Gêneros Musicais – Outros

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Tio Ge explica – gêneros musicais 6 – Outros Gêneros

Finalizando essa série de textos sobre os gêneros musicais, hoje comento aqui sobre os vários outros gêneros existentes por aí e que não foram contemplados, ou não se encaixam, enquanto subgêneros e vertentes dos outros gêneros anteriormente comentados.

A começar pela pimba: gênero musical português por excelência, é a tal da música “brega” portuguesa, parecido com o que a gente tem por aqui com Reginaldo Rossi e Sidney Magal. As letras quase sempre tem tom de humor, jogos de sentidos, ou conotação sexual. É um gênero pobre em termos de estruturação harmônica e arranjo. Segue o clichê do pop de sempre V-I-IV-II com algumas poucas variações, uma linha de baixo bem ritmada (não é o groove do blues, mas algo que produz ritmo contagiante, feito pra dançar), um violão, vocal e 3 backs vocais, e acordeão. Vez por outra também aparece algum teclado aqui ou ali, mas não é regra. Representantes desse gênero são Quim Barreiro (“A cabritinha”, “eu comi a sobra”, entre tantas outras são pura poesia! Busquem por conta própria no youtube!), Emmanuel, Ruth Marlene, Tony Carreira, Jose Malhoa, e Nel Monteiro.

Ainda em relação a Portugal, tem também o fado. Há toda uma história desse gênero a ser contada, bem como várias vertentes (fado corrido, fado vadio, fado menor, fado Lopes…), mas, bem resumidamente, o essencial consiste em alguns versos de origem popular sendo acompanhados de alguns poucos acordes no violão, na viola ou mesmo no bandolim e guitarra portuguesa. As letras são quase sempre tristes, melancólicas, e expressam algo de saudade, melancolia e dor da alma portuguesa.

Alguns fados são bem elaborados, respeitando uma métrica rígida com decassílabos, alexandrinos, quintilhas e sextilhas; e ainda existe uma relação entre a metrificação poética e onde cai o acorde específico e em qual sílaba. Quanto ao instrumento, adendo interessante: há a preferência pela guitarra portuguesa que é afinada em ré ou dó (afinação de Lisboa e de Coimbra), diferentemente da inglesa que é afinada em mi. Quanto ao arranjo, não há nada de virtuoso aqui: são poucos acordes, quando muito três, passeando pelo I, V e VI graus. Não há cadências, modulações ou retornos aqui.

Outro adendo interessante, já aproveitando para comentar sobre outro gênero: a modinha. O fado aparece lá no século XIX em Portugal, e tem influência direta da modinha, que é outro gênero que data lá do século XVII. A ideia, bem resumidamente, é pegar as canções de amigo, de escárnio e de maldizer, lá da época medieval, e “musicalizar” os versos com algumas notas no violão. A coisa deu certo, e pegou de tal modo que veio parar aqui no Brasil nos anos seguintes. A modinha é carregada de amorosidade, lirismo e doçura. Também tem um arranjo simples, para não dizer monótono, com um ou dois acordes sendo repetidos incessantemente no violão.

Aqui no Brasil, a modinha vai dar origem ao “chorinho”, gênero que também influencia o samba no final do século XIX. A ideia do chorinho é justamente algo que “chora”, que lamenta, e isso é expresso tanto nas letras quanto na célula rítmica desenvolvida pelo violão, e também nas longas escalas floreadas que são utilizadas nas flautas, dando a ideia de que algo está “caindo”.

Já em Portugal, no século XIX, a modinha tem uma ligeira influência da ópera italiana, chegando a ter frolattos, gruppetos, trillos e toda virtuosidade que a ópera exige da técnica vocal. Há quem critique isso e diz que a modinha portuguesa não deveria ser pretensiosa a utilizar essas virtuoses, há quem diga, por outro lado, que isso foi responsável por criar certo estilo de ópera portuguesa, mas que durou pouco tempo.

Falando em gêneros genuinamente brasileiros, vamos a alguns deles: Axé. Esse é um gênero que, assim como o blues, é uma mistura de tudo: tem influência do frevo (aquele estilo de dança típico de Pernambuco que as pessoas dançam pulando com guarda-chuvas coloridos), do merengue e até do reggae, e ainda incorporam elementos percussivos africanos, tudo isso misturado com a estrutura clichê do pop V-II-VI-VII. Conta a história que, na década de 1950, Dodô & Osmar resolveram tocar o frevo pernambucano em cima de um carro Ford 1929, e assim nasceu o trio elétrico, principal atração do carnaval baiano. Aliás, a história do axé está intimamente ligada com o carnaval na Bahia, mas ao que parece, o que fica mesmo na memória popular é o boom do axé nos anos 90 com bandas do tipo É o Tchan e Banda Beijo, Netinho, Banda Eva, entre tantos outros.

Axé, na cultura africana, especificamente no candomblé e umbanda, é uma saudação religiosa que designa energia positiva. O termo, na verdade, foi cunhado pelo jornalista Hagamenon Brito, em 1987. Então, em termos de arranjo, é comum encontrar algo bem ritmado, animado, alegre, com vários elementos percussivos que vão desde o tambor tradicional, o surdo, passando pelo pandeiro e mesmo o berimbau. Geralmente se utilizam tons altos (sol maior, ré maior, lá maior) pra acompanhar os vocais também altos, e, além disso, há também os teclados fazendo algum som sintetizado ou som de piano elétrico, e também a linha dos metais (saxophone, trompete) fazendo algumas notas de passagens entre um verso e outro.

Falando em reggae, vamos a ele rapidinho: esse não é um gênero genuinamente brasileiro, mas bem comum na Bahia e no Maranhão. Aliás, pra quem quiser conhecer, indico o Museu do Reggae Maranhão, em São Luiz, bem interessante!

Reggae, na verdade, é um gênero que surge lá nos anos 1960 na Jamaica. Ele vem derivado do ska, outro gênero também jamaicano. A característica principal aqui reside no uso do tempo em 4/4 (conta-se sempre 1 e 2 e 3 e 4…) e no uso de “walking-bass” que são os baixos saltados entre oitavas (exemplo: tocar dó-dó-dó-dó rapidamente alternando entre duas oitavas, isso vem lá do jazz, especificamente do boogie-woogie), além de usar riffs típicos do jazz e uso de guitarras ou piano no tempo fraco do compasso. Do ska surge o rocksteady, com os Rude Boy, que eram os jovens marginalizados da Jamaica e que tocavam essa coisa por aí nas ruas num ritmo bem acelerado. Em dado momento dos anos 1960, não dá pra saber com precisão, resolveram passar a tocar o ska num andamento menos acelerado, e enfatizar as linhas de baixo criando grooves, para além do walking-bass. Daí mantém-se a guitarra com efeitos nos pedais (tremolo, wah wah) no contratempo e assim surge o reggae.

Em termos de estruturação harmônica, o reggae é aparentemente simples: ênfase em apenas dois ou três acordes na guitarra (do tipo sol maior e ré maior), com repetição incessante em quase toda a música, sobrando mesmo a ênfase para o groove de baixo. Muito raramente aparecem alguns acordes menores com sétima aumentada, ou maiores com sétima diminuta, mas não passa disso, não há todo aquele virtuosismo harmônico como no jazz bebop. No mais, algumas linhas de metais aparecem, geralmente no modo dórico ou jônio, acompanhando a mesma tonalidade que a guitarra desenvolve seus riffs. Quanto às letras, geralmente dizem sobre crítica social, política, entre outros. Todo mundo lembra de Bob Marley, o maior representante, mas há também Robbie Shakespeare, Al Anderson, Aston Barret, Trippa Irie, Janet Kay, Steel Pulse, UB40’s só pra citar alguns.

Forró: também é outro gênero genuinamente brasileiro, que sofre influência do xote, xaxado e do baião. Enquanto gênero musical propriamente dito, quem marca presença mesmo é o baião. A origem do termo é incerta, já que forró pode significar o diminutivo de “forrobodó”, que em Bantu significa farra, zona, arrasta-pé. Aliás, dado histórico curioso: no nordeste de antigamente havia pistas de barro e elas precisavam ser molhadas para que a poeira não se levantasse. As pessoas, então, dançavam arrastando os pés para evitar que a poeira subisse. Outra história que se conta por aí diz respeito aos engenheiros britânicos que, no século XIX, se instalaram em Pernambuco para construir a ferrovia Great Western, promoviam bailes gratuitos para todos, ou seja “for all” em inglês, e os nordestinos passaram a pronunciar “forró”. Mas essa história parece não conferir, já que o termo que vem do Bantu já existia desde muito antes.

Quanto ao arranjo de instrumentos, o forró “raiz” é bem simples: é tocado com um triângulo, uma sanfona (acordeão ou rabeta), e uma zabumba (uma espécie de tambor). É claro que, com bandas recentes desse gênero a coisa se expande, há o uso de baixo, guitarra, teclados, etc. O andamento é geralmente rápido, animado, e o compasso é em 4/4 (conta-se 1 e 2 e 3 e 4…). Há a ênfase na zabumba no 1º tempo e o triângulo é sempre sincopado com aquele ritmo do tipo ta-ca-ti-ca-ta-ca-ti-ca… bem irritante, diga-se de passagem.

Se o arranjo é simples, a harmonia não o é tanto. Geralmente usam-se progressões harmônicas enfatizando o IV e o VI grau, do tipo: I-IV-VI-II-VI-II-IV-VI-VII-I. Reparem que nessa progressão há o retorno para o II grau duas vezes antes do IV grau pra daí concluir em VI-VII-I. Quando não é isso, a sanfona utiliza solos nos modos jônio (equivalente à escala maior melódica, tom-tom-semitom-tom-tom-tom-semitom, ou seja: partindo de dó é aquela escala que já comentei, sem nenhum acidente), mixolídio (maior melódica com o 7 grau bemol, partindo de dó fica: dó-ré-mi-fá-sol-lá-sib), lídio (maior melódica com 4º grau aumentado, partindo de dó vou ter: dó-ré-mi-fá#-sol-lá-si) ou dórico (tom-semitom-tom-tom-tom-semitom-tom, partindo de dó vou ter: dó-ré-mib-fá-sol-lá-sib), isso quando não resolvem inventar de utilizar todos esses modos juntos ao mesmo tempo. Resumindo toda essa sopa de letras, o que dá pra dizer é que a característica “especial” do forró e também do baião reside no uso da 4ª aumentada e da sétima diminuta, ou seja, fá sustenido e si bemol. Reparem que, nas músicas de Luiz Gonzaga, as melodias quase sempre usam essas notas na melodia.

Ainda em relação a essa estrutura harmônica que se utiliza dos modos jônio e dórico, dá pra comentar também sobre o sertanejo dito “raiz”, já que ele também utiliza essa mesma estrutura. O sertanejo “raiz”, lá do começo do século XX, utiliza apenas vocais (geralmente um dueto, mantendo uma distância de uma terça menor ou quinta justa entre as vozes), e viola ou violão. Com o passar do tempo é que vão se inserindo novos instrumentos como a sanfona, gaita, violão, guitarras e todo o arranjo de uma banda completa. Existem várias vertentes do sertanejo, o universitário eu já comentei lá no 1º texto quando falei sobre o pop. Mas tem também o sertanejo romântico, que se utiliza de letras românticas e um andamento mais lento, muito popular nos anos 1990; o sertanejo tipo moda de viola, feito pra dançar em bailões, o sertanejo do sul (milonga-fandango-chimarrita), e também aquele sertanejo dito “caipira”, muito comum nos estados do sudeste e centro-oeste, que são usados pra dançar sapateado e catira.

Muita gente comenta ou pergunta sobre uma possível relação entre o sertanejo brasileiro e o country americano. Não há dúvidas que, no decorrer da história, o segundo influenciou o primeiro, mas essa influência não foi tão significativa para o sertanejo se firmar como gênero. O sertanejo “raiz” vem, na verdade, desde o bandeirismo – aquele movimento dos bandeirantes de expansão do estado de SP, já no século XVII. O country, por sua vez, nasce lá nos idos de 1910 nos estados do sul dos EUA.

Eles se diferenciam também em termos de estruturação harmônica: o sertanejo é só isso, intervalos de 3ª ou 5ª nos vocais e uso do modo jônio ou dórico; o country é relativamente mais complexo, com uma progressão mais longa que enfatiza o IV7 (quarto grau com 7ª), o VII e várias escalas ascendentes e descendentes se utilizando de terças paralelas (exemplo: subir e descer as notas dó-mi-ré-fá-mi-sol-fá-lá…). O arranjo também tende a se tornar mais complexo, já que usa bandolim, viola, violão, e por vezes guitarras com alguns efeitos de tremolo, disthordo, pull off, etc.

Ainda na categoria gêneros brasileiros, indo para o sul temos: milonga, fandango e chamarrita. São também estilos de dança, para além de gêneros musicais, e ambos se parecem muito um com outro, mas há pequenas sutilezas que os diferenciam, geralmente no que confere ao uso de passos intercalados entre pernas cruzadas, uso dos quadris na dança, e condução da moça, enfim. Enquanto gênero musical propriamente dito, o que fica é o tal do sertanejo característico da região sul. Um bom exemplo tu pode encontrar aqui e aqui.

Nesse tipo de arranjo quem manda é o acordeão: ele que dá a ênfase na melodia e no acompanhamento vocal. Pode até ter violão de aço e de nylon, ou mesmo guitarra e baixo fazendo o acompanhamento, mas não é regra. Quanto à estrutura harmônica, é interessante observar o uso do modo lídio já comentado acima, e o uso do modo jônio ou dórico. Interessante também é o contraste produzido entre o baixo do acordeão, que fica uma terça acima da tonalidade dos violões, e os acordes produzidos por estes geralmente obedecem a intervalos de 4ª (exemplo: dó-fá/ré-sol/mi-lá).

O andamento também merece atenção, já que – mesmo tendo uma métrica regular, com compasso 2/4 (conta-se 1 e 2 e 1 e 2…) – são enfatizados alguns tempos fora de métrica, deixando-o sincopado. Exemplo: imagine dividir esse “1 e 2” e contar 1 2 3 4 5 6 7 8. Agora imagine dar ênfase da seguinte maneira: [1] 2 3 4 [5] 6 7 8, sendo o 1 e 5 correspondente ao tempo forte 1 e 2 do compasso 2/4. Ou então: [1] 2 3 [4] [5] 6 [7] 8. O fandango já tem uma dança um pouco mais complexa, geralmente é dançada em grupos, e o andamento é em 3/4, com forte ênfase do bumbo no 1º tempo. Um exemplo tu encontra aqui.

Importante lembrar também que esses gêneros são influenciados pelo tango, que por sua vez é influenciado pela contradança, ou habanera, que é um gênero que vem lá da música erudita no século XIX. Penso que o exemplo mais famoso pra dar no campo do erudito seria a habanera de Carmen de Bizet.

Passando agora aos gêneros dos países vizinhos, ou quase vizinhos: tango. Todo mundo lembra de Argentina quando o assunto é tango, mas ele também existe no Uruguai. Assim como os gêneros do sul do Brasil, tango também é, ao mesmo tempo, gênero musical e de dança. Ele é, bem grosso modo, um derivado da mistura de milonga, habanera e polka europeia. Aqui, e em outros lugares, a gente tende a valorizar o gênero como algo chique, mas lá na Argentina ele não é não. É bem popular, e suas origens também são populares: nasceu no final do século XIX nos prostíbulos de Buenos Aires e Montevidéu. Era dançado naquela época por prostitutas e por imigrantes europeus na rua, em bordéis por aí.

Quanto ao gênero musical propriamente dito, é relativamente simples: compasso 2/4, com aquele tresillo no baixo, e geralmente é tocado em trio de baixo, violino, e bandoneon, que é uma espécie de sanfona bem pequena. Arranjos mais complexos envolvem também violoncelo e cello no meio, mas não passa disso. Quanto à harmonia, ela fica por conta de contrapontos (os violinos ficam uma 3ª de distância dos violoncelos, que por sua vez ficam uma 5ª de distância do baixo), e por conta de um desenvolvimento de um tema melódico nos agudos (violinos) sendo repetidos pelos outros instrumentos (violoncelo e baixo) no decorrer da música, enquanto o bandoneon faz a célula rítmica com progressão harmônica enfatizando o VI grau menor, III e IV graus, seguido às vezes de algum solo.

Na Colômbia (e em menor grau no Panamá, e também no Recife e em Belém) existe a cumbia. A origem do termo é difícil de explicar, existem várias teorias, dentre elas: o nome vem de “cumbague”, que significa prazer, mas também significa aquele cacique forte, de caráter belicoso e audaz; outros dizem que a palavra vem de “cumbancha”, que vem do Congo, e outros ainda dizem que vem de “cumbé” que significa batida, choque.

É um gênero bem interessante, tanto pelo arranjo de instrumentos não muito conhecidos por aí, quanto pela estrutura harmônica. Os instrumentos utilizados são a flauta de milho, flauta de bambu, a gaita “hembra”, e os tambores (respectivamente alegre, tambora e chamador), além de elementos percussivos como maracá e guache, bongo e guizo; e, nas versões contemporâneas, também há metais/sopros (sax, trombone, trompete), violão e guitarra. O detalhe também fica por conta do ritmo e do andamento, que é 2/4, mas não se conta “1 e 2 e 1 e 2…”, mas sim “e 2 1 – e 2 1 – e 2 1…”. Isso, em música, se chama “tresillo”. O baixo segue com 3 notas, caindo justamente nesse esquema de “e 2 1”, geralmente algo do tipo fá-sol-dó/fá-sol-dó. Reparem que, partindo de dó, são justamente os graus IV-V-I usados lá no rock. Quanto aos outros instrumentos, é interessante que eles enfatizam os acordes no 3º, 6º e 7º graus. Vários exemplos tu pode encontrar nesse longo vídeo aqui.

Indo um pouco acima, ali em Puerto Rico, Cuba, Panama…, a gente encontra o reggaeton. Bem grosso modo, esse gênero é a mistura do reggae com o hip-hop. A estrutura harmônica segue aquela clichê do pop, mas preferencialmente aquela V-II-VI-VII, enfatizando, ou antes, iniciando a música no VII grau (sensível) com a intenção de dar mais dramaticidade ao encadeamento harmônico, já que esse grau pede pra resolver em I (tônico) ou V (dominante). Acrescenta-se aí também algumas poucas cordas (geralmente violão mesmo, quando muito viola e bandolim) utilizando o modo frígio. Quanto ao andamento, da mesma forma que a cumbia, também se utiliza o tresillo com aquela contagem no “e 2 1”. Acho que o melhor exemplo contemporâneo pra dar seria Daddy Yankee com “despacito”.

Um gênero mais ou menos parecido com o reggaeton é o kuduro, mas esse não é exatamente latino. O gênero vem, na verdade, da Angola, desde os anos 1980, e significa, literalmente, bunda dura. A ideia é justamente representar uma dança em que as pessoas mexem freneticamente a bunda. O arranjo é bem rudimentar: compasso em 4/4, com ênfase na caixa alta (som de taff taff taff), baixo em 5as bem saltadinho, e progressão clichê do pop, tipo V-I-IV-II. Melodia simples feita com os vocais e acordeão, ou teclado com algum som sintetizado, e com algumas poucas notas, bem fácil de memorizar, bem “chiclete” e repetitiva. Um exemplo bem contemporâneo disso é aquela famosa “danza kuduro” de Don Omar, que bombou aí alguns anos atrás.

Mudando drasticamente o disco, vamos para o rap e hip-hop: muita gente confunde, e com razão, já que ambos são bem parecidos. Mas, bem resumidamente: hip-hop, em sua origem, tem a ver com toda uma cultura/movimento, que começa lá nos anos 1970 nas comunidades afro-latinas e em NY. Nessa cultura se inclui o rap, o grafite, a dança break, e a música eletrônica que se utiliza de straches e loops, e tem certa influência do UK garage com aqueles bass.

O rap, diminutivo de rythm and poetry, é só isso mesmo: há um mc (mestre de cerimônia) que toma a voz e declama uma poesia (seja ela já anteriormente escrita ou improvisada) em forma ritmada acompanhada de uma batida eletrônica feita por um DJ. O hip-hop, por sua vez, é o gênero um tanto mais complexo que envolve vários elementos da eletrônica (vários loops diferentes), efeitos de transição, baixo bem marcado (geralmente em quintas, mas sem grooves), alguns strings e uma progressão simples do tipo IV-V-I. O problema maior mesmo, e que gera bastante confusão, é que no final dos anos 90 e começo dos anos 2 mil, vários artistas começaram a apelar para algo mais comercial, mais pop, denominando o gênero como hip-hop. E aqui, não faltam artistas para citar: Jay-z, Beyoncé, Ja Rule, Nelly, Ne-Yo, Chris Brown, T-Pain, Akon, Sean Paul, T.I…

Indo pro outro lado do oceano, mais especificamente em Andaluzia, na Espanha, tem o flamenco. Ele é também um gênero de dança, e está intimamente ligado ao folclore local. Suas origens remontam às culturas Moura e cigana, e sofre influência dos árabes e judeus. Antigamente era só canto, e só depois que começou a ter cordas (violão, viola, alaúde, bandurria), palmas, sapateado e dança. Também é comum ter chocalhos, adufe e castanholas pra apimentar a percussão. Existem os chamados “palos” que são subcategorias do flamenco, e se diferenciam pela estrutura rítmica e pela progressão harmônica utilizada. Só para citar alguns: existe o fandango, farruca, granaína, cartageneras, alegrias, bulerías, caracoles, guajiras, peteneras, entre tantos outros.

O ritmo desse negócio é complexo. Via de regra, os compassos 2/4 e 4/4 geralmente são usados em tangos, rumbas e tientos. Compasso em 3/4 em servillas e fandangos, e o 12/8 em seguirlla, soleas , bulería e alegria. Pra vocês terem ideia, as vezes a contagem de tempo é feita assim: 12 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11, ou assim: 121 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12. Quanto à harmonia, é algo interessante de ser notado também: usa-se predominantemente o modo frígio, o terceiro modo grego, com a fórmula semitom-tom-tom-tom-semitom-tom-tom. Partindo de mi vou ter: mi-fá-sol-lá-si-dó-ré-mi, sem nenhum acidente na escala. Partindo de dó vou ter dó-réb-mib-fá-sol-láb-sib. Esse modo é característico pela 2a e 3a menor, além da 6a e 7a menor, tudo junto na mesma escala.

Além disso, ele também usa a cadência “Andaluzia”, que é uma progressão descendente que usa VIm-V-IV-III ou Im-VII-VI-V. Partindo de dó vou ter: lá menor, sol maior, fá maior, mi maior, ou dó menor, si maior, lá maior e sol maior. É uma progressão que gera aquela coisa de sensualidade e mistério na música espanhola. Um exemplo bem condensado disso tudo tu pode conferir nesse vídeo aqui.

Um dos palos derivados do flamenco que é bem conhecido por aí é o merengue. Ele está presente não só no norte do país, como também na Venezuela, Colômbia, Haiti, e até na Angola. A diferença principal está no compasso em 2/4 e baixo bem marcado entre oitavas (walking-bass). Ele também é agitado, feito pra dançar. Na estrutura harmônica não tem nada de diferente, mesma ênfase para o modo frígio. Exemplo dá pra ser encontrado nesse vídeo.

Indo pra Cuba, não tem como não lembrar do mambo, gênero latino por excelência, que também é um gênero de dança. A coisa começa lá pelos anos 1950, com Orestes López, e o nome, segundo consta a história, vem da expressão “estas mambo?” que significa, “você está bem?” Em termos de harmonia, ela é relativamente simples, progressão V-II-IV-I, flertando um pouco com elementos jazzísticos, como acordes com 5ª diminuta ou sétima aumentada, mas não passa disso em termos de complexidade harmônica. Em termos de arranjo e ritmo, ele é rápido e animado, dançante, pra cima, e tem um grave acentuado naquele ritmo já comentado de “e 2 1…”, com ênfase nos instrumentos de metais e sopros, como trompete, trombone e sax, e às vezes tuba. Também tem os vocais, as vezes com 2 ou 3 backs vocais uma quinta abaixo, e os teclados fazendo ou riffs ou algumas notas arpejadas.

Do mambo deriva-se a salsa e o cha-cha-cha. Uma pessoa leiga que ouve pode dizer que ambos os três gêneros são tudo a mesma coisa, mas existem pequenas diferenças sutis entre eles. A começar pelo ritmo e andamento: o mambo é rápido, a salsa é um pouco mais lenta. Além disso, o mambo é mais cadenciado, mesmo com a progressão harmônica simples, enquanto que a salsa é mais “caliente”, mais apimentada. Já o cha-cha-cha se diferencia pelo ritmo sincopado e várias quebras (repiques) no meio da música. O compasso é em 3/4 (contagem 1, 2, 3, 1, 2, 3…), mas conta-se sempre as tercinas em cada tempo, do tipo tá-tá-tá/tá-tá-tá/tá-tá-tá. Reparem que são 3 grupos de “ta-ta-ta”, um em cada tempo do compasso. Daí a origem que dá nome ao gênero.

Em Cuba também tem a rumba, derivado do flamenco. Ele se difere sutilmente dos outros palos acima comentados por ter um ritmo mais lento, mais suave, embora também seja feito para dançar. A harmonia, embora use o modo frígio, é menos misteriosa que os outros palos. O compasso também é em 2/4, mas em cada tempo do compasso há uma tercina sincopada, daí aquele ritmo do tipo tá/tá-ra-da-tátátátá/ta-da-ta-tátátátá/ta-da-ta-tátátátá… bem marcado com os guiros, bongos e congas.

Baixando um pouco o ritmo eufórico de todos esses gêneros, ainda em Cuba (e também no Brasil e em todos os países latinos!), temos o bolero. Aqui no pais influenciou fortemente o samba-canção. Ele se caracteriza por ser mais lento, bem do tipo pra dançar agarradinho, e, diferentemente dos vários instrumentos de sopro e da percussão rica e marcada, aqui é mais comum encontrar só violão e piano nos acompanhamentos, poucas linhas de baixo e uma progressão harmônica simples, do tipo II-VI-V-VII-III. Curioso, aliás, como esse gênero dá ênfase aos graus II e VI, causando um efeito de sobretensão (tensão acima do grau dominante), que pede pra resolver em III ou I, e causa um efeito de surpresa no ouvinte.

Ainda em todos os países latinos, próximo da Cordilheira dos Andes, existe a música andina. É um gênero folclórico que tem influência da cultura inca, e a ênfase aqui é a quena, uma espécie de flauta, e a flauta de pã (aquela que não é reta, mas sim horizontal com vários tubos amarrados, de diferentes tamanhos), além do charango e da bandola, que são instrumentos de cordas parecidos com o alaúde. Quanto à harmonia, algo estranho: ênfase no IV e VII grau, embora a progressão seja simples, e a melodia fica por conta do si bemol na escala. Um exemplo tu encontra aqui.

Na tentativa de fechar esse texto, que já está bem grandinho, comento brevemente sobre as características das músicas de algumas regiões distintas, como a música árabe e asiática. A começar pela árabe, ela é diferentona por si só por valorizar mais a melodia e ritmo do que a harmonia. Não há a preocupação, como nós ocidentais, em ter o arranjo e o encadeamento perfeito entre acordes pra produzir uma harmonia complexa. É bastante comum, aliás, ocorrer performances em que a música é tocada com aceleração e diminuição do ritmo, mas sempre constante, sem parar. O que importa mais é a improvisação utilizando as escalas maquam. Dois gêneros mais comuns aqui são o nubah e o waslat. Mas, só pra ter ideia, existe uma infinidade de gêneros e formas em cada região específica: no Egito encontramos o Al Jeel, o Shaabi, o Mawwai e a Semsemya. Na Argélia existe o Chaabi e o Rai, e em Marrocos existe o Malhun e e o Gnawa; e na Tunísia o mezwed e o mizmar.

Quanto à melodia, ela pode parecer relativamente simples, mas se torna bem complexa já que eles utilizam um sistema tonal diferente de nós ocidentais, composto por 24 microtons. Explico: nós estamos acostumados a esse sistema de 12 notas, sendo 7 tons inteiros e 5 semitons entre os tons inteiros, à exceção de mi e fá e si e dó. Na música árabe é como se entre fá e fá sustenido tivesse mais meio tom, um fá meio sustenido ou sustenido-sustenido ou fá dobrado sustenido, como queira preferir. É um negócio complexo para nós ocidentais, pra não dizer também que é difícil de perceber pelo ouvido, já que somos educados desde pequeno a esse sistema dodecafônico.

Se com 12 notas podemos fazer várias coisas complexas em termos de composição, com 24 então a música ocidental pode parecer pobre e seca em relação à oriental. Isso significa que os orientais são melhores que nós em termos auditivos? Não necessariamente, mas diria que eles têm outra percepção de mundo (e de acústica!) diferentemente de nós.

Aliás, breve parêntese aqui pra comentar rapidinho que a música indiana também tem um sistema tonal parecido, mas com 22 microtons e que se ligam, de alguma maneira, aos 22 pontos espalhados em nosso corpo, que por sua vez, ligam os 7 chakras. Na cultura indiana há uma relação entre notas, frequências e cores devem ser emitidas pra harmonizar esses chakras.

Na música árabe existe também o maqam, que é um sistema tonal complexo, um conjunto de regras bem específicas pra gerar escalas utilizando os microtons. Pra vocês terem ideia da complexidade: existem os jins ou ajnas que são conjuntos de notas que podem ser agrupadas na categoria “trhicords” (3 notas), “tetrachords” (4 notas) e “pentachords” (5 notas). Nos trichords eu tenho os jins: Ajam, Jiharkah, Sikah e Mustaar. Nos tetrachords eu tenho Bayati, Busalik, Hijaz, Kurd,Nahawand, Rast, Ssaba, Zamzama, e nos pentachords eu tenho o Athar Kurd, e Nawa Athar. Pegando o Bayati, por exemplo, eu tenho as notas ré-mi bemol bemol-fá-sol. Considerando o harmônico fundamental de ré (admitamos lá como referência em 440hz, ré vai ser 587,3hz) eu tenho uma relação de 3/4 e 3/4 entre ré e mi bemol bemol e entre mi bemol bemol e fá. Em outros termos, matematicamente falando, isso é 4π/3 rad + π/2 sen do harmônico superior de ré.

Indo para a música chinesa, essa é interessante porque, apesar de estar pautada no ciclo de quintas, o mesmo utilizado na música ocidental, formando as sete notas, ela prioriza um sistema pentatônico, e há uma relação muito interessante entre as notas (gong, shang, jue, zhi, e yu), a direção no espaço (centro, oeste, leste, sul e norte), a estação do ano, o elemento (terra, metal, madeira, fogo e água), os planetas (saturno, Vênus, júpiter, marte e mercúrio), e as emoções (relaxamento, preocupação, ira, prazer, medo).

Pra fechar de vez, duas palavrinhas breves: no decorrer de todos esses textos eu certamente pulei uma porrada de gêneros e formações musicais específicas (como a música folclórica canadense de origem aborígene da América do norte, a música alemã, a música celta, a folclórica russa e australiana…) por pensar que não vem ao caso, a não ser que alguém aqui queira se aventurar a estudar a fundo antropologia e etnomusicologia. De todo modo, esses textos não se prestam a tanto, essa não foi a intenção, e sim explicar “de um jeito fácil” alguns dos gêneros mais (ou menos) conhecidos por aí.

E, bem, o que fica disso tudo é que, ao analisar determinado gênero musical, bem como as formas com que determinado grupo social arranja e agrupa seus instrumentos e produz certa sonoridade, tudo isso nos dá uma dimensão maior sobre o que somos e a forma como vemos o mundo. Música, mais do que a arte de unir som e silêncio, é também fenômeno físico e fisiológico, e a forma com que lidamos com ela nos mostra a dimensão do que somos.

Por: Ge

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Comments (6)

  • Adorei, Ge. Pena que esta série de textos acabou. Por mim teria ainda mais. Mas agradeço e te parabenizo. Ah, e eu não sabia que o tango havia nascido nos prostíbulos de Buenos Aires e de Montevidéu e que só tinha conotação de coisa chique por aqui.

    • Agradeço os comentários de todos! Mas bem, como disse no texto, se continuasse isso viraria um livro, uma enciclopédia musical, esse não é bem o objetivo.

      E, sabem como é, estudando música desde pequeno, não tem como não acumular todo esse conhecimento histórico rs
      E, acho que depois desses textos ficou mais claro porque eu disse lá no 1o texto que acho o pop irritante.

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