Memórias – Parte 4

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A luz externa fica cada vez mais intensa, espalhando um tom azulado sobre o ambiente. Em conjunto com a forte iluminação da sala onde se encontrava, a cena prova-se incômoda demais para os olhos de Bar’hai. Ele cerra as pálpebras, engatilha seu rifle e corre de volta para a escadaria. Um som grave vem dos andares superiores, forte o suficiente para vibrar nas paredes que usa de apoio enquanto aponta sua arma para cima, buscando por soldados inimigos lance após lance de escadas.

Após algumas dezenas de andares acima, as pernas começam a acusar o esforço, desacelerando seu passo. Quinquagésimo nono andar. Ele busca abrigo no corredor enquanto recupera o fôlego. O som e as vibrações param, fazendo-o buscar por novos sinais vindos da parte superior da torre. Depois de alguns minutos, já refeito do cansaço, decide continuar. Deixa o passo mais leve, e desacelera o ritmo em troca de uma análise mais minuciosa dos seus arredores.

Até o penúltimo dos 70 andares, a torre segue um padrão comum de escadarias feitas de concreto desembocando em portas metálicas que dão acesso ao andar em questão, mas agora lida com algo diferente: ao subir o último lance, começa a notar que algo está diferente dali para cima. Ele se encontra diante de um imenso equipamento, com pelo menos uma dezena de metros de altura, apoiado por grandes colunas negras. Um enorme invólucro metálico do qual saem inúmeros tubos que terminam nas paredes. Ao seu lado, o começo de uma escadaria metálica que serpenteia a estrutura. A iluminação local é reduzida, mas não o suficiente para que ele note alguns homens na parte superior, aparentemente distraídos com um terminal. Eles estão usando uniformes também, de cores parecidas com as suas, mas cheios de placas metálicas. Estão claramente armados, embora daquela distância não consiga identificar exatamente os modelos.

Bar’hai se lembra das palavras de Zekutron, e decide que não vai deixar o Terror voltar para seu mundo. Começa a buscar o melhor ângulo para atirar nos invasores, mas ouve um som estranho vindo do outro lado do equipamento. Com passos leves, busca abrigo nas sombras e procura pela fonte da interrupção. Do lado oposto, uma porta metálica se abre, e mais dois soldados saem de dentro de uma sala minúscula. Um deles coloca a mão na lateral do capacete e começa a falar:

“Azul, é modelo antigo mesmo. Vai ter que aplicar o patch.”

Ele fica em silêncio mais alguns momentos, e continua, agora se voltando para o outro soldado:

“Verde, o alvo está no subsolo. Quando chegar lá me avisa que eu começo aqui.”

O outro concorda, e volta para dentro da sala pequena. As portas se fecham, e o soldado que permanece vai até um terminal próximo. Bar’hai encontra uma posição para um tiro certeiro, aproveitando que o inimigo está de costas. Ele respira fundo pelo o que está prestes a fazer, pensando em sua família e amigos como justificativa. O dedo no gatilho vacila por alguns momentos, mas ele aprendeu a não demorar demais. O disparo ecoa por toda a área, potencializado pela estrutura metálica. O tiro é certeiro, na altura da nuca. O homem desaba imediatamente.

“HOSTIS! HOSTIS! VERMELHO FOI DESCONECTADO!”

O grito vem de cima. Passos rápidos podem ser ouvidos nas plataformas superiores. Bar’hai busca abrigo atrás de uma das pilastras, e só consegue enxergar um ponto vermelho se aproximando pelo chão antes de ouvir os primeiros tiros.

“SETE HORAS! EQUIPAMENTO COMPLETO!”

Os tiros continuam, Bar’hai observa rapidamente que os dois soldados de cima se posicionaram atrás de um terminal, saindo eventualmente para atirar. Ele consegue notar uma escada vertical subindo pela lateral da estrutura metálica no centro do salão. Isso colocaria um grande escudo entre ele e os inimigos, aproximando-o da parte superior. Para isso, precisaria atravessar uma área aberta. Lembra-se do que treinou nos sonhos, e encontra uma granada de fumaça do lado esquerdo do cinto de utilidades. Bar’hai a ativa e arremessa, esperando a fumaça branca tornar seu trajeto invisível para os inimigos.

Ele corre pela cortina de fumaça, mas continua ouvindo os tiros. O caminho está quase completo até a escada. Subitamente, ele sente a perna direita queimando na altura da panturrilha. A dor é imediata, mas não o suficiente para vencer sua vontade. Ele se joga atrás da estrutura, olhando para o ferimento. Um tiro atravessou sua perna. No bolso da calça, encontra uma injeção de analgésicos, que aplica diretamente na área ferida.

“QUEM É VOCÊ?” – O grito vem de cima.

Bar’hai pensa por alguns momentos, mas decide ganhar tempo até a dor na perna ceder o suficiente para se levantar.

“EU BAR’HAI!”

“ESCUTA, BARAI, A GENTE SABE QUE VOCÊ FOI ATINGIDO!”

Bar’hai fica em silêncio.

“A GENTE ESTÁ EM VANTANGEM. SOLTA SUAS ARMAS E SE RENDE!”

A dor começa a diminuir. A perna ainda não inspira muita confiança.

“BAR’HAI NÃO DEIXA TERROR VOLTAR!”

Bar’hai chega com alguma dificuldade à escada, e começa a escalada. Os soldados parecem conversar entre si, mas o conteúdo não fica claro. No final da estrutura, uma plataforma metálica. Agora com muita dificuldade, Bar’hai consegue passar o corpo pelo vão onde desembocava a escada. Pode ouvir alguns sons do movimento dos outros dois soldados, que provavelmente estavam dando a volta para encontrá-lo. Ele prepara a arma e uma granada, em último caso. Escorado no grande equipamento do centro da sala, ele começa a se movimentar para a esquerda, circulando as paredes metálicas. Logo percebe um vulto se escondendo atrás de uma grande caixa na plataforma.

Bar’hai conhecia esse truque. Volta-se para trás imediatamente, e vence a batalha de reflexos: uma rajada de tiros acerta o peito do soldado que se esgueirava por trás dele. O homem desaba ao mesmo tempo que Bar’hai corre em sua direção, afastando-se do outro enquanto isso. O soldado caído não parece morto, se arrasta pelo chão tentando se proteger. Tiros começam a vir da direção que Bar’hai evitou, e ele completa a volta para se proteger. Ele pode ouvir a conversa:

“AMARELO? AMARELO? SITUAÇÃO?”

“Vai demorar umas duas horas para curar isso, um dos tiros passou… dói muito, eu acho que vou voltar…”

“BARAI! BARAI? Vamos conversar! Para com isso!”

Bar’hai sente a perna um pouco mais estável, mas ainda tem dificuldades de ficar em pé. Um enfrentamento direto seria muito perigoso. Decide aceitar a proposta do inimigo:

“É Bar… Hai.”

“Ok, Bar’hai. Por que você está atacando a gente?”

“Vocês vem trazer seu deus pra destruir mundo de Bar’hai. Homem de pele azul me conta verdade.”

“Foi você que achou as… as memórias, né?”

Bar’hai continua em silêncio.

“Bar’hai, meu nome e Steven, e eu vim até aqui para buscar essas memórias. Não viemos destruir seu mundo.” – a voz do soldado está bem mais calma.

“Então por que trazer armas?”

“Você conhece o povo que vive ao redor da torre, não conhece? Só estamos nos protegendo.”

“Por que atirar em Bar’hai?”

“Você começou! De novo, estávamos nos protegendo.”

Bar’hai não consegue discutir com a lógica. Ele realmente atirou primeiro. Fica em silêncio até ser interpelado novamente:

“Se você entregar as memórias, eu perdoo tudo o que você fez. Vamos fazer isso, Bar’hai?”

Bar’hai coloca a cabeça para fora da proteção da estrutura. O soldado aponta a arma. Ele estica o braço para mostrar a granada que tem em mãos, pino solto, seguro pelo dedo.

“Não faça isso! Eu te derrubo antes de você conseguir jogar essa granada em mim.” – o soldado mantém a arma apontada.

“Bar’hai bom soldado. Presta atenção. Ninguém atirou na máquina grande, sempre longe. Sempre para quando está na mira.”

“Você não sabe do que está falando.”

“Bar’hai sabe que máquina grande chama seu deus para destruir mundo.”

“Isso é uma mentira, Bar’hai. Não sei o que o Zekutron te falou, mas ele é maluco e perigoso. É procurado em todos os mundos como um terrorista!” – o soldado fala enquanto olha fixamente para a granada na mão de Bar’hai.

“Bar’hai não deixa Terror voltar.”

O soldado desvia o olhar rapidamente para trás de Bar’hai. Tarde demais. Um tranco poderoso em suas costas o desequilibra, fazendo-o soltar a granada.

“VERDE, NÃO!”

A granada rola pela plataforma, e cai vão abaixo por alguns segundos antes de uma grande explosão tomar conta do ambiente.

Continua…

Para dizer que agradece ao leitor que fez o pedido, para dizer que detesta o leitor que fez o pedido, ou mesmo para dizer que Bar’hai bom soldado: somir@desfavor.com

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