Pagando a conta.

O valor repassado aos partidos políticos brasileiros na última década (2009 a 2018) equivale a mais de quatro vezes o orçamento destinado para incentivar e acelerar as pesquisas no Brasil. Os governos vêm reduzindo os recursos para o desenvolvimento e inovação ano após ano, com consequentes atrasos de repasses aos bolsistas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Na elaboração do orçamento de 2018, a verba para a área passou de R$ 4,8 bilhões para R$ 1,4 bilhão. LINK


É um desfavor pelos motivos óbvios, mas também porque o acúmulo dessas notícias faz o Brasil ser tão… cansativo. Desfavor da semana.

SALLY

O desgraçamento é bem simples: o valor repassado aos partidos políticos brasileiros na última década equivale a mais de quatro vezes o orçamento destinado para incentivar e acelerar as pesquisas no Brasil.

Investe-se muito no crime organizado que são os partidos políticos nacionais e pouco na evolução e progresso científicos. E por “partidos políticos” me refiro a bandidos, uma vez que não há ideologia no Brasil, apenas disputa por poder e por dinheiro.

As consequências imediatas disso todos nós sentimos diariamente, na pele e refletidas na sociedade. Mas, falar delas seria chover no molhado. Sobre isso está todo mundo falando: nas mesas de bar, nas redes sociais, nos almoços de família. Por isso, hoje falamos das consequências indiretas que derivam dessa decadência, que nem sempre são percebidas.

Não são poucas, mas, em nossa opinião, a pior é o grau de revolta, desespero e descrença que coisas acintosas como essa provocam, que cegam nossa mente e nos fazem desejar qualquer coisa que ponha um ponto final em algo tão aviltante. Qualquer coisa mesmo. Já falei um pouco sobre esse assunto neste texto, em uma época onde a falta de justiça do Judiciário brasileiro era tal que tinha gente desejando uma nova ditadura militar.

A situação é desesperadora. Todos os patamares de cara de pau, incompetência e corrupção foram ultrapassados e, ainda assim, semana após semana, surge algo novo com a capacidade de nos surpreender negativamente. Está tudo tão errado, de tantas formas diferentes e com tanta intensidade, que nosso desejo imediatista é querer que isso mude radicalmente, não importa o que seja necessário.

E, nessas horas, você vê muito sobre a personalidade do interlocutor, cada qual escolhe a solução radical que mais espelha seu estado interno: ditadura militar, revolução armada do proletariado, uma pandemia ou Nibiru, pouco importa, são soluções que, racionalmente, sabemos ser péssimas para o todo, mas ainda assim estamos dispostos a qualquer coisa para mudar a situação atual.

É mais ou menos como um caso extremo de depressão, onde a pessoa só quer que o sofrimento pare, e para isso ela topa até tirar a própria vida. Por mais danoso que seja se matar (e quem se mata sabe disso), a situação é tão insuportável que a pessoa começa a transigir com coisas que anteriormente não eram negociáveis. Nesse desespero, acabamos, sem querer, empurrando um pouco mais para frente a linha de ética, moral e de valores que nos mantém civilizados. A longo prazo, isso pode dar muito errado, sobretudo em um cenário de pessoas tão polarizadas, nervosas e radicais.

Esse “chega, eu não aguento mais”, essa saturação do grau de putaria e desmando do país, nos faz transigir com coisas que sabemos ser intransigíveis se queremos uma sociedade minimamente decente. Parece que bate um sentimento de: “Ok, já vi que uma sociedade minimamente decente não é possível, então, se é para ter uma sociedade merda, que ao menos seja uma merda diferente desta, da qual eu já estou saturado”. Foi assim que Bolsonaro se elegeu, por exemplo.

É muito difícil refutar uma pessoa que tem todos os motivos, tem todo o direito, tem todas as razões para se sentir assim. Acho saudável que o brasileiro finalmente esteja de saco cheíssimo dos absurdos que vêm acontecendo no país desde que os portugueses pisaram aqui. Mas, se queremos de fato uma sociedade melhor, temos que refrear esse impulso de uma solução a qualquer preço. Não podemos perder a sanidade, não podemos transigir com o intransigível. No final das contas, o bom-senso tem que falar mais alto.

Um monstro corrupto e incompetente como o Brasil demorou mais de 500 anos para ser construído, ele certamente não será exterminado em poucas décadas. Então, dica de amiga: se isso te faz tão mal, sai fora. Você não vai viver para ver o Brasil se tornar um país decente, muito pelo contrário, isso aqui ainda piora muito antes de melhorar. Se te faz mal, faz as malas e vai embora. Qualquer coisa que custe seu bem-estar é cara demais. Acredite, há lugares onde basta fazer um bom trabalho para subir na vida. Há lugares bons, como Austrália ou Canadá que precisam, querem e chamam imigrantes.

Fica e lutar para reverter a situação é uma guerra perdida que só vai te fazer desejar uma guerra civil, uma bomba atômica, um meteoro ou qualquer coisa que reverta imediatamente o quadro. Nada disso vai acontecer. O país vai precisar passar por esta pá de merda para que tudo acabe ruindo e, só depois, priundo dessa bosta toda, venha a nascer algo novo.

Estão adubando o futuro às nossas custas, tristes tempos para estar vivos, mas, já que estamos, olhemos para Big Picture e façamos a nossa parte sem espernear. Não, você não vive em um país decente. Fato. Não, você não pode mudar 500 anos de demando. Fato. Chega. Chega de querer se sentir herói ou bonzinho por “lutar contra” qualquer coisa ruim que seja. Quem “luta contra” não é herói, é um idiota megalomaníaco.

Ficar e se importar, se envolver, militar, se aborrecer, se revoltar só vai te levar a uma infelicidade extrema e talvez a crises de ansiedade e depressão. Não estou te mandando ser um alienado que não lê notícias, pode ler, desde que consiga um distanciamento saudável e as leia como um observador. Mas, se dessa leitura vierem sentimentos ruins como revolta, raiva, frustração, nesse caso… não leia notícias. Melhor ser um alienado do que um deprimido.

Eu sei que você gostaria que este fosse um país melhor e que as coisas se tornassem cada vez mais decentes, mas as coisas são como elas são, não como a gente gostaria que elas fossem. Não está ao seu alcance mudar esta realidade tão extremada, sinto muito dar essa paulada no seu ego. Saia da posição de herói ou de vítima, ambas são patéticas, inúteis e só te fazem mal.

Hoje, é assim que as coisas são e, graças aos séculos de consolidação, isso não vai ruir por esforços de almas boas, isso vai ter que se auto-implodir por incompetência própria. Quando vai acontecer? Não sabemos, não podemos controlar. Temos que passar por isso da melhor forma possível para nós e, acreditem, “lutar contra” nunca é a melhor maneira possível. Lute a favor de coisas boas que você ganha mais.

Geralmente o sofrimento vem da não aceitação, de um equívoco de pensamento que te faz achar que as coisas poderiam/deveriam ser diferentes. Não podem. O Brasil hoje é um país absurdamente corrupto, incompetente e atrasado e tudo conspira para que a situação piore.

E não tem nada, repito, NADA que você possa fazer para mudar isso, pode guardar sua capa de super-herói no armário e aceitar esta realidade, por mais que ela não seja a que você queria. Não é conformismo, é realismo. Sabedoria é aceitar da melhor forma aquilo que não pode ser modificado. Seja sábio em vez de ser um babaca bélico que enche o saco dos outros.

Apenas observe, sem se envolver com a cena, com a notícia, com o entorno. Venderam o rim de um paciente do SUS para que o médico compre cocaína para cheirar no umbigo de uma modelo? Ok, é isso que somos hoje. Tiraram a cabeça do Cristo Redentor para colocar uma cabeça gigante da Marielle no lugar? Ok. É isso que somos hoje. Fica e lida com isso sem se aborrecer ou vai embora.

Não sofra, não esperneie contra “o que é”. Encontre sua forma de lidar com “o que é” sem sofrimento ou você vai se destruir: saia do país, faça piada com a desgraça, não leia notícias… fica a seu critério. O importante é: não lute contra o que é, ou você vai gastar uma tonelada de energia e acabar levando uma surra.

Pode me chamar de ovelha, de gado, de conformista. Pode posar de pessoa que faz sua parte para mudar o mundo. A verdade é: você não pode mudar o mundo, é extremamente arrogante pensar assim, e, se você tem mais de 25 anos e acha que é possível, recomendo fortemente fazer uma terapia, pois está na hora de crescer e sair desses papéis adolescentes de herói ou vítima.

Não lute contra o que é, use sua inteligência e energia para viver da melhor forma que puder lidando com o que é. Sua qualidade de vida vai aumentar muito.

Para dizer que você, Humberto, morador de Bragança Paulista, cursando ciências sociais e fumador de maconha acha que pode mudar o país, para dizer que reclamar do país é uma válvula de escape válida para suas frustrações do dia a dia ou ainda para dizer que “se todo mundo pensar assim nunca nada mudará” (não é verdade): sally@desfavor.com

SOMIR

Já falamos há algum tempo aqui sobre os sérios problemas na educação superior brasileira, que demonstram um baixo nível de resultados para a verba investida. O país investe pouco em comparação às nações desenvolvidas, mas na média mundial, a maioria dos países gasta ainda menos. Era para estarmos num patamar de produção cultural e científica consideravelmente maior do que estamos hoje. Num resumo simples: precisava de mais dinheiro, mas o que já está sendo gasto se perde em incompetência e politicagem. Agora, melhor desperdiçar dinheiro na educação e pesquisa que às vezes chega na mão de uma minoria capaz e esforçada do que desperdiçar dinheiro no bizarro sistema partidário do país.

São bilhões de reais que caem no colo das pessoas tentando ativamente manter esse país na idade das trevas. Vemos o Congresso mais renovado desde a redemocratização, e mesmo assim o sistema continua intacto: a votação da reforma da previdência foi financiada por um sistema de suborno institucionalizado na forma das verbas para os congressistas, que podem ser liberadas de acordo com a vontade do Executivo. Dinheiro pago, proposta avançada. E falando no Executivo, Bolsonaro vai caminhando a passos largos para trair totalmente a promessa de não fazer indicações políticas, com o claro exemplo de nepotismo na história da embaixada americana. Não que eu esperasse honestidade dele, mas acabou até mesmo a vergonha de agir da mesma forma que todos seus antecessores.

Se há alguma surpresa no cenário político brasileiro para mim, é a velocidade que o sistema venceu a batalha contra o caos que muitos brasileiros injetaram nele em 2018. Mal passamos da metade de 2019 e todas as peças já estão encaixadas nos seus devidos lugares. Taí algo que fazemos melhores que os americanos: nos EUA os malucos ainda estão mantendo o sistema bagunçado faltando um ano para a eleição presidencial. No Brasil, foram só alguns meses mesmo com a coleção de dementes que enviamos para Brasília. É muito talento para corrupção.

O resultado disso é perigoso. Não só porque mantém a vida de milhões de brasileiros no mesmo estado de desamparo e brutalização de sempre, mas também porque vai minando as resistências daqueles capazes de pensar um pouco mais sobre um sistema político. Todos os mais propensos a buscar soluções são tentados a buscar a via da radicalização. Eu mesmo tive uma reação visceral ao ler a notícia que ilustra os textos de hoje: se o dinheiro acaba na mão dessa corja de inúteis, era até melhor estar numa ditadura e ter só um partido para desperdiçar o dinheiro.

E sim, na média o brasileiro não gasta mais do que o tempo de digitar o número na urna eletrônica a cada dois anos pensando em política, mas essa é a norma mundial: nunca foi sobre um povo politizado na nossa história, foi sobre como um grupo limitado de pessoas com interesse e educação suficientes para tocar a política de um país pensou sobre o tema. Nem dá para chamar de elite intelectual, porque mesmo uma pessoa com pouco estudo pode compensar isso com muito interesse e participação no processo, mas isso não muda o fato que sempre foram poucos, independente do tempo e do povo que falamos. O perigo está em como essa parcela limitada da população está lidando com a situação a cada momento.

E neste momento, podemos ver claramente no Brasil, esse recurso humano pra lá de limitado está contaminado pela fúria. Radicalizamos cada um para um lado e estamos berrando uns com os outros desde então. Isso não é só a tendência humana à discórdia, isso é reflexo de um cansaço generalizado com o sistema brasileiro. O jogo é sempre o mesmo, entra mandato e sai mandato. Os impostos que pagamos desaparecem em excrecências como o fundo partidário, só para que políticos sejam eleitos e possam pleitear seus subornos legalizados enquanto dão de ombros para os problemas do país. O sistema é um câncer roubando recursos do organismo no qual se instalou, seu único propósito é se manter vivo, custe o que custar.

Mas, diferentemente de um indivíduo, um país tem mais do que uma vida para dar. O país renasce enquanto tiver pessoas nele, não importa o quanto tenha sido debilitado por uma doença anterior. E é aí que temos que tomar uma decisão difícil: o quanto queremos sofrer por isso? Radicalização é o equivalente a iniciar um tratamento agressivo depois do outro, mesmo sabendo que a doença não pode mais ser curada. É apenas prolongar o sofrimento. E é justamente por isso que eu sempre tento parar o ciclo de putez com o sistema brasileiro quando ele se instala. Porque você sempre vai achar algo horrível quando olha para ele. Nenhum dos lados dessa dicotomia política que vivemos tem a cura. Ambos já demonstraram sua incompetência e propensão a alimentar a doença.

Não existe um herói. Não existem salvadores. Só nós existimos, e enquanto isso for verdade, o país renasce quantas vezes precisarmos que ele renasça. Se você quer melhorar qualquer coisa, que seja algo ao seu redor, algo que você possa cuidar de verdade, que não tenha a necessidade de domar o sistema para funcionar. Porque, francamente, nessa altura do campeonato, não há mais nada que trate desse problema. O sistema tem que correr seu curso, e é só a nossa necessidade doentia de controle que atrasa esse processo. Toda vez que eu fico puto com o sistema brasileiro, eu tento deixar de fazer uma “esperteza” a menos na minha vida. Porque no final das contas, esse é o Brasil que pode dar certo. O nosso. Não o deles.

Para dizer que somos dois derrotistas, para dizer que em países ricos eles começam guerras nessa hora, ou mesmo para dizer que podiam reduzir a burocracia e simplesmente legalizar o suborno de vez: somir@desfavor.com

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Comments (6)

  • Eu tenho uma opinião bastante semelhante à da Sally sobre esse tema. Desde que eu parei de tomar lados e falar sobre política para focar nas coisas que eu posso mudar, minhas frustrações diminuíram consideravelmente. Quando chamado de “isentão” ou “conformado”, digo que só eu sei o que é melhor para a minha vida e que ela está melhor do que antes. Estou velho de mais pra brincar de super-herói.

  • A imagem que ilustra esta postagem está ótima! Se foi o Somir que a fez, eu sugiro que ele coloque uma marca d’água nela porque acho que daqui a pouco vai ter gente copiando e usando-a em outros lugares sem a devida autorização de vocês.

  • Sinto muito, mas preciso dizer. O Brasil nunca será um país de primeiro mundo. Perdemos nossa última chance no começo dos anos 2000, aquela era a época ideal pra fazer as reformas (previdência, tributária, sistema de ensino) que o Bolsonaro está se enrolando todo pra conseguir. Sim, seria escroto usar o mensalão pra votar essas medidas impopulares, mas haveria um legado, mesmo que por linhas tortas. E hoje muito provavelmente estaríamos tão desenvolvidos quanto o Chile.
    Lula teve a chance de ouro de virar o maior presidente da História desse país. Herdou economia estabilizada, tinha apoio popular, bônus demográfico, boom das commodities, era pegar a bola e chutar pro gol. Mas decidiu saquear o país assim que o dólar baixou pra expandir seu projeto de poder, agradar empreiteiros e políticos e distraiu a massa com Copa e Olimpíadas que deram um retorno financeiro pífio. Nosso bônus demográfico, que nunca mais vai acontecer, virou a geração nem-nem. Hoje, temos uma renda per capita inferior à da Argentina, uma geração de analfabetos funcionais e tudo isso que vocês já veem.
    Esse homem merece apodrecer na prisão.

    • O “bônus demográfico” iria virar a geração nem-nem de qualquer forma e os contratos envolvendo copa e olimpíadas foi pra dar um cala-boca nos urubus da impren$a que estavam faltando pouco a pedirem o pescoço do molusco que convenientemente se fez de bobo, mesmo não o sendo.

      Esse sim foi o golpe que deu certo.

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