Otimismo ou pessimismo?

Começam as comemorações do primeiro Dia de Murphy aqui na República Impopular do Desfavor, e por isso, inauguramos a Semana de Murphy com uma discussão sobre como lidar com esse mundo cheio de falhas e fracassos. Sally e Somir, como de costume, não enxergam a mesma coisa. Os impopulares contribuem, isso é, se nada der errado…

Tema de hoje: é melhor para vida ser otimista ou pessimista?

SOMIR

Pessimista. O sangue de Murphy tem poder, tem poder! Vejam bem, mesmo que eu tenha uma visão mais otimista das coisas quando penso em grandes tendências da humanidade, isso não quer dizer que isso se reflita no nosso dia-a-dia. Quando você analisa um escopo muito grande de ações da humanidade, percebe uma evolução constante através das eras. Como eu sempre digo: nunca foi tão confortável ser humano como é hoje em dia, estamos praticamente imunes aos problemas que a maioria das outras formas de vida deste planeta enfrentam. E mais: a vida de um cidadão de classe média baixa atual é mais livre, segura e confortável que grande parte da realeza há alguns séculos. O que perdemos em prazeres e bajulação em comparação, ganhamos de longe com a incrível estrutura que permeia a sociedade moderna.

Mas estamos falando de grandes tendências. Isso é a soma de todas as partes, acumulando avanços e privilégios ao longo de milênios de história humana. Na média, a vida das pessoas sempre tem mais problemas do que vantagens. De uma certa forma, milhões sofreram para cada coisa boa que você tem agora, e mais milhões sofreram antes por cada vantagem que essas pessoas tiveram… a história da humanidade é uma construção de gerações tão demorada quanto sofrida. Então, sim, eu sou otimista com a forma como o mundo vai estar daqui a um século, mas não com a vida das pessoas que vão nos levar até lá. Tudo tem um preço.

Na nossa vida cotidiana, a tendência é que as coisas deem errado, e é muito saudável ter essa percepção. Pretendo me estender mais sobre a lógica por trás disso no texto da quarta-feira, mas em resumo: nosso ponto de vista limitado sobre a vida estimula a percepção do fracasso. É um grande esforço mental começar a ver as coisas de forma diferente, e estatisticamente, a maioria de nós nunca vai conseguir mudar tão radicalmente a forma de lidar com a realidade. Por isso, vamos tentar garantir o mínimo aqui: que você esteja preparado para o fracasso em todas as situações.

E para isso, temos que começar a pensar no que pode dar errado com mais frequência. Pessimistas podem sofrer à toa muitas vezes, mas dificilmente são punidos por não terem enxergado um problema antes dele acontecer. Claro, desde que você seja um pessimista comprometido com a causa: não adianta nada achar que tudo vai dar errado e nem se dar ao trabalho de se preparar para isso. Pessimista sem um plano é só um masoquista. Muitos dos melhores líderes, arquitetos e engenheiros desse mundo são pessimistas clássicos: sempre trabalham com a ideia de que as coisas tendem ao erro e ao fracasso, e já se preparam para isso. Não se constrói uma ponte considerando que o rio não costuma encher na maioria das vezes… um bom projeto está preparado para basicamente tudo o que pode acontecer, e isso normalmente compreende as inúmeras formas como as coisas podem dar errado.

E isso pode ser considerado um dos principais diferenciais do ser humano em relação aos outros animais: a formiga constrói sua colônia baseada no que está acontecendo naquele momento. Não consegue prever as tendências do clima, não está preparada para um predador que dificilmente aparece na região… já seres humanos conseguem imaginar diversos cenários diferentes e “viver” problemas e oportunidades na sua cabeça antes de colocar suas criações no mundo. Por isso o que fazemos tende a durar muito mais e oferecer mais segurança: enxergamos problemas que ainda não existem. O pessimismo, de uma certa forma, é uma propriedade emergente da inteligência complexa, absolutamente necessário para a criação do mundo como o conhecemos.

Não fosse o pessimismo de nossos antepassados, provavelmente estaríamos vivendo exclusivamente no momento, tal como as formigas. Se às vezes isso faz mal e nos deixa ansiosos e menos atentos ao que está acontecendo, uma pena, mas esse é o preço dessa incrível construção de longo prazo que é a humanidade. Só posso ser otimista pelo futuro por causa dos pessimistas do presente. É quem garante que estaremos preparados para os problemas que inevitavelmente vão acontecer. E reforçando a definição: falo de pessimistas que se preparam, que planejam para o erro e para o azar. Masoquistas que só esperam o pior passivamente sempre foram inúteis para a humanidade como um todo.

Seja pessimista sim, porque a quantidade de coisas que podem dar errado é considerável. Mas seja pessimista com espírito de luta: porque nem tudo vai ser ruim, e são nessas pequenas vitórias em meio à enxurrada de problemas que é a vida que construímos algo maior. Prepare-se para o fracasso, prepare-se para o imprevisto ruim. Torne o pessimismo em uma arma, sabendo que estamos todos fadados aos problemas, mas que aqueles que enxergam a verdadeira função da Lei de Murphy são os que estarão mais fortes quando eles passarem.

Porque até os problemas tem problemas. A natureza caótica do mundo garante que nada fica do mesmo jeito para sempre, em todas as escalas, as coisas estão em movimento, transformando-se a cada fração de segundo. O seu problema vai mudar com o tempo, pode se tornar mais ou menos tratável, mas caso surja a oportunidade de resolvê-lo, não vai ser o otimista que vai ter o plano pronto para aproveitar a oportunidade. Deixe o pessimismo guiar sua mente para um lugar mais consciente, muito embora a intuição humana seja poderosa, ela é uma ferramenta que se complementa com o planejamento. Você age melhor por instinto se conseguiu se preparar para aquilo antes da hora. Por isso que as pessoas treinam: desde o atleta até mesmo o segurança, todo mundo que precisa tomar decisões rápidas é incentivado a treinar a mente para gerar boas memórias sobre aquele tema.

Ninguém treina o jogador de futebol para só fazer gol quando o goleiro estiver olhando para outro lado, ninguém treina o segurança para defender uma pessoa da filha de 5 anos de idade. Treina-se para o que pode dar errado e gera-se os caminhos no cérebro para agir da melhor forma quando algo se tornar complicado e pouco intuitivo. O pessimismo, se bem utilizado, é uma das melhores ferramentas que temos para lidar com o mundo ao nosso redor.

Raramente as coisas vão ser fáceis e conspirar ao nosso favor do jeito que queremos. Mas isso não quer dizer que um mundo que tende ao fracasso precisa formar pessoas fracassadas. Nosso futuro depende dessa percepção. Nosso e das próximas gerações, caso você se importe com isso…

Para dizer que quer seu dinheiro de volta porque se sentiu motivado(a), para dizer que na prática a teoria é outra, ou mesmo para dizer que ainda preferia ser um rei há alguns séculos (até o seu primeiro corte infeccionar…): somir@desfavor.com

SALLY

O que é melhor para a vida, ser pessimista ou ser otimista? Ser otimista.

Eu teria muitos argumentos para defender o otimismo, mas como o texto de hoje tem apenas duas páginas, não conseguiria aprofundar nada. Portanto, escolho, em meio a uma dúzia de argumentos, aquele que eu acho que vai se adequar melhor ao leitor do Desfavor.

O céu e o inferno são portáteis, eles não passam de um estado mental que escolhemos e vão conosco onde a gente for. Cabe a nós aprender a lidar com a nossa mente de modo a educa-la, a criar caminhos neurais, a deixa-la no céu e fazer deste modo uma forma de funcionar. Para mim, o céu está na neutralidade, onde não há oscilação, onde há estabilidade emocional. Porém, em tendo que escolher dentro da dualidade, dentro de opostos, acredito que o otimismo seja mais próximo do céu que o pessimismo.

O grande problema que vamos ter tratando este tema é a forma como o brasileiro deturpou o conceito de otimismo. Um povo bunda, incompetente, preguiçoso e malandro obviamente tenta tirar proveito de tudo, inclusive do conceito de otimismo. Para a maioria, otimismo é cruzar os braços e ter certeza de que tudo vai se resolver sozinho. Isso não é ser otimista, isso é ser um lunático desconectado da realidade.

Basta ver a forma pejorativa como o termo “Pollyana” é usado. Uma história que mostra a importância de resignificar para viver melhor é tratada como sinônimo de pessoa idiota, ingênua e até otária. A maioria das pessoas nunca sequer leu a história e repete que “ser Pollyana” é sinônimo de conformismo, estagnação e burrice.

Isso acontece pela falta de inteligência e discernimento. No livro, Pollyana é ensinada por seu pai a, em qualquer situação, jogar o “jogo do contente”, que consiste em fazer um esforço para identificar o lado bom em qualquer situação, por pior que ela pareça. Não que ela não possa perceber que é uma situação difícil, não que ela não sofra, não que ela tenha a obrigação de estar sempre alegre, ela apenas faz essa pequena ressignificação em situações ruins.

Quando não se tem discernimento, isso vira uma baita ilusão de querer se enganar que tudo é lindo mesmo quando tudo está na merda, que tudo vai melhorar, mesmo sem mexer um dedo, o que vira uma belíssima desculpa para se acomodar, o esporte nacional. O livro não é sobre isso e o otimismo não é sobre isso. Fazer o exercício diário da ressignificação (ou da gratidão, como queiram chamar) não é pensado para cegar, conter ou acomodar as pessoas, e sim para corrigir alguns equívocos de pensamento vindos de uma mente viciada em sofrimento. Meio copo cheio ou meio copo vazio?

Quem está na merda tem sim que se mexer para sair da merda, mas ser otimista não te impede nem te atrapalha, muito pelo contrário, te ajuda. Você tem duas formas pelas quais pode olhar para a cena que se apresenta na sua vida: 1) Com indignação, culpa, raiva, se sentindo injustiçado, vendo aquilo como algo externo, se sentindo vítima, revoltado ou 2) Se perguntando o que pode aprender com essa experiência, por quais coisas pode ser grato e do que essa experiência pode ter te livrado. A primeira vai te afundar ainda mais, a segunda vai te ajudar a agir. Para onde você quer jogar seu foco: para um lugar que só te deixa pior ou para um lugar que te gera alguma melhora? A cultura cristã, que glorifica o sofrimento, que coloca sofrimento como forma de salvação nos ensina a jogar o foco no sofrimento. Não caia nessa cilada.

Muita gente pensa que se for pessimista estará “preparada” caso o pior aconteça. Não é verdade. O ser humano é mesmo muito arrogante de pensar que pode antever todas as possibilidades que podem se apresentar em sua vida. Quando você está pensando sempre no pior que pode acontecer, você transforma sua mente no inferno e isso mina sua vida, sua saúde e seu bem estar. O céu e o inferno são portáteis, lembra? Mesmo que de alguma forma te preparasse (não prepara), valeria o custo de viver constantemente no inferno?

Tudo aquilo em que colocamos o foco expande. Quando a gente coloca o foco em algo que quer, no otimismo, em algo que é, o foco vira um raio laser, preciso, totalmente voltado para um único objetivo. Quando a gente coloca o foco no que não quer, no pessimismo, no que não é, entra em um mar de infinitas possibilidades, tendo que excluir uma a uma, tendo que resolver mentalmente uma a uma, se obrigando a vivenciar (ainda que mentalmente) tudo de ruim que passa na sua mente. Isso exaure, isso faz mal, isso descarrega hormônios do estresse no organismo e, acima de tudo, isso é uma longa batalha perdida.

A mente é capaz de inventar milhões de problemas. Se você entra nesse modo de funcionar pessimista estará enxugando gelo constantemente. Os problemas que podem vir nunca acabarão e você vai gastar sua energia pensando neles o tempo todo. Pior: vai criar caminhos neurais que, com o tempo, levarão sua mente no automático sempre para os piores cenários, ou seja, se você mantiver essa “estratégia” por muito tempo, se tornará um viciado em sofrimento cuja mente vai sozinha para situações escrotas, angustiantes e assustadoras. Não faça isso. Sair disso não é fácil, é melhor nunca entrar.

Foque sua mente, sua atenção, sua energia, naquilo que você quer. Nem sempre conseguimos o que queremos, se você tentar e não conseguir, procure ressignificar e se perguntar o que aprendeu com essa experiência, o que tem para ser grato nela e tentando perceber que mais para frente essa experiência pode ter te livrado de coisas piores. Fazer este processo caso não se consiga o objetivo desejado não quer dizer que você não vai dar o seu melhor para tentar alcança-lo.

Tudo é o lugar da mente a partir de onde você trabalha. Onde está seu foco? Onde está sua mente? Onde está sua energia? Você pode tentar “se preparar” e excluir todas as situações ruins que acredita que possam se apresentar (perda de tempo, controle é uma ilusão, você nunca consegue antever todas as possibilidades) e vivenciar um enorme mal estar gastando energia com o que não quer, ou colocar todo o seu foco no que você quer, ir com tudo pra cima do que você quer e, se não conseguir, soltar o controle e entender que mesmo não conseguindo talvez seja para melhor, pois você não é “Deus”, você não sabe tudo.

Para fechar, melhor do que otimismo ou pessimismo é ter a humildade de entender que você não sabe o que é melhor para você. Lute pelo que você acha que quer, pelo que você acha que é melhor, mas não se frustre nem se chateie se as coisas não saírem como você quer, às vezes não conseguir o que pedimos é a melhor coisa que pode nos acontecer.

Para dizer que esperava uma visão mais clássica, para dizer que quer um texto aprofundando isso ou ainda para dizer que você é Deus sim: sally@desfavor.com

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