Produtos fracassados.

Lançar um novo produto no mercado é uma das coisas mais difíceis que uma empresa pode fazer, desde a parte administrativa até a publicitária. E justamente por isso, não faltam exemplos de grandes fracassos na nossa história. Alguns deles estavam fadados ao fracasso por serem ideias ruins, outros até tinham potencial, mas caíram por erros ou circunstâncias de mercado. De qualquer forma, vamos ver alguns dos casos mais famosos e tentar entender o que deu errado…

Betamax

Nenhuma lista estaria completa sem o formato de fita de vídeo da Sony. O Betamax passou alguns anos concorrendo com o VHS para ver quem se tornava o padrão do mercado, e apesar de consideráveis vantagens sobre o formato concorrente, perdeu a guerra. No final dos anos 70, o mundo começava a perceber o potencial do mercado de distribuição de vídeos. O conteúdo nesse formato era essencialmente reativo: as pessoas tinham que ver filmes quando passavam no cinema ou na TV. Mas a tecnologia para armazenar e distribuir esse tipo de material estava pronta para ser produzida em larga escala.

E como foi muito comum nas últimas décadas, antes da internet, tudo precisava estar armazenado em algum formato que permitisse a distribuição. Betamax e VHS são apenas dois num mar de tecnologias de áudio e vídeo que inundavam o mercado, todas tentando se tornar o padrão, assim como os discos de vinil e as fitas cassete. Em 77, os dois formatos foram lançados no mercado, e por alguns anos, não estava claro quem venceria a batalha. Mas dando uma de profeta do acontecido, dá para perceber que o formato da JVC e RCA (o VHS) tinha chances maiores que o da Sony. É comum dizerem por aí que foi a adoção do VHS pelas empresas produtoras e distribuidoras de pornografia que finalmente decidiu a competição, e embora não seja uma mentira, é só uma parte da verdade.

A Sony vinha de um sucesso tremendo com sua tecnologia patenteada de produção de TVs, produzindo as melhores do mundo na época com um diferencial técnico que os concorrentes não podiam copiar. Então, já fazia parte da mentalidade da empresa criar produtos com tecnologia proprietária e cobrar mais caro por isso. Fizeram o mesmo com o Betamax: a qualidade da imagem do Betamax era consideravelmente melhor do que o VHS, e estava tudo protegido por patentes. Mas o que funcionou nem uma década atrás não funcionaria mais agora.

O formato VHS foi licenciado para diversas outras empresas no mundo, permitindo que mais gente lucrasse com a produção em massa de fitas e tocadores (videocassetes, para que pessoas do futuro saibam o que pesquisar). Do outro lado, a Sony tentou criar um monopólio. Sabemos o que acabou vencendo, não? A batalha durou quase uma década, contanto, tamanhas eram as reservas financeiras da gigante japonesa, além do seu prestígio no mercado. Quando o povo começou a adotar o VHS em massa, chegou um ponto crítico onde a Sony entregou os pontos e começou a produzir utilizando o VHS também, afinal, o mercado estava lá.

O VHS tinha qualidade pior na maioria dos casos, mas era mais barato, tinha mais tempo de gravação (a Sony não contava que as pessoas adorariam tanto gravar coisas da TV e salvar seus vídeos caseiros nas fitas) e por causa do formato ser mais aberto e ter vários produtores, estava muito mais disponível para as pessoas do mundo todo. Mas o que muita gente não sabe é que o Betamax não morreu de vez ali: antes das emissoras de TV digitalizarem seu conteúdo, tudo o que passava lá ficava gravado em Betamax. Até pouco tempo atrás, a Globo aceitava que você mandasse propagandas para eles em Betamax, por exemplo (mas nunca em VHS). A Sony acabou com o padrão de mercado dos profissionais de vídeo por muitas décadas.

Isso nos ensina duas lições: a primeira é que não adianta ficar fazendo as mesmas coisas sempre, o mundo muda rapidamente. E a outra é que no final das contas, o cidadão médio tem uma percepção muito limitada de qualidade. Preço e disponibilidade fazem a diferença também, talvez até mais do que todo o resto…

New Coke

Em 1985, a Coca-Cola começava a enfrentar seus primeiros problemas em décadas. Líder absoluta do mercado até então, sentia a concorrente Pepsi nos seus calcanhares, próxima de pelo menos equilibrar a disputa, especialmente em sua terra natal, os EUA. As gerações mais novas estavam apresentando preferência pelo sabor mais açucarado da Pepsi em testes cegos, e foi aí que a empresa se decidiu por um dos movimentos mais ousados na história das grandes empresas: mudar a fórmula da Coca-Cola.

Mas não foi só mudar a fórmula, fizeram disso um mega-evento publicitário. Milhões e mais milhões gastos em campanhas pelo país inteiro, uma reformulação até mesmo da embalagem e do nome, que agora seria “New Coke”. Eles esperavam dar um poderoso golpe no concorrente e assumir de volta a preferência dos mais jovens, garantindo o futuro da marca. O resultado? Um fracasso retumbante. Os consumidores da fórmula original, que não eram poucos, ficaram furiosos com a marca pela mudança. As linhas de contato da empresa ficaram congestionadas com tantas reclamações, a insatisfação virou notícia no país inteiro e as vendas desabaram. Parecia um desastre incontornável.

Tanto que em apenas 3 meses, a Coca-Cola teve que se mexer de novo: relançaram a fórmula antiga sob o nome de Coca-Cola Classic e mantiveram a alterada no mercado com o nome de Coke II. O que aconteceu depois foi surpreendente: a fórmula original vendeu como água, batendo todos os recordes da empresa até ali. O suficiente para corrigir o curso e recuperar boa parte dos prejuízos acumulados com a desastrada mudança de produto. Não impediu que a Pepsi continuasse a crescer no mercado (hoje em dia a concorrente vende até mais que a Coca-Cola nos EUA), mas impediu a implosão da empresa como um todo.

A volta da fórmula clássica deu tão certo que até hoje existem teorias que foi tudo feito de propósito, mas além da Coca-Cola negar, é difícil considerar outra alternativa que não um gigantesco erro de marketing: empresas que esquecem dos seus consumidores atuais em busca de novos tendem a fracassar. A Coca-Cola queria os consumidores da Pepsi, mas não pensou que tinha uma maioria de pessoas que não estava consumindo o produto do seu concorrente, e por um motivo. De uma certa forma, é quase o mesmo erro do caso anterior: a mentalidade de monopólio. Não havia espaço na cabeça dos executivos da empresa na época para a ideia de que as pessoas gostam de coisas diferentes e eventualmente todo mercado tende para nichos. Hoje em dia as empresas gigantes sabem disso, e ou definem uma identidade clara para seus produtos (como a Apple) ou vão comprando concorrentes e mantendo a ilusão de escolha do cliente ao não trocar a marca (como Google e Facebook).

Mas no modo de funcionar do monopólio, se todo mundo não estiver comprando o seu produto, tem algo de errado. Some-se a isso a incapacidade de entender que pessoas não são 100% confiáveis em pesquisas de mercado, e temos o desastre do lançamento da New Coke. Tem uma cena espetacular nos Simpsons sobre pesquisas de mercado: as crianças são chamadas para dar suas opiniões sobre o desenho Comichão e Coçadinha, e gostam de tudo o que os produtores do desenho sugerem. Mesmo o que não faz sentido e é conflitante. Eles fazem o desenho assim e vira um fracasso. É uma clara sátira ao caso da New Coke. As pessoas normalmente não sabem o que querem até ver as coisas prontas. São raríssimas as pessoas que conseguem imaginar algo e saber o que vão achar sobre aquilo de verdade. Pesquisa de mercado é útil, mas desde que você saiba isso sobre o ser humano.

E não deixa de falar sobre a sabedoria popular do “você não dá valor para uma coisa enquanto não a perde”. A Coca-Cola fracassou para que nós aprendamos.

E.T. para o Atari 2600

Continuando nas velharias, um fracasso tão retumbante que praticamente matou a indústria dos videogames por alguns anos. O Atari 2600 foi um sucesso retumbante no final dos anos 70 e começo dos anos 80: embora não tenha sido o pioneiro na ideia de poder trocar os jogos, o videogame americano conseguiu encontrar um equilíbrio ideal entre preço, distribuição e empolgação do grande público para dominar totalmente o mercado. Toda casa americana e várias ao redor do mundo tinham um desses.

O console foi lançado em 1978, e como é previsível, a qualidade visual dos jogos é extremamente baixa para os padrões moderno, além dos jogos não apresentarem quase nenhuma complexidade. Mas naquele tempo, pouca coisa se comparava à maravilha tecnológica do Atari 2600, especialmente nas casas das pessoas. Em pouco tempo, começou uma espécie de corrida do ouro nos games: todo mundo que conseguia programar minimamente um jogo para o console fazia um. E a Atari mordia uma parcela de cada venda. Nessa soma profana de fatores, ocorreu um boom no mercado e os jogos vendiam sem parar. Qualquer coisa vendia. Isso foi antes de sequer existir grandes mídias voltadas para jogos, então as pessoas tinham que confiar na embalagem do jogo e só descobrir em casa o que tinham comprado.

E por um tempo, isso imprimiu dinheiro para a Atari. Mas a ganância cobra seu preço, cedo ou tarde: para continuar vendendo nessa velocidade, a empresa precisava aprovar os jogos que licenciava muito rápido. Naquele tempo, a pirataria já estava se tornando um problema, e caso não fosse muito fácil ter seu jogo aprovado, os produtores acabariam vendendo os jogos por fora, tirando os lucros da Atari. O controle de qualidade desapareceu. O mercado estava inundado de jogos, a maioria idealizada e produzida em questão de semanas.

E aí, uma combinação perfeita aparece: o filme E.T., de Steve Spielberg, explode nas bilheterias e vira febre no mundo todo. A Atari pagou 20 milhões de dólares pela licença exclusiva do filme e correu para produzir um jogo baseado nos personagens amados pelas crianças. E quanto eu digo correu, não estou brincando: do começo ao final do projeto, um mês e meio. A Atari tinha certeza que seria um sucesso retumbante, tanto que nem revisou o jogo antes de mandar produzir 4 milhões de cartuchos, tudo para ter eles prontos para o Natal. Não deu tempo de quase nada além de publicidade (com cenas do filme).

O produto chega às prateleiras no Natal e vende muito! Por alguns dias… o jogo era horroroso. Mas horroroso num nível que nem o baixo grau de exigência dos fãs de games na época dava conta. Feio, confuso, praticamente impossível de jogar por crianças e cheio de problemas técnicos, travando aleatoriamente. A maioria das crianças mal conseguia passar da primeira tela. Assim que as primeiras matérias sobre o produto e o boca-a-boca se instalaram, ninguém mais queria levar aquela bomba para casa.

Pouco tempo depois, a Atari recebeu de volta 2.5 milhões desses cartuchos das lojas, porque não vendia de jeito nenhum. E isso foi desastroso por mais de um motivo: primeiro que o investimento na licença foi pesado (20 milhões no começo dos anos 80 era muito dinheiro) e produzir 4 milhões de cartuchos e distribuí-los tão rápido com certeza não foi barato também. As finanças da empresa sofreram. Mas, muito pior do que isso, fez com que os consumidores de jogos Atari ficassem muito mais desconfiados. A era de vender qualquer coisa colocada numa prateleira tinha acabado. As pessoas queriam saber se o produto era bom antes de comprar.

E pelas táticas agressivas da Atari, a maioria dos produtos não era. Bastava pesquisar um pouco para saber que quase todos os jogos eram a mesma porcaria feita a toque de caixa e sem controle de qualidade. O público americano pediu o divórcio da indústria dos games. A festa tinha acabado e muitos diziam que tinha sido apenas uma febre passageira. Nos anos seguintes, a indústria praticamente desapareceu por lá. Não fossem os japoneses assumindo a dianteira com práticas muito melhores dali pra frente, os games teriam morrido ali mesmo.

No final das contas, a Atari seguiu um caminho de fracassos até falir completamente e vender a marca no começo dos anos 2000. E o que aconteceu com aqueles 2.5 milhões de cartuchos devolvidos? Para evitar que o fracasso fosse ainda mais evidente para funcionários e acionistas, os executivos da marca decidiram enterrar o estoque num deserto americano. Em 2014, o material foi desenterrado e vendido para colecionadores (isso é, os que ainda estavam em condições).

A lição aqui é óbvia: não dá para enganar todo mundo o tempo todo. Empresas que desistem da qualidade pagam o preço uma hora ou outra, não importa o quão na moda esteja o seu produto. Alguém ainda vai ter que jogar aquele jogo horrendo, e não dá para escapar disso. Não existe nada grande demais para falhar.

Eu adoraria continuar o tema, mas já estourei o número de páginas. Talvez ano que vem eu continue, ou antes se der na telha. Afinal, o fracasso nunca descansa.

Para dizer que a semana de Murphy foi um fracasso (obrigado!), para dizer que tudo o que pode dar errado pela burrice humana vai dar errado, ou mesmo para dizer que os anos 80 foram um erro em geral: somir@desfavor.com

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Comments (10)

  • A Sony repetiu a dose do Betamax com o UMD, Universal Media Disk.

    https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/d/d9/Universal_Media_Disc%2C_an_optical_disc_medium_developed_by_Sony_for_use_on_the_PlayStation_Portable.jpg

    Contexto: em 2004~2005, a Sony lançou um portátil para concorrer contra o monstro da Nintendo, o DS. Estavam muito confiantes porque estavam surfando na onda do sucesso – seu PS2 basicamente destruiu a concorrência – e quiseram apostar bem alto. Nesse espírito criaram o UMD, uma mídia que, como o nome sugere, foi pensada pra virar um padrão, e a propaganda era que o PSP vinha com o filme do Homem Aranha gravado naquela mídia. Acontece que o único dispositivo que lia o disquinho era o PSP, esse disquinho era uma merda (até pelo fato de ser impossível de tirar o pó), se a caixinha do disco quebrasse, substituir ela era um parto, e o próprio PSP sofria horrores pra lidar com essa mídia, que sugava a bateria muito rápido enquanto você encarava telas de loading demoradas porque o aparelho não era lá essas coisas em matéria de memória – tanto que a maioria dos jogos vinha com a opção de instalar parte do conteúdo no cartão de memória pra amenizar isso.

    Deu tão certo que alguns anos depois a Sony lançou um modelo de PSP sem compatibilidade com o disquinho.

  • Interessante esse caso da Coca-Cola, não sabia disso. Isso explica uma cena da terceira temporada de Stranger Things em que o Lucas tá bebendo dessa “Nova Coca” aí e todos ficam espantados por ele gostar da bebida e o Mike discute com ele por causa do sabor (na hora em que assisti fiquei boiando sem saber do que se tratava).

    • Eu também vi essa cena recentemente de Stranger Things e fiquei pensando, ein? haha
      Aliás, se me permite o adendo, falando sobre a série: lá é uma babozeira só! Um mix de referências dos anos 80 e 90 que pelamor! E digo babozeira no sentido também de que é um gênero já um tanto gasto, mas que funciona bem no quesito tentar enganar o espectador e dar aquela sensação de que “ufa, descobriu-se o mistério, e tudo acabou bem”.

  • Outro formato que não deu certo foi o Laserdisc, que era basicamente um DVD do tamanho de um disco de vinil e do qual pouca gente se lembra.

  • Melhor coisa do Desfavor este ano foi ter ressucitado esta coluna.
    Fui procurar sobre o jogo pensando que não poderia ser tão ruim… que bela BOSTA. Até os gráficos têm cor de diarreia. Me lembrou outra pérola envolvendo o E.T., aquele dedo de brinquedo que parecia um dildo.

  • se for falar de videogames, no brasil temos o ilustre caso do poderosíssimo ZEEBO hauahauhauahua… acho que era da tectoy, afundou mais que o titanic

    • Lembro dele. Basicamente, em 2009 a Tec Toy lançou um videogame pensando no pobre folclórico: morando num buraco no cu do Brasil, isolado da tecnologia e dos confortos da “cidade grande”, cujo único contato com o mundo fosse um computador fraco com uma internet de 1MB capenga mantida por alguma iniciativa de ONG. O pobre poderia comprar seus jogos digitalmente, e como eram pequenos, mesmo essa conexão capenga seria o suficiente para recebê-los.

      Só que em 2009, o PS2 era carne de vaca, comprável tanto no mercado cinza ou nas Casas Bahia bem barato, seus jogos eram pirateados a rodo e vendidos a cinco reais por vendedores ambulantes e camelôs, pior ainda, em 2009 os torrents e os sites de ISOs permitiam o jogador baixar o jogo que quisesse e gravá-lo num DVD virgem, e o próprio PS3 já estava se tornando acessível, ou seja, o público alvo do videogame praticamente não existia.

      O Zeebo era fraquíssimo. Era literalmente uma placa de celular comparável a um PS1, até mais fraca em alguns campos – por exemplo, alguns jogos não tinham música. E pior, era mais caro que um PS2. No fim, teve precisamente um jogo que consideram bom – o port de Double Dragon, um jogo de 1987, e foi um fracasso retumbante.

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