vez peguei computador ou celular e sentei em um café com ar condicionado na rua ou no shopping e ali fiquei, produzindo a tarde toda, gastando apenas o pagamento de um cafezinho. E teria sido joinha se não fosse macaquito movido a energia solar, pois a temperatura era 18°, meu cérebro estava feliz e funcional.

Mas mesmo driblando a questão térmica, macaquito agitado é incontornável. Eles estão por todas as partes, principalmente aqui no Rio de Janeiro, cidade litorânea, de gente barraqueira e mal-educada. Macaquito grita, macaquito coloca música alta, macaquito escuta mensagens ou vídeos no celular em volume máximo. Não adianta, eles chegam até você.

Pode ser por uma festa na casa do vizinho com sol alto durante toda a madrugada, pode ser por briga de casal aos berros, pode ser até por uma criança igualmente mal-educada que não foi ensinada a não gritar em locais públicos. Sempre tem um macaquito atrapalhando a minha vida. E, vejam bem, não é só questão de concentração para trabalhar, é na dignidade do viver. Parece que no verão não temos mais o direito de ficar em paz, em silêncio.

E o frenesi tem o cronograma de uma rave: dura dias seguidos. Não sei que inferno acontece com macaquito praieiro que eles simplesmente não dormem, eu quando vou à praia volto exaurida. Se estavam fazendo barulho à noite, por algum motivo, de manhã continuarão fazendo barulho. Parece o sol os recarrega em vez de cansá-los. Talvez seja a falta de atividade intelectual.

A ciência já provou que a necessidade de sono está diretamente ligada ao aprendizado, ao trabalho intelectual. Quanto mais informação você processou e aprendeu, mais vai precisar dormir para fixa-la na sua cabeça. Como o ápice da atividade intelectual dessa gente é dar uma olhada no Instagram enquanto caga, a necessidade de sono é quase zero. Foda-se quem realmente precisa dormir.

Mas existem mais incômodos que vem desses símios. A informalidade extrema, que te obriga a ver pessoas trajando apenas sunga e chinelo na fila do banco. A histeria camuflada de alegria, sempre com muito barulho, batuque e álcool. É tudo muito deprimente, trash e cansativo. Esse “alto astral” de verão… olha, se um dia eu tiver poder, eu vou construir um campo de concentração para enfiar gente assim em uma câmara de gás.

No inverno o Rio vira um paraíso. Se faz 12° o carioca desaparece, não bota nem o nariz na rua. O cheiro da cidade melhora, o visual também. No verão tudo fica lotado, você não entende como cabe tanta gente nesta cidade de merda, que é uma tripinha de terra espremida entre a água e a montanha. Tudo que você deseja fazer tem fila, exceto, é claro, se entrar em uma livraria. Mas estão todas falindo mesmo…não restam muitas para entrar.

Arrombado já está correndo na orla, ao ar livre, às seis da manhã. São movidos a energia solar essas porras. É futevôlei, é frescobol, é cervejinha, é vôlei de praia… e chega no final do dia, estão todos hiperativos tal qual roedores no cio, batucando, acasalando, gritando e bebendo. Não se tem paz no verão, ao menos não na minha cidade.

E ainda tem macaquito que te enche o saco para que você acompanhe nessa rotina. Amigo a gente manda tomar na olhota do cu e pronto, mas e quando é macaquito de trabalho? Felizmente agora eu trabalho com o Somir, então, não corro esse risco, mas já trabalhei em empresas onde funcionário tinha que fazer trilha, caminhada, pedalada e outras merdas. A macaquice é institucionalizada, é cansativo e solitário ter que se impor e se permitir ser diferente.

Sim, se você não é macaquito duracell, destoa e é severamente criticado: pessoa triste, chata, desanimada. Sim, sim, vai ver estou deprimida, pois não levando a saia e urino no meio da rua. Para ser alegre tem que ser barulhento, expansivo, alcoolatra, caso contrário, você não sabe aproveitar a vida. Olha, a menos que joguem uma generosa dose de Rivotril no Aquífero Guarani, isto aqui só se resolve com uma bomba atômica. É uma mediocridade e falta de educação tão enraizada, que sequer é percebida, e ainda é celebrada.

Na boa, tem dezenas de recursos para driblar as altas temperaturas, é algo que só depende de você: comprar um ar condicionado em 24x, ir para lugares que tenham ar condicionado, passar o dia em uma piscina tomy na varanda, sei lá, dá-se um jeito. A merda é depender dos outros. Que os outros tenham educação, que os outros falem baixo, que os outros tenham um pingo de respeito. Para isso não há solução (a menos que eu chegue ao poder e instaure meu campo de concentração).

Estes símios, estes aborígenes cariocas se transtornam de tal forma no verão que não vai demorar até que estejam jogando fezes em transeuntes, tal qual chimpanzés. Isso sem contar os odores… porque nem todo desodorante segura uma sensação térmica de 55°. Pois é, macaquito carioca agride vários sentidos: visão (hedionda sunga branca), audição (pagodeando e gritando), olfato (cecê + cheiro de saco + transpiração alcoolica).

Gente é um saco. Gente no calor é insuportável. Gente amontoada no calor avaliza projetos suicidas (ou homicidas, como for mais do seu perfil). Calor do caralho no silêncio de um bangalô na Polinésia eu aguento, calor com gente enchendo o saco, invadindo meu espaço pessoal, me sujeitando a um aterro sanitário musical e exacerbando histeria travestida de alegria nas proximidades mata minha alma.

Só me resta desejar uma glaciação no planeta. Nem precisa ser muito extrema, se a temperatura cair abaixo de 10° esses Gremlins de Sunga falecem na mesma hora. Vem logo, Era do gelo!

Para dizer que eu estou assustadoramente irritada, para dizer que concorda com cada palavra ou ainda para dizer que o pior do calor são os mosquitos: sally@desfavor.com

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Comments (20)

  • Falando em falta de educação, vocês viram uma notícia que supostamente havia planos de instalar um parque da Disney em Brasília? Acho que os muricas cansaram do brasileiro indo pra Flórida jogando lixo no chão e fazendo macaquices.

  • O que me deixa enojada mesmo é que essa falta de educação é tida lá fora como CULTURA. Tive o desprazer de assistir uma palestra no Japão e quando falam do Brasil dizem que: beber cerveja, promiscuidade, ser sujo, burrice, usar drogas, ser mal educado etc é a “cultura brasileira” . Essa pseudocultura brasileira não passa de um resultado de uma população miserável somada a uma educação precária interligada a um clima péssimo. Me poupem de dizer que isso é cultura.

    • Em bairros arborizados, nem tanto. O problema é que neguinho asfalta tudo, concreta tudo, aí quando o verão vem fica “mimimi aquecimento global” sendo que foi uma escolha DO BAIRRO (não uma realidade planetária) aumentar em 10° a temperatura!

      • Vocês sabiam que a construção das moradias também influencia? Nos últimos anos a construção tem diminuindo o pé-direito das casas e apartamentos (quanto mais alto o pé-direito, mais ventilado o local será) e as pessoas estão morando nesses fornos.
        Eu morava num desses apartamentos modernos caixa de fósforo, construídos na década de 2010, quando me mudei pra um prédio um pouco mais antigo, dos anos 70, senti uma diferença enorme e até uso o ar condicionado com menos frequência.

        • Muitos fatores influenciam, mas as pessoas preferem ficar no medo, no “ainn aquecimento global”, como se fosse algo alheio a seus atos. Tem dezenas de coisas que podem ser feitas para uma cidade ou um bairro ficarem mais frescos, às vezes representando um queda de até 10° na temperatura.

  • Além do calor, são os insetos e não ter ar cobdicionado nos ônibus. Esses dias entraram 2 baratas embaixo da minha porta. Eu tenho aquelas cobrinhas, mas elas passam pelo vão. E o pior mesmo é ser pobre, pra precisar usar ônibus sem ar e morar numa cidade fodida comandada pelo Crivella.

  • Nessa eu tenho que ficar com a Sally. O Homo Percussionis Oleosus é movido a energia solar, e quanto mais indigno é o calor, mais energizado ele fica. Quando a sensação térmica passa dos 40 graus, o simples fato de estar vivo é motivo pra chamar a brodagem, preparar aquele contêiner de cerveja barata, alguns quilos de carne de segunda, botar o corsa rebaixado pra tocar o pancadão no talo e gritarem feito uma orgia de chimpanzés. Você tá derretendo, até seus bichos estão em letargia, mas os caras estão a mil por hora.

    Mas o pior é quando você já está sofrendo pra conseguir dormir enquanto sua como se estivesse numa sauna, e aí algum HPO resolve começar o pancadão em plena madrugada. E você tem que engolir, porque se quiser chamar a polícia vai ter que dar a cara a tapa para uma horda de HPOs que em boa parte volta e meia estão com uma tornozeleira.

  • Por mais que eu concorde com a Sally e tenha os mesmos desgostos que ela por causa do calor, vou ficar com o Somir nessa. Até porque, com este trecho: “E o mundo sempre perde quando são as pessoas mais simplórias que estão mais confortáveis. Isso significa estagnação.”, ele reforçou na minha cabeça a certeza de que esta pocilga, que a cada ano fica mais quente, está perpetuamente condenada ao fracasso… Não há condições: uma minoria mais inteligente que não consegue fazer nada direito no calor vivendo cercada por BMs – que já são indolentes por natureza – em um meio-ambiente que favorece justamente um modo de vida bobo-alegre e sub-desenvolvido intelectualmente não tem mesmo como dar certo.

  • Tenho dúvidas se o comportamento do BM melhora no frio. Sou gaúcho e morei no sul a maior parte da vida, fora um ou outro canto perdido de civilização, sulistas são só BMs um pouco mais brancos, e falo dos sulistas mesmo, nada de ficar culpando imigrante de outras regiões que BM é uma epidemia nacional. (adendo aos meus conterrâneos: baixem a bola, São Paulo é o ÚNICO estado que conseguiria se separar e se virar sozinho)

    Voto com a Sally. No frio você pode se cobrir de agasalho, tomar uma bebida morna e fechou. Dá pra viver tranquilo. No calor você vai fazer o quê? Andar com um ar condicionado a pilha no ombro, igual rádio antigamente?

    • Por mais que não seja cidadão ideal, eu vejo uma diferença enorme entre o sulista e o resto. Talvez o período que morei em Salvador tenha me traumatizado…

      • Tive a chance de morar em todas as regiões do Brasil e conheço quase todos os estados, as diferenças não foram tão grandes, ainda mais hoje com tanta gente se mudando pra trabalho e graduação nos misturamos cada vez mais. A diferença é que os sulistas são os únicos que ainda são mal resolvidos com a sua condição de latinos.

        Mas já estou fugindo demais do tema do texto.

    • Nem São Paulo se viraria sozinho: cercado de Brasil por todos os lados, sucumbiria facilmente a qualquer esforço da “coalizão” dos seus vizinhos. Em 32 bastou cercar o mar, e perdemos a “guerra” por isso.

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