Todo final de ano, o brasileiro torra o dinheiro que não tem para comprar fogos de artifício. Sally e Somir não se animam com luzinhas coloridas e a barulheira, mas não entram em acordo sobre a legalidade do tema. Os impopulares fazem seu barulho.

Tema de hoje: fogos de artifício caseiros deveriam ser proibidos no Brasil?

SOMIR

Não. E olha que eu já sou amargo o suficiente com o brasileiro médio para não confiar nele para praticamente nada. Eu entendo o ponto da Sally sobre a falta de maturidade desse povo para usar esse produto, mas se fosse para usar esse argumento de verdade, eu não sei se sobraria alguma coisa liberada no país. Esse povo não tem maturidade para basicamente nenhuma das tecnologias da sociedade moderna. Fogos de artifício são apenas mais uma concessão que pessoas responsáveis têm que fazer para manter o mundo suficientemente livre.

E nem estou argumentando a favor de algo que goste: fogos de artifício eram fascinantes durante a minha infância, mas depois disso deixaram de ter esse efeito. Não acho mais graça, mas entendo que ainda é um hobby ou mesmo um ganha-pão para muita gente. Com certeza algum interesse meu também parece infantil e inútil para outras pessoas, mas é assim que o mundo funciona: a gente tolera o gosto do outro pela liberdade de ter os nossos. Num mundo ideal esses gostos não causam problemas para a coletividade, mas evidente que não vivemos num mundo ideal.

Claro que não me anima a liberdade do Odaílson de encher a cara o dia 31 inteiro e mexer com explosivos no meio de uma favela feita de materiais inflamáveis, nem mesmo a tara que esse povo tem por fazer o máximo de barulho possível; mas mexer na liberdade dele significa mexer na liberdade de alguém que estuda o assunto e monta espetáculos multicoloridos com misturas precisas de elementos químicos. Ou mesmo quem honestamente fica emocionado com a experiência dos fogos, seja adulto ou criança.

Esse é equilíbrio difícil que temos que encontrar na vida em sociedade. Mesmo que um grupo não seja capaz de lidar com algo de forma responsável, se outro faz por onde merecer essa liberdade, não pode ser punido. Não que seja festa: drogas, por exemplo, são proibidas porque a maioria das pessoas não é capaz de lidar com elas de forma minimamente responsável. Mesmo que exista uma minoria que seja capaz de usar a tabela periódica inteira e continuar funcionando socialmente, sua liberdade ainda não compensa o risco brutal da liberação.

Mas na média, as coisas não funcionam de forma tão abrangente assim. No caso dos carros, uma minoria é irresponsável ao ponto de causar mortes, uma minoria faz tudo o que se espera de um motorista consciente, e a grande maioria vive numa média entre esses dois extremos. Mesmo com os números terríveis do trânsito brasileiro, ainda é uma minoria considerando a quantidade gigantesca de carros e motoristas que temos por aí. Se a maioria lida com algo de forma razoavelmente responsável, não faz sentido proibir para todos. Sacanagem tirar a liberdade de alguém que cuida muito bem do carro e dirige direitinho porque um imbecil acha que “dirige até melhor depois de beber”.

Aliás, álcool segue a mesma lógica: muita gente não sabe lidar com bebida, mas o número de alcoólatras é suficientemente pequeno para a sociedade continuar funcionando. A maioria não é muito responsável com bebida, mas o faz em doses toleráveis para a continuidade da existência humana. Tem gente que só gosta de tomar um vinho com os amigos enquanto bate um papo, essas pessoas não merecem perder seu prazer porque um cretino toma dois litros de pinga e volta pra casa para bater na mulher.

O que me leva de volta aos fogos de artifício. É a mesma lógica de uma maioria que não causa problemas suficientes, e duas minorias de extremos. Cai na regra básica de “liberdade que compensa”. Já existem várias regulações sobre o tema, você não pode comprar qualquer tipo de fogo de artifício e em tese, só pessoas qualificadas podem comercializar. O ser humano médio não costuma ter a capacidade de usar fogos com muita responsabilidade, mas o risco de causar um desastre por causa deles é suficientemente pequeno para permitir sua liberação controlada. Muita gente perde dedos? Perde. Mas é a mão delas. Muita gente deixa criança mexer com fogos? Deixa. Mas se morrer, evita que os genes passem para frente. O perigo da coletividade são os incêndios, basicamente. E esses são raros o suficiente para permitir a existência dos fogos.

Eu sei que é terrível para animais de estimação, mas as Felícias que me perdoem: prazer do ser humano está acima de tranquilidade de animais. Enquanto cachorros e gatos não desenvolverem armas nucleares, que aceitem as nossas condições. E, convenhamos que os genes que causam pânico suicida com barulhos altos não são desejáveis para espécies especializadas em convivência com seres humanos. Mais algumas gerações e os bichos vão estar acostumados, eles são excelentes nesse lance de evolução, podem ficar tranquilos.

Mas voltando aos fogos: ainda temos o elefante na sala sobre qualquer tipo de proibição numa sociedade informal como a brasileira. Nem mesmo as regulações que já existem evitam que pessoas comprem fogos muito mais poderosos que os permitidos, mas, como a maioria só quer fazer barulho pelo menor preço (sobra mais para a Skol), é mais fácil comprar os legalizados. Se todos forem ilegais, cidadão vai comprar morteiros no mercado negro que fatalmente vai se instalar na sequência. Aí, ao invés de perder dedo, vai perder o braço. Galpões clandestinos iluminados por fiação desencapada vão guardar a maioria deles, criando riscos absurdos de incêndios em comunidades mais pobres. Já é perigoso hoje, imagina se for ilegal? Quer ver o mercado todo de fogos na mão das facções?

Eu gostaria que as coisas fossem melhores, mas elas são assim. Na dúvida, pró-liberdade.

Para me chamar de favelado, para ficar engatilhada com a análise sobre animais de estimação, ou para dizer que deveria proibir esse povo de respirar: somir@desfavor.com

SALLY

Fogos caseiros deveriam ser proibidos no Brasil?

Sim. Dar poder de morte e incêndio a símios que não são capazes nem mesmo de uma higiene pessoal digna é colocar em risco toda a sociedade.

Não sou contra proibir coisas que façam mal à pessoa, e apenas à pessoa que faz uso errado dela. É apenas a Lei de Darwin em ação. Se a pessoa não tem meio neurônio e não consegue fazer uso funcional de qualquer instrumento ou ferramenta que o resto da sociedade usa, ela ficou para trás em inteligência e é melhor para a coletividade que ela saia de cena mesmo.

Quer tomar uma anfetamina para ficar magra ao ponto de danificar os rins e morrer? Fica à vontade. Quer fazer plásticas até não conseguir fechar os olhos? Vá em frente, não cabe ao Estado proteger a pessoa da própria imbecilidade. O objetivo das leis é a paz social, é preservar a coletividade, e não um imbecil pontual. Porém, isso muda quando a pessoa retardada em questão começa a ganhar poder para matar outros. Isso afeta a todos e aí sim é preciso tomar uma atitude.

Não que tenhamos que proibir tudo que pode matar qualquer um, pois nesse caso, teríamos que proibir basicamente tudo. Mas, quando algo já se mostrou danoso o suficiente para entrar nas estatísticas de causa de morte, para lotar prontos-socorros em determinadas épocas do ano, para virar reiteradas notícias sobre morte, desastres e mutilação, acho que a coisa ganha relevância suficiente.

Graças a esses critérios a sociedade decidiu vigiar e punir o idiota que dirige bêbado, por exemplo. A preocupação não é com aquele idiota específico e sim com as vidas inocentes que ele pode destruir e a reincidência de idiotas dirigindo bêbados mostrou que a questão precisava ser tutelada.

O mesmo vale para os fogos. Na verdade, no caso dos fogos fica ainda mais fácil decidir o que fazer: dirigir pode ser necessário, afinal, deslocamento é algo que as pessoas precisam fazer, para ir trabalhar, para viver. Soltar fogos é algo supérfluo que não acrescenta em nada, portanto, muito mais simples de ser proibido. Não impacta na vida de um adulto não poder soltar fogos. Mais um motivo para proibir.

Não é apenas o risco potencial de ferir alguém com queimaduras, há um dano difuso que existe pelo simples fato de soltar fogos. Atrapalha o descanso das pessoas, provoca sério mal-estar (e às vezes morte) em determinadas categorias como idosos, autistas e outros e até gera risco de grandes calamidades, como incêndios de grandes proporções, destruindo a casa dos outros, vegetação ou prédios públicos.

Minha experiência no Rio de Janeiro é que, normalmente, quando ocorre um evento onde as pessoas decidem soltar fogos, também existe a presença de álcool. Boa parte dos idiotas que soltam fogos o fazem após a ingestão de bebida alcoólica, ou seja, com o discernimento e os reflexos diminuídos. Parece uma boa combinação para você? Parece uma combinação que vá mudar por consciência das pessoas? Não. Isso mostra que é hora do Estado agir para preservar a coletividade.

Não acho justo que a sociedade tenha que conviver com esse risco, que a qualquer momento um idiota do prédio ou da casa da frente solte fogos da forma errada e um deles entre pela sua janela, queime sua casa, sua família. Não é sobre o Estado tutelar tudo que possa incomodar em potencial, é sobre preservar sua vida e seu patrimônio de um evento que já causou inúmeras mortes e estragos. Me parece grave demais para deixar ao acaso.

E seria uma proibição bem fácil de fiscalizar. Soltar fogos não é algo discreto como usar drogas, que pode ser feito em silêncio. Soltar fogos chama a atenção. Qualquer pessoa com um celular filma de onde estão partindo os fogos, isso seria mais do que suficiente para começar uma investigação. Poderia não dar em nada? Sim, como qualquer coisa neste país. Tem homicídio que não dá em nada (nem por isso vamos deixar de punir, certo?), mas ao menos causa algum tipo de dor de cabeça para quem tentar.

E talvez nem fosse o caso de pena de prisão, sobretudo quando a pessoa apenas soltou fogos sem danificar nada ou ninguém. Não parece produtivo prender alguém em presídio brasileiro, essa máquina de fazer psicopatas, por algo assim. Mas seria uma bela pena alternativa ir ajudar a cuidar de pessoas em hospitais para queimados, por exemplo. Talvez daí saia algum aprendizado para alguém.

E se quiserem que seja realmente eficiente, estipula o seguinte: haverá multa de mil reais para cada vez em que alguém soltar fogos, sendo que, deste mil, 10% serão revertidos diretamente para o policial que interceptou, impediu e prendeu o criminoso. Pode ter certeza, em seis meses ninguém mais solta nem um estalinho.

A proibição poderia criar um mercado negro? Sim, como qualquer coisa que é proibida no Brasil (nem por isso vamos deixar de proibir, certo?). Mas, até o mercado negro tem seu lado positivo: o preço dos fogos subiria, o que, por si só, já restringiria quem poderia comprá-los. Fora que a qualidade dos fogos sem fiscalização seria duvidosa, então, sucessivos acidentes aconteceriam com quem os compra, algo que também contribuiria para que fossem menos usados – nem que fosse pela morte de milhões de idiotas que soltam fogos.

Nada impede que com a proibição venha junto uma campanha de conscientização, tentando educar as pessoas sobre os perigos e sobre alternativas melhores. Funcionaria? Não, pois esses símios não são educáveis, são animais egoístas e irracionais que só querem fazer barulho sem se importar com o resto do mundo. Mas, sendo o caso, se você for romântico de acreditar que brasileiro é educável, saiba que não precisaria ser uma proibição arbitrária.

O brasileiro é uma criança mimada que não aceita arcar com as consequências daquilo que faz. Um levantamento rápido mostra que fogos causam acidentes seríssimos e em grande quantidade, mas se você proibir, vão ficar chorando como crianças, estilo “MAS EU QUEROOOOOO!”.

Foda-se, quem não tem discernimento, quem não tem consciência do outro, não deve ter poder de escolha. Caguei se iriam reclamar, o brasileiro médio não consegue nem usar um patinete sem se matar e sem matar os outros. Primeiro deixa de ser bicho e vira gente, depois pode lidar com pirotecnia e pleitear o que pode ou não ser permitido.

Tenho consciência de que proibição, por si só, não resolve nada em definitivo. Mas também sei que não proibir resolve menos ainda. Mesmo com proibição, alguns continuarão soltando fogos, mas certamente em menor quantidade, o que, a meu ver, já significa uma melhora. Não é sobre proibir tudo que esses animais não sabem usar, é sobre proibir o que esses animais não sabem usar e pode matar você e sua família, é sobre proibir algo que sistematicamente vem causando ferimentos, morte e destruição por décadas.

Gente burra precisa ser tratada como criança: fez merda? Toma o brinquedo. Lamento muito que o Brasil seja composto majoritariamente por pessoas burras ao extremo, mas é a realidade. Gente sem discernimento tem sim que perder o acesso a muita coisa, não por eles e sim pelo bem da coletividade.

Para dizer que barulho de fogos mata animais de estimação, para dizer que ainda acha pouco uma punição regular e que tinham que enfiar rojão aceso no cu desses filhos da puta ou para dizer que país merda com gente imbecil tem que ser mesmo cheio de proibições: sally@desfavor.com

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Comments (14)

  • Não devem Proibir fogos, devem proibir pais irresponsáveis de ter filhos. Pais que não dão educação e o exemplo de que queimar fogos não traz e não tem nada de bom, inclusive faz mal para os pulmões respirar aquele ar poluído que os fogos liberam ao queimar.

  • Existem modelos de fogos de artifício silenciosos, mas os caras tem fetiche em barulho. Fogos, música em caixa de som, televisão e áudios e vídeos do zap no volume máximo, comunicação com os membros da família feita por berros, criança chorando, cachorro mal educado latindo pra tudo, milésima reforma no barraco (pobre também tem fetiche em reforma), argh!

  • Fogos é uma parada bem escrota, mas proibir é absurdo. Cada ano vai diminuindo. Com esclarecimento as pessoas vão deixando as merdas de lado.

  • Meu pavor ao proibir é tornar a venda clandestina atraente e, com isso, proliferar galpões clandestinos, sem fiscalização nem mão-de-obra qualificada, no meio de bairros densamente povoados.

    Não subestimem a capacidade do brasileiro criar uma tragédia. Um conhecido meu morreu com várias outras pessoas quando pediu a um funileiro soldar um vazamento em seu caminhão…tanque.

  • Confesso que fiquei bem dividido, os dois textos tem pontos de vista extremamente válidos. Realmente a mentalidade do povo em lidar com fogos, é lastimável, mas se pegarmos o exemplo do trânsito, muita gente também desobedece placas e sinais e não perdem a carteira. Não tem jeito, se proibir dar-se uma outra forma de adquirir, o negócio é deixar correr mesmo….

    • Se proibir, alguns darão um jeito de adquirir, mas muitos não. Já reduz o risco de um rojão entrar na minha casa.

  • Não. As mães de pet e bostileiros em geral passam o ano todo com a caixa de som ligada a toda altura no funk dentro das suas malocas infernizando a vida de todo mundo num raio de 3 quarteirões, aí chega final do ano e querem proibir fogos porque o cachorro fresco não agunta 10 minutos de barulho. Me poupe!

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