Amigos adultinhos.

Que o mundo está cheio de adultos só na idade, Sally e Somir concordam, mas na hora de lidar com essa gente, o grau de tolerância definitivamente não é o mesmo. Os impopulares crescem e aparecem.

Tema de hoje: dá para manter amizade com adultos infantilizados?

SOMIR

Sim. Pessoas vem em pacotes, como a própria Sally me ensinou há vários anos atrás: todo mundo tem seu conjunto de qualidades e defeitos, e normalmente eles estão relacionados. Por exemplo, uma pessoa passional vai fazer coisas grandiosas para te ajudar, mas pode começar a te odiar quando for contrariada. Se você quer a qualidade, deve estar pronto para lidar com o defeito. Em momento algum estou falando que somos obrigados a nada, e sim que cada escolha vem com seus pontos positivos e negativos. Conviva com quem você aguenta e te faz bem no saldo final, mas não se engane: nem para namoros, nem para amizades existem pessoas perfeitas. Você tem que ceder, até porque outras pessoas têm que ceder para manterem relações com você…

Dito isso, sim, estamos vivendo uma epidemia de adultos infantilizados. Pessoas que não querem ou não tem estímulo para amadurecer sua visão de mundo e acabam presas à comportamentos pra lá de infantis diante das questões habituais da vida. Gente que não sabe o que fazer numa crise, que não sabe resolver desavenças sem briga, que depende terrivelmente dos outros para funcionar, que não tem iniciativa, que deixa a saúde mental deteriorar sem supervisão constante… basicamente, gente tão confiável quanto uma… criança.

E se me permitem a honestidade, até pouco tempo atrás essa característica era muito mais feminina do que masculina: mulheres recebiam incentivo constante para se manter dependentes. Hoje em dia vemos uma mudança, ainda tímida, mas constante nessa mentalidade. O discurso mudou radicalmente, só que as pessoas demoram um pouco mais. De qualquer forma, hoje vemos mais mulheres se tornando adultas inclusive na mente, só que ao mesmo tempo o número de homens travados na infância aumenta exponencialmente. Nada é de graça nessa vida. Eu trago esse ponto para explicar o motivo pelo qual acredito que como homem, eu sou mais aberto a ter proximidade com pessoas mais imaturas: fazia parte da imagem mental da vida adulta do homem ter uma pessoa muito dependente do seu lado na figura da mulher. Pelo menos a minha geração ainda estava “preparada” para assumir essa posição de adulto da casa (mesmo que não saiba preparar um miojo sozinho…).

Então, se você for homem e não enxergar o mundo dessa forma, talvez seja uma questão de gerações. As coisas mudam. O recém-adulto já vem de uma geração onde as coisas estavam diferentes nesse campo: mulheres recebem uma exigência bem maior de se virarem sozinhas nos dias de hoje. Mas vamos logo ao ponto aqui: embora tenham seus problemas, adultos infantilizados não são desperdícios completos de oxigênio. Até porque há muito o que se relativizar aqui. Um adulto infantilizado pode ser o dono da empresa onde você trabalha, pode ser pai de família ou o seu presidente. De uma forma ou de outra, a nossa sociedade já aprendeu a acomodar essa gente, e dependendo de suas habilidades em áreas específicas, pode alçá-la a uma posição de poder e prestígio surpreendente, mesmo com sua incapacidade de lidar com as dificuldades da vida adulta.

É mais ou menos como a humanidade funciona desde que aprendemos a viver em grandes sociedades: as pessoas vão cooperando com seus pontos positivos para os negativos serem tolerados. Muitos gênios que mudaram o mundo não sabiam viver como adultos, e precisavam de suporte constante de outras pessoas. Num mundo onde apenas pessoas completas e autossuficientes podem existir, perderíamos uma parcela considerável dos grandes destaques que mudaram nossa forma de viver. O tema de balancear vantagens e defeitos sempre volta neste texto, não?

Porque no final das contas, meu argumento é sobre isso: sobre decidir o grau de tolerância que você vai ter com outras pessoas em relação aos seus defeitos. Não acho razoável aguentar um adulto infantilizado só para não ficar sozinho, mas se essa pessoa tem outras coisas para oferecer que te somam algo positivo na vida, por que não fazer a tentativa? Eu não me banco como uma pessoa que não precisa de concessões para se conviver, e sugiro que você também nunca caia nessa armadilha: você é chato para várias coisas, e talvez insuportável para algumas, a maioria completamente invisível do seu ponto de vista. Quem quiser ficar perto de você vai ter que aguentar. Desde que você entregue valor o suficiente para compensar, muita gente vai topar.

Adultos só na idade enchem o saco com sua dependência, egoísmo e desequilíbrio emocional? Sim. Eles são só isso? Não. Todo mundo tem pelo menos um interesse normalmente associado à infantilidade, normalmente no que tange formas de lazer. Aquele amigo ou amiga que gosta dos mesmos jogos, filmes ou séries pode ser uma criançona quando a coisa aperta na vida real, mas é divertido até não poder mais quando vocês compartilham esse interesse. O amigo ou amiga que adora uma balada e passa a madrugada bebendo com você como se vocês tivessem 14 anos de idade (mesmo tendo 40) tem interesses de gente adulta? Não. Mas quando você quer fazer isso, a pessoa está lá, disposta e feliz de participar.

O segredo é compartimentar e não esperar que uma pessoa só dê conta de te acompanhar em tudo o que te interessa. Existem amigos que são pau para toda obra, que viram família e te ajudam na hora do aperto, mas existem também amigos mais ocasionais, que não moram na mesma prateleira dos mais íntimos, mas que ajudam você a viver uma vida mais feliz do mesmo jeito. Esses podem ter defeitos muito maiores, inclusive infantilidade. E para ser honesto e egoísta ao mesmo tempo: ainda bem, porque gente muito madura tende a te segurar quando você quer desperdiçar tempo, saúde ou dinheiro. Pessoas adultas de verdade costumam ser ainda mais protetoras com quem querem bem do que com elas mesmas, então você pode perder várias oportunidades de diversão inconsequente na vida se não tiver um adulto infantilizado ao alcance de vez em quando.

Não abra uma empresa com um adulto infantilizado, não case com um adulto infantilizado, não dependa de um adulto infantilizado quando estiver no hospital, mas não precisa tirar essas pessoas da sua vida completamente. Basta saber o lugar delas e principalmente: ser adulto o suficiente para entender que você não é responsável pela vida de um outro adulto. Você não precisa “adotar” esse amigo, basta mantê-lo na distância correta.

Sem exageros.

Para dizer que é muita racionalização para pouco Alicate, para dizer que não se mistura com gentalha, ou mesmo para dizer que simplesmente não tem defeitos e não exige nada menos dos outros: somir@desfavor.com

SALLY

Dá para manter a amizade com um adultinho infantilizado?

Não. Para mim não dá, o custo é muito alto e meu tempo, disponibilidade e paciência são recursos escassos. Acho inconcebível manter uma amizade com alguém que eu não admiro, muito pelo contrário, até desprezo.

Um adulto infantilizado é uma pessoa que, apesar da idade, se comporta predominantemente como uma criança. Todos nós temos um ou outro lado mais infantil: algumas pessoas só comem fast food, outras adoram desenhos animados, etc. Mas é apenas um gosto pontual, não um traço de personalidade. Se a pessoa for madura em seus atos, pouca diferença me faz o que ela come.

Um adultinho infantilizado tem personalidade infantil. São pessoas chatas, carentes, birrentas, possessivas, que não sabem lidar com contrariedades. Não, obrigada. Meu ouvido não é penico para ficar escutando esses White People Problems, para ser usada como válvula de escape por alguém que não sabe lidar com frustrações de forma madura. Se eu não tenho filhos por não suportar a chatice de um amadurecimento incompleto, por qual motivo iria me expor a isso com o filho dos outros?

Não ter maturidade emocional significa viver pulando entre extremos. Se algo dá errado na vida da pessoa ela pode chorar horrores, reclamar disso sem parar por dias, se vitimizar até dizer chega. Também pode ter um surtinho de raiva, ficar pensando no assunto sem parar, querer se vingar, viver arrumando briga e confusão. Pouco importa para qual lado vai a imaturidade, não me interessa, me cansa e até me ofende um pouco. Fico pensando o que essa pessoa idiota vai fazer quando tiver um problema de verdade na vida.

Surgiu um problema? Um adulto saudável observa, entende o que pode ser feito e executa. Um adultinho infantilizado te liga e despeja tudo em você, esperando que você resolva, ou te liga e reclama até a morte, ou te liga se vitimizando. Vai pra puta que pariu, não, obrigada. Punhetar problema como fonte para conseguir atenção, cuidados ou elogio é algo que eu tenho verdadeiro pavor. Saiba limpar sua própria bundinha sozinho, respire fundo, reflita e resolva seus problemas.

Crianças são emocionalmente instáveis. Uma hora te amam, mas quando você não faz algo que elas querem, elas gritam que te odeiam e viram a cara. Eu não tolero isso nem em quem tem razões biológicas para se portar assim por estar com o cérebro em desenvolvimento, muito menos toleraria de um adultinho que já deveria ter aprendido a lidar com suas emoções. Quer ser um retardado emocional? Sagrado direito seu. Sagrado direito meu não querer ficar por perto.

Deve ser enlouquecedor estar perto de uma pessoa instável emocionalmente, que, a qualquer minuto, a qualquer estopim, vai para um extremo: chora, briga, se deprime. Isso não é TPM, isso não é estresse, isso se chama imaturidade. Um adulto trabalha seu psicológico, seu emocional, se necessário procurando ajuda para isso, até ficar saudável. Se manter nessa montanha-russa emocional é coisa de parasita que suga algum benefício de seu descompensamento. Não de mim.

Só mantenho no meu círculo de convivência opcional quem, no saldo final, compensa. Por mais bacana que uma pessoa seja, se ela me gera problemas, encheção de saco, dor de cabeça e me suga tempo por razões egoísticas, não vou querer por perto. É uma questão quase que matemática: todos nós temos recursos limitados, por isso, precisamos escolher com sabedoria onde e com quem gastar. Recursos como tempo, disponibilidade emocional, paciência e muitos outros devem ser bem distribuídos entre amigos, família, relacionamento, trabalho. Se vem um arrombado e suga tudo, a vida fica difícil.

Pouco me importa se eu tenho algum gosto comum com essa pessoa, nenhuma afinidade apaga o fato de que adultinhos infantilizados são instáveis e a qualquer momento podem descambar para um faniquito ou uma crise de choro. Não estou disposta. Gente assim por perto desestabiliza quem está junto. Quero pessoas que me acrescentem, que eu admire, que eu tenha confiança de estar junto sem receio da pessoa fazer uma imbecilidade repentina em função de retardo emocional.

Construir qualquer relação com um adultinho infantilizado é construir um castelo na areia. Se a base não é sólida, uma hora vai desmoronar, e não vai ser bonito. Eu tenho valor, eu sou uma boa amiga, portanto, é legítimo que eu selecione muito bem quem vai estar ao meu lado. Se você tem consciência do seu valor, você não aceita qualquer merda só porque a pessoa gostou de você e quer ser sua amiga. Amigo a gente filtra, escolhe, seleciona, não pega o primeiro que se mostrar disposto.

Pode ser que o adultinho infantilizado seja uma pessoa legal? Pode. Mas existem pessoas legais e emocionalmente maduras, por que merdas eu vou topar menos do que isso? Não, obrigada. Não quero instabilidade perto de mim, quero consciência, quero pessoas bem resolvidas, quero gente estável, só assim dá para construir uma amizade saudável e que me acrescente algo. E, se nesta altura você está pensando que isso nem existe, talvez o problema seja você, que está atraindo gente débil mental, provavelmente por ter um lado seu bem débil mental para o qual você tenha que olhar, resolver e crescer.

Existe sim gente bem resolvida, emocionalmente estável e madura. Só que, justamente por serem assim, essas pessoas só ficarão ao lado de pessoas igualmente bem resolvidas, emocionalmente estáveis e maduras. Então, se você não vê essas pessoas, por algum motivo elas não estão se aproximando de você. Vale uma reflexão, em vez de reclamar que mulher é tudo histérica e homem é tudo tóxico.

Um dos maiores problemas do brasileiro é que ele se contenta com qualquer merda por ter autoestima baixa. Ficam quase que agradecidos por alguém querer ser seu amigo ou namorado. Vão pro inferno. Tem que selecionar de forma muito criteriosa as pessoas que te cercam, e isso implica em dispensar pessoas, por mais desconfortável que seja. Você não merece menos do que equilíbrio emocional e maturidade ao seu lado, se está aceitando menos, está com problemas de autoestima, ou é um adultinho infantilizado também.

Para dizer que vai concordar com o Somir pois na versão dele você não tem um problema, para dizer que gosta de infantilizados pois eles ficam dependentes de você e isso te dá segurança ou ainda para dizer que hoje descobrimos quem é realmente elitista: sally@desfavor.com

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Comments (22)

  • NÃO TEM coisa mais pau no cu do que aquela amiga que se submete à toda humilhação e depois vem reclamar do canalha – contra o qual vc alertou – bem na hora da sua leiturinha à noite.

  • Olha, acho que estou bem de amigos (até porque conto nos dedos quem é amigo de verdade!), eles não tem lá atitudes infantis não, no máximo o que rola é ter uns gostos peculiares, tipo ainda gostar de bandas da infância/adolescência, como Sandy & Junior.

  • Pior que, na minha idade, logo logo teremos amigos “idosinhos”, como um colega de 55 anos que se comporta como se tivesse 5+5 anos…

  • Geraldo Renato da Silva

    Sempre tive pouquíssimos amigos, justamente por não ter saco para aguentar muita frescura. Como fui criado junto com adultos e sou filho único, amadureci depressa e colhi (e colho) as coisas boas e ruins desse fato (minha vida social é uma tragédia).
    Acredito que todos nós temos qualidades e defeitos e isso é que nos faz humanos e únicos: o problema acontece quando a pessoa não respeita o seu espaço e passa a te impor uma visão de mundo e não aceita ser questionada.
    Mesmo que “a pessoa seja boa, mas tenha o gênio difícil” não é justificativa para ficar se engolindo sapos.
    No fim, sou da seguinte opinião: “antes sozinho tranquilo do que acompanhado com raiva”.

  • Se eu já não gosto de crianças versão original, que dirá de crianças 2.0, que ainda por cima acham que tem direito e opiniões e estão sempre certas? Deus me livre… viver ou trabalhar com pessoas assim é um inferno… e o que é pior, com crianças você dá um tablet com a galinha pintadinha e elas dão um sossego, com adultinhos não tem o que fazer.

  • Nem vai adiante amizade. Eles mesmos fazem beijinho, me chamam de feio e chato, depois deixam de falar comigo. Basta botar autoridade que eles somem. Isso pra mim é falta de porrada quando criança. Na minha geração a gente apanhava, agora os mimizentos não podem.

  • “para dizer que gosta de infantilizados pois eles ficam dependentes de você e isso te dá segurança”
    NEM FODENDO
    Gente dependente é a pior subespécie de adulto infantilizado, cansa sempre ter que tomar as rédeas de tudo e não ter alguém pra dar um input, uma ideia, aff

  • Dá pra manter coleguismo, tomar umas geladas, mas amizade em um sentido mais estrito eu acho complicado. Não tenho a paciência necessária.

  • Eu já tive que lidar com gente infantilizada em alguns momentos da vida (“”””””amigos”””””””, inclusive) e no fim quem se fodeu foi eu. Depois de tomar muito no cu, aprendi a priorizar minha saúde mental e emocional. Então afirmo categoricamente: não dá, não quero e não aceito.

    “estamos vivendo uma epidemia de adultos infantilizados. Pessoas que não querem ou não tem estímulo para amadurecer sua visão de mundo e acabam presas à comportamentos pra lá de infantis diante das questões habituais da vida”

    Eu tenho a impressão de que a mídia meio que colabora com isso (acho até que já comentei isso por aqui uma vez). Eu vejo alguns anuncios no Youtube e acho tudo muito bobo, muito colorido, muito infantilizado. Grandes empresas, de banco à marca de bebida, usam essa linguagem de “jovem descolado” pra se comunicar no Twitter com a galera, como se o mundo fosse formado exclusivamente por “jovens-adultinhos-de-20/30-anos” que não aceitam que a adolescencia deles acabou.

  • Determinados comportamentos, depois de certa idade, se tornam inaceitáveis e simplesmente ridículos. E eu prefiro que os adultinhos façam seu papel ridículo bem longe de mim…

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