Estamos no mês do orgulho gay, várias marcas e instituições ao redor do mundo fizeram suas homenagens, ativistas aproveitam o momento para reforçar sua mensagem, e tivemos até notícias muito positivas como um país africano (a Tanzânia) considerando mudar suas leis para descriminalizar a homossexualidade. Mas a cada ano que passa, pelo menos nos países ocidentais, me parece que a mensagem desse movimento fica cada vez menos definida…

Eu tenho idade suficiente para lembrar de um mundo onde era impensável defender uma causa como os direitos dos homossexuais, e mais impensável ainda assumir publicamente uma sexualidade diferente da norma. Num espaço de tempo minúsculo para a história humana, isso mudou consideravelmente: embora ainda não seja um mundo exatamente seguro para os homossexuais, já vemos o cidadão médio até de países atrasados como o Brasil muito mais aberto para a ideia.

Mais do que isso, em alguns círculos sociais já existe aceitação plena, especialmente nos que concentram muitas pessoas como os de grandes metrópoles. Existem até alguns lugares onde a cultura mudou tanto que homossexuais são uma classe protegida, e é socialmente vantajoso se assumir assim. Mas pode-se argumentar, e com razão, que esses lugares são uma minoria no mundo. Realmente, a maioria da população humana não vive nesses círculos ultra-progressivos. O grosso da nossa população vive em lugares pobres e atrasados em todos os sentidos.

E aí que começa a surgir o principal problema do ativismo pelos direitos e aceitação dos homossexuais na sociedade: acabaram as frutas nos galhos baixos. Os lugares da nossa sociedade onde era mais provável que as pessoas colocassem a mão no coração e percebessem como tratavam mal pessoas por algo banal como orientação sexual já receberam a mensagem. As pessoas que só não estendiam sua humanidade aos homossexuais por falta de pensar meio segundo sobre o tema já foram convencidas e entraram no time.

Para esse povo, era só questão de estender sua empatia, porque já tinham educação e mente aberta o suficiente para aprender e se adaptar a uma realidade mais justa. Excelente! Mas infelizmente essas pessoas não são a maioria, longe disso. Gente inteligente e aberta a novas ideias é um recurso bem limitado na humanidade, em menos de duas décadas, o orgulho gay alcançou a imensa maioria dessas pessoas. E é por isso que existem essas bolhas de aceitação e até mesmo idealização do homossexual na nossa sociedade. Pessoas parecidas tendem a escolher profissões parecidas, frequentar lugares parecidos e formar laços entre si.

Só que depois de alcançar esse público, o que obviamente entraria nesse barco dada a oportunidade, o movimento precisava aumentar seu escopo de atuação. E foi aí que bateu no primeiro grande obstáculo: a classe média religiosa e/ou conservadora. E eu digo média não só na renda, como na capacidade intelectual. Esse público ainda é minoria em países como o Brasil, mas nos países desenvolvidos tendem a ser a maioria. E aqui estamos falando de gente que até tem inteligência para entender a mensagem, mas não tem nenhuma inclinação a aceitar novas ideias. Principalmente se elas se chocarem contra valores importantes para suas vidas. O movimento de aceitação gay não consegue dialogar com o movimento conservador/religioso, e ambos parecem dispostos a manter as coisas num clima de guerra constante.

Depois desse público que finalmente chegamos no grosso da população mundial: gente pobre demais para ficar se preocupando por algo que não as afeta imediatamente. Quem está sempre pensando em como pagar suas contas mais básicas não tem tempo ou energia disponíveis para pensar nos problemas alheios. Costumam até ser os mais caridosos, mas não é algo de grande complexidade: vê alguém passando fome, sabe o que é fome, arranja um pouco de comida. Arranja um espaço no barraco para ajudar alguém a escapar da chuva, empresta o pouco que tem por que sabe o que é não ter nada… são pessoas que vivem muito pelo momento e pelo o que conseguem dar sua atenção limitada. E é justamente para esse público que a mensagem do orgulho gay chega da forma mais complicada!

Ou seja: temos um grupo limitado de pessoas que já aceitam numa boa a integração total dos homossexuais na sociedade, temos um grupo maior que é o epicentro de uma guerra cultural que não quer terminar em acordo de paz, e temos a maioria da população humana não entendendo porra nenhuma do que está chegando para ela. A gigante da tecnologia com seu time de funcionários escolhidos a dedo para parecer mais progressiva decide pintar um arco-íris no seu logo, isso chega para uma classe de influenciadores de opinião (como jornalistas, sacerdotes, políticos e empresários) que trata o tema como uma luta até a morte pela alma da humanidade, e o que chega para a maioria pobre é o resultado dessa bagunça: a atriz da novela diz que ser gay é lindo usando a foto de uma drag queen lendo histórias para crianças numa escola, o pastor da igreja diz que é motivo para ser mandado para o inferno usando um beijo gay super comportado numa novela como exemplo.

Ninguém entende nada! E isso acontece porque movimentos como o orgulho gay ficam viciados em convencer as pessoas que já aceitaram essa diversidade sexual, mas não se esforçam mais para alcançar o grande público. Ao invés de ir liberar os gays presos nas outras camadas sociais, mantém toda sua artilharia dentro das zonas que já são seguras. Por isso que os avanços dos últimos anos estão mais concentrados em demitir funcionários de empresas com logos de arco-íris do que propriamente evitar violência contra homossexuais no resto do mundo. É exatamente por não conseguir sair dessa zona de conforto que vamos vendo a insanidade da patrulha de pensamento da lacração tomar as proporções que toma. É quase como se não tivessem mais o que inventar.

Avanços como os da Tanzânia são raridade. Muito respeito por quem conseguiu fazer um país africano sequer considerar mudar a política de perseguição de homossexuais. Não sabemos se vai dar certo, mas é finalmente levar a luta para fora da zona de conforto. Assim como em vários outros países africanos e basicamente todo o mundo muçulmano. Sim, é difícil e perigoso, mas a não ser que o orgulho gay queira se consolidar como um mês comercial que só conversa com quem já concorda com ele para começo de conversa, a tática vai ter que mudar. O vício vai ter que acabar.

Eu sei que tem gente séria enfrentando riscos enormes para proteger homossexuais bem longe dessa zona de conforto das redes sociais, mas eles são atrapalhados pela falta de tato e talvez até preguiça dos ativistas mais barulhentos atuais: como já conseguiram o básico de aceitação e direitos iguais em suas bolhas sociais, começam a buscar motivos para se ofenderem e ideias cada vez mais radicais para defender. E isso faz com que aquela classe média que rejeita o diferente acumule motivos para criticar todos os gays, mesmo a maioria que só quer viver sua vida sem um alvo na cabeça, que não quer se vestir de palhaço e ficar fazendo bagunça na rua. Infelizmente esses gays que são pessoas normais como a maioria de nós pagam o preço pelos malucos desesperados por atenção. O movimento degenerou de tal forma que não se fala mais do ponto básico que carregou a aceitação dos gays nessa velocidade incrível nas últimas décadas: somos todos humanos, ser gay não muda nada na índole ou no caráter de alguém. Era sobre aceitação, mas parou quando a parte mais fácil da população de convencer aceitou.

E como sempre, quando isso chega para a maioria – que mal entende o que lê quando consegue ler – chega de forma bagunçada que faz parecer que gays são realmente uma ameaça ao mesmo tempo que diz que eles são pessoas horríveis se não aceitarem a sexualidade alheia. Na dúvida, esse povo faz o que sempre fez: cuida dos próprios problemas e faz o mais fácil sempre que puder. Enquanto o mais fácil for ser preconceituoso, é isso que o povo vai ser. Vai curtir o post da empresa que colocou um arco-íris no logo e vai espancar o filho quando ele se assumir. É fácil entrar no oba-oba da cultura moderna e é fácil ser conservador em casa. Ninguém deu opção melhor ainda… e pelo andar da carruagem, não vão se esforçar por isso não.

O mundo é de quem gasta menos energia, aparentemente.

Para me chamar de gayzista, para me chamar de homofóbico, ou mesmo para dizer que se preocupar com isso é uma viadagem: somir@desfavor.com

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Comments (12)

  • Qualquer semelhança com outros ativismos de tendência mais digamos “progressista” não é mera coincidência.
    Mas as coisas pioram ainda mais num país com o fogo cerrado que temos.

  • Gay é ser humano: paga contas, come, bebe, xinga e só se diferencia pelo gosto sexual. Se 99% das pautas dos LGBT são comuns a todo mundo, porque se preocupar apenas com o “1%” apenas ligado ao orgasmo?

  • Resumindo: querem que José, pedreiro que mal consegue pagar as contas no fim do mês, já foi assaltado 3 vezes e está sofrendo ameaça de ser despejado do “barraco” onde mora, seja vegano, eco-friendly, tenha consciência de classe, reconheça seus “privilégios” (???), ache normal o “João” querer ser chamado de “Natasha” (e que existam mulheres com pênis), apoie incondicionalmente a “luta das mina” e reprove um homem negro se envolver com uma moça branca porque isso é “palmitagem” e “precisamos falar da solidão da mulher negra”.

    (Sei que misturei tudo, mas acho que o texto também se aplica às demais militâncias picaretas de hoje)

    • Mas tem essa sensação de bizarrice mesmo: a indústria da lacração está fixada em “problemas de primeiro mundo” porque só quem se identifica com isso dá atenção para ela. Artigos e mais artigos sobre a falta de representatividade de transgêneros em cargos de CEO das maiores empresas do mundo… mas que caralho! Tem gay sendo preso e morto no mundo inteiro só pela sua orientação sexual e a discussão é sobre cargos de altíssimo nível, um universo de no máximo umas mil pessoas?

      • A ideia aí é justamente angariar vantagens em favor de si e dos seus.

        Na média, quem pode se dar ao luxo de sair do armário é quem muitas vezes tem situação socioeconômica privilegiada para tanto e quando as empresas fazem marketing voltado para os grupos LGBTQUIABRO+D4, é justamente enfocando no pink money dessa gente.

        As multinacionais adotam tal política de sinalização principalmente nas Américas e na Europa Ocidental, mas tendem a evitar tal abordagem em lugares mais hostis a tal temática, como o Oriente Médio e a Rússia por exemplo.

        No fim é mais em nome do dinheiro do que propriamente da representatividade minoritária.

  • No fim, aquela piadinha “quem lacra não lucra” estava completamente equivocada, pelo menos no ocidente. Passei os últimos meses na Ásia a trabalho (pensando seriamente em desertar…), passei por vários locais populosos e posso confirmar que no geral o mundo não costuma dar muita bola pra esse tema, a obsessão com LGBT é um fenômeno recente e concentrado nas partes ricas da anglosfera. Só é digno de nota porque toda a mídia jornalista e cultural que vemos vem de lacradores americanos e eles gostam de fingir que são o centro do universo.
    No Japão teve uma parada gay recentemente em Tokyo e estima-se que foram 5 mil pessoas de uma cidade de mais de 10 milhões, e nas fotos a maioria eram estrangeiros. Se tem shitholes descriminalizando homossexualidade, é mais por $ançõe$ e pre$$õe$ dessa mesma anglosfera do que por evolução social.

    • Se você vive na bolha de influência da lacração, tudo parece maior mesmo. E eu nem tinha considerado direito a metade mais populosa do planeta, que neste exato momento ainda está cagando e andando para tudo isso. Bem lembrado!

    • “(pensando seriamente em desertar…)” Aqui eu quis dizer emigrar permanentemente pra lá, acho que ficou ambíguo. Achei Bangkok bem tranquilo pra viver.
      E outra coisa: essa nova lei da Tanzania infelizmente tem toda a cara de que vai virar letra morta, fora da capital do país.

  • “É fácil entrar no oba-oba da cultura moderna e é fácil ser conservador em casa.” Complementando: É fácil entrar no oba-oba da cultura moderna pra lucrar e ganhar likes e é fácil ser conservador em casa e na urna.
    Quantas dessas celebridades ultra progressistas por aí tem filhos LGBTs? Quando aparecem em site de notícia é sempre 2 ou 3 crianças branquinhas, magras, sem cabelo colorido nem piercing e usando roupas que “reforçam estereótipos de gênero”. Pregam desconstrução só pra família dos outros.

    • Quem consegue dinheiro, com raras exceções, se manda é para o meio de um condomínio de “opressores” e só gosta do povo “alternativo” bem distante na plateia ou na rede social.

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