Tabuleiro Ouija.

Talvez você não esteja ligando o nome à pessoa, mas certamente já viu ou até testou alguma versão do Tabuleiro Ouija (o nome original é “Ouija Board”, em inglês). Consiste em um tabuleiro com letras, números e algumas palavras simples onde, no centro, fica uma espécie de seta móvel. O objetivo é reunir um grupo de pessoas que colocam as mãos nesta seta, fazem um ritual para evocar espíritos e fazem perguntas a eles, que movimentariam a seta, dando respostas através da construção de palavras ou frases.

No Brasil, normalmente é feita uma versão de baixos recursos orçamentários com um copo e um papel rabiscado, chamada de “brincadeira do copo”. É colocado sobre uma mesa um papel com todas as letras do alfabeto, números e as palavras “sim” e “não”. No centro, é colocado um copo virado de cabeça para baixo. Os participantes colocam um dedo cada um apoiado no copo, fazem algum ritual para evocar espíritos e depois lhes fazem perguntas.

Por décadas o Tabuleiro Ouija (ou suas versões tupiniquins) vem sendo utilizado para comunicação com espíritos, ou pessoas mortas (papo técnico: necromancia). Por décadas ele ilustra filmes de terror, muitas lendas urbanas, mas muitos casos médicos e crimes reais também.

Certamente alguns dos que estão lendo já participaram de alguma versão desta atividade e, para sua surpresa, viram a seta, o copo ou qualquer outro objeto se movendo, sem que ninguém voluntariamente o empurre. Também viram respostas plausíveis se formando. Pois hoje nós vamos te dar uma explicação. Não “a explicação”, já que não somos donos da verdade, apenas uma explicação.

O Tabuleiro Ouija foi criado no século XIX, em uma época onde era modismo contatar os mortos de forma chique: reuniões espíritas, tudo muito limpinho. Porém, ainda que muitos contem uma história que remete a uma busca pela espiritualidade ou por culturas ancestrais, o foco principal era dinheiro.

O Ouija não foi criado por uma comunidade indígena ou coisa do tipo, e sim por um americano chamado Elijah Bond. Esse nome meio aborígene está mais para marketing do que para uma origem ancestral, a maior prova disso é que passou a ser vendido em larga escala em lojas de brinquedo, patenteado pela Hasbro, terceira maior empresa de brinquedos do mundo, que também comercializa outros brinquedos demoníacos, como a Baby Alive. No auge da fama, o Ouija Board chegou a vender mais do que o principal brinquedo da marca, o Monopoly (similar ao Banco Imobiliário).

O que antes era um hábito de pessoas excêntricas, conquistou muitos adeptos repentinamente. O contexto era a 1ª Guerra Mundial, foi quando o Ouija Board realmente se popularizou. Pense em um período onde muitas pessoas eram separadas de seus entes queridos sem qualquer possibilidade de se comunicar com eles, sem saber se eles estavam bem, sem saber se eles estavam vivos. O ser humano não lida bem com incertezas e impermanência, era a oportunidade ideal para preencher esse vácuo.

Assim, o tabuleiro começou a ser utilizado por mães, esposas e pessoas desesperadas para obter alguma informação sobre seus entes queridos ou sobre o futuro. Deve ser realmente devastador alguém te dizer que seu filho, seu irmão, seu marido ou seu pai morreu na guerra sem que você possa velar o corpo ou ter qualquer prova disso além da palavra de um estranho. Eu consigo compreender a necessidade que estas pessoas tinham de dar um “fechamento” à questão.

Quando essa popularidade do Tabuleiro Ouija cresceu rapidamente, incomodou bastante a Igreja Católica. Eles nunca foram muito generosos com isso, sempre fizeram questão de ser os únicos a ter o poder de enganar as pessoas.

Para tentar frear essa solução prática e imediatista que estava afastando os fiéis do cristianismo, o Papa Pio X começou uma campanha para vilanizar o Tabuleiro, contratando especialistas, investigadores e até financiando a publicação de um livro chamado “A nova magia negra e a verdade sobre o Tabuleiro Ouija”.

Obviamente, o que a Igreja Católica falava não era nada bom. A coisa mais light era afirmar que o Tabuleiro estava diretamente relacionado à magia negra, uma heresia, portanto, quem fizesse uso dele se colocava em sério risco e provavelmente iria para o quinto dos infernos quando morresse. De fato, durante um tempo, essa “campanha difamatória” deu algum resultado, mas o ostracismo do Tabuleiro Ouija não duraria muito tempo.

Pelos mesmos caminhos que ele foi tirado de circulação, ele voltou e ganhou ainda mais fama: um livro. Em 1971, o livro “O Exorcista” retratou o Tabuleiro Ouija como principal elo de comunicação entre a personagem e o demônio que posteriormente a possuiu.

Em tese, não foi uma propaganda muito boa, vide tudo que acontece na história quando se abre essa porta, mas o medo às vezes desperta mais curiosidade do que afasta as pessoas. Agora, o mundo conhece o Tabuleiro Ouija, mas não como uma ferramenta espirita para evocar mortos e sim como algo demoníaco. Aos poucos, deixou de ser algo ligado à espiritualidade e espiritismo para ser um símbolo de ocultismo. O filme “O Exorcista” impactou tanto que durante muito tempo o Tabuleiro Ouija ficou com uma fama ruim. Mas, fama é fama, boa ou ruim. As vendas dispararam.

Com o passar do tempo, provavelmente devido ao fracasso em evocar o demônio, o Tabuleiro Ouija e seus derivados, voltaram a ser vistos como um instrumento para falar com os mortos no geral, tanto os gente boa, como os mais escrotos.

Aqui no Brasil foi (não sei se ainda é) muito comum ver crianças fazendo a chamada “brincadeira do copo”, onde a tábua é improvisada com uma folha de papel com letras e números escritos e a seta que norteia a fala dos espíritos é um copo virado de cabeça para baixo.

Como eu disse, muitos de vocês já devem ter feito a “brincadeira do copo” e ter visto o copo mexer sem que você voluntariamente o empurre, com pessoas nas quais você confia e sabe que também não empurrariam. Então, como explicar o copo ou a seta se movendo e formando palavras? Você pode encontrar muitas explicações para isso, vou te dar a versão que me parece mais plausível, se gostar pega, se não gostar volta amanhã que tem outro texto sobre outro assunto.

O ser humano possuí movimentos voluntários (ou seja, aqueles que você escolhe fazer) e movimentos involuntários (aqueles que você não controla, querendo você ou não, o corpo vai fazer). E é justamente aí que reside a resposta para esse “diálogo” que se estabelece através do Tabuleiro Ouija.

Em tese o que se diz é que quando todas as pessoas colocam a mão no copo (ou no objeto que for escolhido para guiar as respostas), a energia dessas pessoas somada a algum tipo de ritual que se faça seria um canal para que as entidades mortas possam se manifestar. Entretanto, um experimento muito simples faz repensar essa teoria.

Se você colocar um grupo de pessoas realizando esse ritual, é provável que consiga “respostas” a perguntas e trave um diálogo com o desconhecido. O copo (ou o objeto escolhido para guiar as respostas) vai apontar, letra a letra, a construção de palavras que atendam ao que lhe está sendo perguntado.

Porém, se no minuto seguinte, você colocar uma venda nos olhos destes participantes, o resultado é sempre o mesmo: as respostas passam a vir na forma de letras soltas, sem sentido ou sequer há respostas. Isso acontece graças ao chamado “Efeito Ideomotor”, que nada mais é do que a influência da sugestão nos movimentos motores involuntários.

Ele já é conhecido desde 1808, através de um experimento executado pelo químico Michel Eugene Chevreul. Na experiência dele, era um pêndulo que se movia em direção a uma placa que continha letras do alfabeto. Resumindo a história, ele percebeu que, com os olhos vendados, o pêndulo não se movia mais. Ao perceber que sem olhar o movimento não ocorria, ele entendeu que era uma indução e deixou registrada a seguinte conclusão: “enquanto eu acreditava que o movimento era possível, ele aconteceu, mas depois de descobrir suas causas eu não conseguia mais reproduzi-lo”.

O mesmo foi observado pelo professor de psicologia Ray Hyman. Em 1992 ele reuniu um grupo de alunos e os ensinou a usar as varinhas de radiestesia em L (usadas para detectar energia, seres vivos e elementos da natureza). Ele queria que o experimento fosse livre de qualquer caráter paranormal, para que o medo não afetasse o resultado, então, ele propôs um desafio simples: que os alunos encontrem o lugar naquela sala por onde passavam canos de água, algo facilmente detectado pelas varinhas.

Ele começou demonstrando como usar o instrumento. Andou até um ponto aleatório da sala e fez as varinhas se cruzarem, sinal indicativo de que havia algum tipo de energia emanando dali, que seria a tubulação de água corrente. Pediu que os alunos reproduzam, um a um, a busca pela tubulação de água, para verificar se aquela era mesmo a localização exata. As varinhas cruzaram no exato mesmo lugar quando estavam nas mãos dos alunos. Não havia tubulação nenhuma ali, e o professor sabia. Havia apenas um movimento involuntário do corpo desencadeado por sugestão.

Depois, ele recrutou um segundo grupo, contando a mesma história, e fez as varinhas se cruzarem em outro ponto completamente diferente da mesma sala. Novamente, nas mãos dos alunos, as varinhas se cruzaram exatamente onde eles acreditavam existir uma tubulação. Isso quer dizer que as varinhas não funcionam? Não. Isso quer dizer que os resultados podem ficar comprometidos quando a pessoa está, de alguma forma, sugestionada.

De fato ninguém está mexendo de propósito, nem as varinhas, nem o copo, nem a seta do Tabuleiro Ouija, mas pequenos espasmos involuntários movidos pela sugestão dessas pessoas (ambiente, rituais, crenças, etc) geram uma “prova” suficiente para que, em um primeiro momento, se acredite que o fenômeno paranormal existe.

O Efeito Ideomotor não é algo extraordinário ou raro, ele pode ser observado em situações mais comuns, no nosso dia a dia. Acontece, por exemplo, quando estamos no banco do carona e fazemos o movimento com o pé de pisar no freio se o motorista demora a frear o carro, ou quando fazemos o movimento de chutar a bola quando estamos vendo um jogo de futebol e acreditamos que seria o momento correto para um chute. Há uma situação externa nos induzindo a isso, ainda que a gente não perceba nem a situação, nem o movimento.

O grande problema com o Tabuleiro Ouija é que o movimento de fato valida a crença de que uma atividade paranormal está acontecendo ali. Uma vez convencidas disso, as pessoas que participam do ritual podem aumentar seu grau de sugestão e progredir para coisas maiores, como supostas possessões, visões e outros.

A sugestão pode provocar verdadeiros estragos na mente humana: vemos, sentimos e experimentamos coisas que não estão lá com uma veracidade inquestionável e, muitas vezes, isso sai do controle.

Então, só porque tudo indica que não há qualquer comunicação com os mortos, não quer dizer que seja seguro brincar com um Tabuleiro Ouija. Você nunca sabe a quantidade de lixo suprimida que existe no inconsciente do outro, apenas esperando uma oportunidade para vir à tona. A mente pode escolher centenas de alegorias para jogar tudo isso pra fora, inclusive uma “possessão” ou um “espírito maligno”.

Há histórias bizarras de crimes, mortes e suicídios que começaram com uma inocente brincadeira em Tabuleiro Ouija. Um exemplo famoso ocorreu em 2007, quando dois jovens chamados Joshua Tucker e Donald Schalchlin perguntaram usando o tabuleiro Ouija, se eles deveriam se tornar serial killers. A resposta foi “sim” e ainda foi sugerido que a primeira pessoa que matassem fosse uma mãe. No mesmo mês, eles assassinaram a mãe de Schalchlin a facadas. Adivinha qual frase eu vou dizer? Sua mente cria realidade.

E tá cheio de gente por aí com a mente cheia de lixo, com a autoestima baixa, com mecanismos de sabotagem que as fazem procurar problemas o tempo todo. Para isso, o Tabuleiro Ouija é um prato cheio: uma brincadeira inocente, é socialmente aceita se fazer. Se a pessoa que está com você não topa, pode até ser ridicularizada e chamada de covarde, portanto, há até uma pressão social para isso. Para quem quer se punir, se sabotar, buscar por problemas, é uma belíssima porta de entrada.

Um Tabuleiro Ouija não vai conectar uma pessoa com demônios que estão no inferno (eles não existem), mas pode conectar essa pessoa com “demônios” que estão dentro dela, sendo um meio, um veículo, para que eles ganhem realidade. Não sabemos o real estado mental das pessoas, por isso eu recomendo que não brinquem com isso. Não é paranormal, é perfeitamente normal que as pessoas tenham coisas muito ruins dentro delas, se não trabalharem sua mente. Não seja porta de saída desse lixo.

Para dizer que era menos assustador quando você acreditava que eram espíritos, para contar alguma experiência assustadora com a brincadeira do copo ou ainda para me xingar por estar lendo isto à noite e prejudicar seu soninho: sally@desfavor.com

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Comments (16)

  • Pode me chamar de machista internalizada, mas é impressão minha ou mulher é mais propensa a acreditar nessas bullshits de espírito, supertição, astrologia, cristais etc.? Os poucos homens que já vi acreditarem nessas coisas, a maioria ou eram homossexuais ou estelionatários.

    • o que a sally falou faz sentido tbh mas eu tbm reparei nisso, anonima. quando se trata dos ateus, por exemplo, as mulheres são minoria. e nos casos de stigmata, “doença” (é ou não é?) onde a pessoa sente dores e vê feridas nas mesmas partes do corpo onde Jesus foi crucificado, 80% de suas vítimas são mulheres, segundo a wikipedia. muito interessante lol

  • Interessante essa explicação do Efeito Ideomotor. Não sabia que isso tinha nome. Quanto ao Tabuleiro Ouija em si, nunca o levei a sério, Sally. Por fim, mesmo não acreditando em sobrenatural, também não faço pouco da crença alheia nem descarto nenhuma possibilidade em se tratando de coisas que eu não conheço e que não tenho como realmente ver ou comprovar. Ou, para usar uma expressão popular: “Yo no creo en brujas, pero que las hay, las hay”.

    • Independente de existir algo paranormal (isso fica a critério da crença de cada um) o tabuleiro Ouija pode não ser muito seguro por abrir portas para lixos nada paranormais (bem normais) que a pessoa pode tenha na sua cabeça, que podem vir para fora através de alguma auto-sugestão, de modo nada gentil. Eu não arriscaria fazer essa “brincadeira” com ninguém, a gente nunca sabe o que pode estar suprimido/escondido no inconsciente da pessoa.

  • Eu nunca consegui fazer o jogo do copo, porque pensava que tinha que ser em grupo e na minha escola só tinha colegas medrosos que nunca topavam. Ouija e compasso já tentei jogar sozinho mas não mexeu. Eu não tenho efeito ideomotor, nenhum jogo desses funciona comigo.

    • Efeito Ideomotor é o resultado da sugestão, se você não acredita, não é sugestionável por esse tipo de coisa (espíritos etc), de fato nada acontece.

  • Meta de vida: forjar um objeto, de preferência com o formato mais fálico possível, e introduzir (ui!) na sociedade aos poucos até que, com o passar das gerações, seja amplamente considerado algo sagrado ou pelo menos um amuleto.
    Se você duvida que esse plano tenha alguma chance de dar certo, saiba que no Japão uma estátua de cocô dourada (kin no unko) é considerada símbolo de boa sorte.

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